sábado, 22 de março de 2014

Cruzada contra a indigência mental‏


Dentre tantas necessidades e misérias, um mal

clamoroso: a dindigência mental

Latim - a mais “prática” dentre todas as matérias

Nevile Gwynne: Latim é parte da nossa cultura de inúmeras maneiras diferentes


[tradução de César Hernandes; revisão de Raphael de la Trinité].


Incisivo, Nevile Gwynne, pedagogo e filólogo, indaga: bastará restabelecer o ensino do latim, reintroduzindo-o no cerne do currículo escolar? Peremptório, ele próprio responde: Se não voltarmos aos métodos tradicionais de ensiná-lo, de nada adiantará.

Retrocedamos na história.

Em números redondos, até a década de 1860, as línguas clássicas — latim e grego — eram as únicas matérias regularmente ensinadas nos principais estabelecimentos de ensino da Inglaterra. No decorrer de boa parte do século XX, já aos 16 anos, os estudantes deveriam estar aptos a ler Virgílio — no decorrer de todas as épocas, talvez o escritor mais difícil de ser entendido...

Nos tempos em que eu frequentava os bancos escolares, ao longo da década de 1950, o tempo consagrado ao estudo da língua latina suplantava o de qualquer outra matéria. Como explicar, então, que, na década seguinte, de forma abrupta e arbitrária, tenham suprimido o ensino do latim?

É fato que, nos últimos tempos, o latim voltou à baila. De fato, ponderável número de colégios, mais recentemente, decidiu reintroduzir o ensino da matéria, ao menos no âmbito de estudo do vocabulário etimológico. Ao mesmo tempo, novos livros didáticos de latim têm aparecido em profusão. E, assim vai chegando a vez de meu livro, "Gwyne's Latim" [Latim de Gwyne], que em breve, concluídas todas as etapas de gestação, virá a lume.

Com que propósito aprender latim? Eis a questão premente.


*** * ***


Comecemos por lembrar que o conhecimento de latim conduz a uma mais nítida percepção da semântica e da ortografia de considerável número de palavras inglesas. Além disso, revela-se de extrema utilidade para o aprendizado das diversas línguas europeias, derivadas do tronco latino. Por fim, tenhamos presente o requintado teor da literatura dessa mesma língua.

Ademais, parte integrante de nossa cultura, de inumeráveis maneiras — por exemplo, os dísticos da maioria dos países, cidades e instituições, são grafados em latim, assim como os nomes oficiais de todas as plantas e compostos químicos.

Nada disso, porém, de si, parece justificar que se reservem longas horas para o estudo do latim. 

Provavelmente só deporia em favor da inclusão da língua como matéria “não obrigatória” no currículo — à maneira de um curso de bordado ou do aprendizado de qualquer outro ofício manual. Mesmo assim, com que regularidade? Com frequência diária, revezando-se com o ensino do grego clássico, como se fazia até há pouco?

Esse, contudo, é só um lado da questão. Há outros aspectos a considerar.

Não será de pequeno alcance lembrar, por exemplo, que durante o longo período em que, nos currículos escolares, latim e grego constituíam as únicas matérias de inclusão obrigatória, a Grã Bretanha era “soberana” em toda a acepção do termo — ou seja, não só na indústria, com as invenções tecnológicas, mas também no terreno da literatura, com suas inexcedíveis obras, sem contar o domínio político sobre um quarto da superfície do globo.

Eis o que nos leva a analisar o tema sob um ângulo mais profundo.

Experimentados pedagogos sempre alegaram que, ao invés de constituir obstáculo para o aprendizado de outras disciplinas de cunho mais “prático”, o latim — justamente por causa do efeito profundo exercido sobre a mente e o caráter das pessoas que aprendem essa língua — seria a mais “prática” dentre todas as matérias. Será que não lhes assiste razão?

Na década de 1980, com efeito, realizou-se um teste em várias porções do território norte-americano, tendo como objetivo aperfeiçoar o ensino ministrado a crianças excepcionais. Em Indianapolis, a pesquisa obedeceu a critérios de análise meticulosos.

Nessa localidade, 400 meninos de 11 anos foram divididos em dois grupos. No primeiro grupo figuravam 200 meninos, aos quais foram ensinadas as disciplinas correntes: inglês, matemática, história, geografia, e assim por diante. Já para o segundo grupo (as outras 200 crianças), o ensino do latim foi objeto de estudo durante a maior parte do dia, em detrimento das demais matérias, que tiveram os seus horários reduzidos. — Qual foi o resultado desse curioso levantamento? Surpreenderá, certamente, a quem desconheça o efeito que o estudo do latim exerce sobre o intelecto.

De fato, em todas as matérias do currículo, inclusive matemática e ciências (apesar da considerável redução no tempo empregado ao ensino destas), o grupo que recebeu aulas de latim comprovou um aproveitamento significativamente superior — note-se bem, não apenas superior, mas “significativamente” superior — em relação aos que não tiveram lições desta disciplina. 

Nos meios acadêmicos, existem aqueles que se opõem ao restabelecimento do primado do latim. Assim, no tocante à pesquisa acima, tais objetantes alegam que o teste deveria ter sido feito com o ensino da língua francesa ou alemã, e não com o latim. E aduzem: em tal caso, os resultados obtidos teriam sido muito semelhantes, quiçá ainda mais satisfatórios.

Digam o que disserem esses especialistas, pode-se atestar — seja pelos argumentos de ordem prática, seja pelos de ordem teórica, mais comumente utilizados — que os nossos antepassados, gerações a fio, deram mostra de ter plena consciência do que faziam. No que me cabe, sabendo que o tema é de crucial importância e de palpitante interesse, consagro parte do meu livro à explicação de nota singular do latim, que o caracteriza a fundo, dando margem a esse extraordinário efeito.

Isso assente, a todos quantos respeitam e amam as crianças, augurando-lhes o melhor futuro, sugiro que se coliguem, no sentido de pleitear com insistência que o latim seja trazido de volta às escolas. E, não só para uma elite de cérebros privilegiados, mas para todas, indiscriminadamente.

Bastaria isso? Obviamente, não.

Para que haja um significativo aperfeiçoamento na educação, ainda falta algo: indispensável mudar a metodologia do ensino. Explica-se.

Não foi apenas o currículo que se alterou, da década de 1960 em diante; concepção e metodologia escolar passaram por uma revolução simultânea, originando-se daí  desastrosas consequências.

Em face de qualquer espécie de ensino, cumpre, em primeiro lugar, adquirir domínio sobre a matéria em si. Numa segunda etapa, e somente aí, fazer a aplicação do aprendizado à prática. Em suma, antes a “teoria”, depois a “capacidade criadora”.

O princípio é válido para toda forma de conhecimento: aplica-se tanto ao conhecimento de uma língua como às técnicas de um esporte ou às regras de um jogo de tabuleiro.

Mormente com uma língua repleta de flexões, tal como o latim. Cabe, então, começar decorando as diversas formas da palavra que se deseja utilizar, assim como aprender qual forma usar em cada circunstância.

O passo seguinte consiste em fazer exercícios para tornar-se ágil no uso daquilo que foi aprendido, até o ponto de fazer aquilo sem dificuldade. E, passando de um patamar a outro, ir progredindo rumo a uma forma mais elaborada.

Não conheço nenhum livro didático de latim que insista nessa abordagem. Pelo contrário, muitos são os que enveredam pela direção oposta, qual seja, pretendem entreter o aluno fazendo-o repetir máximas e citações latinas, baseando-se na suposição errônea de que, mesmo sem qualquer rudimento de gramática, o indivíduo se torne capaz de adivinhar o termo equivalente em inglês.

O resultado?

Não é de hoje que renovo, de público, o meu desafio: em meia hora de aula, consigo fazer um aluno aprender muito mais do que ele aprenderia ao cabo de quatro ou cinco anos de aulas num colégio atual, com base nos livros didáticos modernos.

Pode parecer presunção, mas não retiro uma palavra do que disse. Aliás, convido o leitor a visitar o meu website, a fim de colher diretamente os relatos de pessoas que aceitaram o meu desafio.

Em síntese, reputo digno de nota o meu livro, que sairá em breve. Além de proporcionar, desde o início, a alunos e professores, um aprendizado de nível razoavelmente elevado, desataco dois outros pontos.

O primeiro aspecto concentra-se na demonstração de como o latim deveria ocupar a posição-chave em qualquer sistema educacional. O segundo reside na insistência com que faço ver que não há outro meio de ensinar latim com eficácia.

Considero, pois, justas minhas expectativas em relação a "Gwynne's Latin". Acredito que terá boa difusão e trará grande proveito. Em minha visão, vale mais do que um  manual de estudo: constitui o lançamento de uma cruzada. 


Fonte: Telegraph

Os Novíssimos: Morte, Juízo, Céu e Inferno



Artigo sobre os novíssimos do homem, contendo uma importante meditação extraída dos escritos de Santo Afonso Maria de Ligório, fundador da Congregação do Santíssimo Redentor.


A Morte: o primeiro novíssimo


O Livro do Eclesiástico contém um conselho fundamental para nossa salvação: “Em todas as tuas obras, lembra-te dos teus novíssimos, e jamais pecarás (Ecl. 7, 40). Assim se recordamos sempre da morte, do juízo, do céu e do inferno jamais pecaremos. Se o mundo anda tão mal, é porque pouco se medita ou mesmo não se cogita seriamente sobre os Novíssimos. Os Santos, no entanto, não só os tinham sempre presentes, mas também pregavam sobre eles aos outros. Um deles foi o grande Santo Afonso Maria de Ligório, Doutor da Igreja e grande moralista.
Aos 22 anos, formado em Direito Civil e Canônico e um dos mais promissores advogados de Nápoles, tudo abandonou, após um lapso involuntário na defesa de uma causa judicial, para entregar-se às pregações populares. Fundou a Congregação do Santíssimo Redentor e escreveu inúmeras obras. É de sua famosa Preparação para a Morte que extraímos trechos que versam sobre os Novíssimos, começando hoje com a morte.
* * *
Morte de São Boaventura. - Francisco de Zurbaran (sec. XVII), Museu do Louvre, París
“Considerai que sois pó, e que em pó vos haveis de tornar. Virá um dia em que morrereis e sereis lançado à podridão num fosso, onde o vosso único vestido serão os vermes. Tal é a sorte reservada a todos os homens, aos nobres e aos plebeus, aos príncipes e aos vassalos. Logo que a alma saia do corpo com o último suspiro, dirigir-se-á à eternidade e o corpo deverá reduzir-se a pó.
“Imaginai que estais vendo uma pessoa que acaba de exalar o último suspiro; considerai esse cadáver deitado ainda no leito, com a cabeça pendida sobre o peito, os cabelos em desalinho banhados ainda nos suores da morte, os olhos encovados, as faces descarnadas, o rosto acizentado, a língua e os lábios cor de ferro… o corpo frio e pesado. Empalidece e treme quem quer que o vê. Quantas pessoas, à vista de um parente ou de um amigo morto, não mudaram de vida e não deixaram o mundo!
“Mais horrível ainda é o cadáver quando principia a corromper-se. Há apenas 24 horas que esse moço morreu, e já o mau cheiro se começa a sentir. É preciso abrir as janelas e queimar incenso; é preciso quanto antes enviar esse corpo à igreja e entregá-lo à terra, com receio de que venha a infeccionar toda a casa. ….
“No que se tornou esse orgulhoso, esse dissoluto! Ainda há pouco acolhido e desejado nas sociedades, agora objeto de horror e de desgosto para quem o vê! …. Há bem poucos instantes ainda, não se falava senão do seu espírito, da sua polidez, das suas belas maneiras, dos seus bons ditos; mas apenas está morto, já se perdeu a lembrança de tudo isto. ….
“Pensai bem que, assim como vós fizestes na morte dos vossos amigos, assim os outros agirão convosco. Os vivos entram para aparecer por sua vez na cena, ocupando os bens e os lugares dos mortos, e destes já não se faz ou quase não se faz caso ou menção. …
“Na morte é preciso deixar tudo. O irmão de Tomás de Kempis, esse grande servo de Deus, felicitava-se por ter construído uma casa magnífica. Houve porém um amigo que lhe notou um defeito. ‘Onde está?’ – perguntou ele. Respondeu-lhe o amigo: ‘O defeito que lhe acho é terdes vós mandado construir nela uma porta’. ‘O quê! Uma porta? Pois isso é defeito?’. ‘Sim – acrescentou o amigo – porque um dia, por essa porta, devereis sair sem vida, e assim deixar a casa e tudo o mais’.

Juízo: o segundo novíssimo


Tendo considerado em nossa última edição o primeiro dos novíssimos _ a Morte _, abordaremos hoje o segundo: o Juízo. Para isto reproduzimos o texto abaixo, de Santo Afonso Maria de Ligório, sobre o juízo da alma culpada, na sua admirável obra Preparação para a morte.

Do Juízo Particular

A alma culpada diante do Juiz


O Divino Redentor virá, em pessoa, julgar a alma, após a morte, no Juízo Particular
É sentimento comum entre os teólogos que o Juízo particular se faz logo que o homem expira, e que no próprio lugar onde a alma se separa do corpo, aí é julgada por Jesus Cristo, que não manda ninguém em seu lugar, mas vem Ele mesmo para este fim.
A sua vinda, diz Santo Agostinho, é motivo de alegria para o fiel e de terror para o ímpio. Qual não será o espanto daquele que, vendo pela primeira vez o seu Redentor, o vir indignado! Esta idéia causava tal estremecimento ao Padre Luís Dupont, que fazia tremer consigo a cela. O venerável Padre Juvenal Aucina, ouvindo cantar o Dies Irae (Dia da Ira), pensou no terror que se lhe havia de apoderar da alma quando se apresentasse no dia do Juízo, e resolveu deixar o mundo, o que efetivamente fez. O aspecto do Juiz indignado será o anúncio da condenação. Segundo São Bernardo, será então mais duro sofrimento para a alma ver Jesus Cristo indignado do que estar no inferno.
Têm-se visto criminosos banhados em copioso suor frio na presença de um juiz terrestre. Pison, comparecendo no senado com as insígnias da sua culpa, sentiu tamanha confusão, que a si próprio deu a morte. Que pena não é para um filho ou um vassalo ver seu pai ou o seu príncipe indignados! Que maior mágoa não deve sofrer uma alma à vista de Jesus Cristo, a quem desprezou durante toda a vida! Esse Cordeiro, que a alma via tão manso enquanto estava no mundo, vê-Lo-á agora irritado, sem esperança de jamais O apaziguar. Então pedirá às montanhas que a esmaguem e a furtem das iras do Cordeiro indignado. ….
Considerai a Acusação e o Exame. Haverá dois livros: o Evangelho e a Consciência. No Evangelho ler-se-á o que o culpado devia fazer; na Consciência, o que tiver feito. Na balança da divina justiça não se pesarão as riquezas, nem a dignidade, nem a nobreza das pessoas, mas sim, somente as obras. Diz Daniel: “Fostes pesado e achado demasiadamente leve”. Vejamos o comentário do Padre Alvarez: “Não é ouro nem o poder do rei que está na balança, mas unicamente sua pessoa”.
Virão então os acusadores, e em primeiro lugar o demônio, diz Santo Agostinho. Representará as obrigações em que não nos empenhamos e que deixamos de cumprir, denunciar-nos-á todas as faltas, marcando o dia e o lugar em que as cometemos.
Cornélio a Lapide acrescenta que Deus porá novamente diante dos olhos do pecador os exemplos dos santos, todas as luzes e inspirações com que o favoreceu durante a vida e, além disso, todos os anos que lhe foram concedidos para que os empregasse na prática do bem. Tereis, pois, de dar conta até de cada olhar, diz Santo Anselmo. Assim como se funde o ouro para o separar das escórias, assim são examinadas as boas obras, as confissões, as comunhões etc.

 

Do Juízo Particular II

O justo experimenta, ao morrer, um prelibar da alegria celestial


 “Com que alegria não recebe a morte o que se acha na graça de Deus e cedo espera ver Jesus Cristo e ouvir-lhe dizer: ‘Bom e fiel servo, recebe hoje a tua recompensa; entra por toda a eternidade na alegria do teu Senhor!’ Que consolação não darão então as penitências, as orações, o desprendimento dos bens terrestres e tudo o que se tiver feito em nome de Deus! Gozará então, o que tiver amado a Deus, o fruto de todas as suas obras.
            Persuadido desta verdade, o padre Hipólito Durazzo, da Companhia de Jesus, longe de chorar, mostrava-se alegre todas as vezes que morria algum religioso seu amigo com sinais de salvação. Que absurdo – diz São João Crisóstomo – seria não acreditar na existência do paraíso eterno e chorar o que para ele se dirige.
Que consolação então nos dá especialmente a lembrança das homenagens prestadas à Mãe de Deus! – tais como rosários, visitas, jejuns do sábado e congregações frequentadas em honra sua. Virgo Fidelis se chama a Maria, e como Ela é fiel em consolar nos últimos momentos os seus servos fiéis!
Conta o Pe. Binet que um piedoso servo da Santa Virgem dizia ao morrer: ‘Se soubésseis o contentamento que, próximo da morte, sentimos na alma por termos procurado servir bem à Santíssima Mãe de Deus durante a nossa vida, ficaríeis admirados e consolados. Eu não posso significar a alegria do coração no momento em que me estais vendo’.
Que alegria também para o que amou a Jesus Cristo, e muitas vezes O visitou no Santíssimo Sacramento e O recebeu na Santa Comunhão, ver entrar no quarto seu Senhor que vem em Viático, para o acompanhar na passagem para a outra vida! Feliz então o que lhe puder dizer como São Felipe Nery: ‘Eis aqui o amor do meu coração, eis aqui o meu amor; dai-me o meu amor!’.
Dirá todavia alguém com receio: ‘Quem sabe a sorte que me está reservada? Quem sabe se por fim terei má morte?’ – A quem fala desta maneira, faço apenas uma simples pergunta: O que é que torna a morte má? O pecado, só o pecado. Logo, é preciso receá-lo unicamente, e não a morte, diz Santo Ambrósio. Quereis não recear a morte? Vivei bem.
O Pe. de  la Colombière (Serm. 50) tinha por moralmente impossível que pudesse padecer morte má o que foi fiel a Deus durante a vida. É o que já tinha dito Santo Agostinho. O que está preparado para morrer não receia a morte, qualquer que seja, ainda que venha de improviso.
E como só podemos gozar a Deus por meio da morte, aconselha São Crisóstomo que de bom coração ofereçamos a Deus este sacrifício necessário. Compreenda-se bem que aquele que oferece a Deus a sua morte pratica para com Ele o ato de amor mais perfeito possível, pois que, abraçando de bom coração esta morte que agrada a Deus, no tempo e do modo que Deus quer, torna-se semelhante aos Santos Mártires”.

O Paraíso Celeste


 Em seu livro Preparação para a Morte, Santo Afonso trata também do último dos Novíssimos, isto é, do Paraíso Celeste,  para onde vão as almas dos justos após sua purificação no Purgatório, ou então diretamente, pelo martírio ou por uma grandíssima santidade. A existência do Céu é igualmente dogma de Fé. Dentre os vários aspectos com que o Santo analisa o Paraíso, escolhemos para a leitura de hoje o capítulo Felicidade do Céu, que, julgamos, será de proveito espiritual para nossos leitores.

Felicidade do Céu

Depois de entrar na felicidade de Deus, a alma não terá mais nada a sofrer. No paraíso não há doenças, nem pobreza, nem incômodos. Deixam de existir as vicissitudes dos dias e das noites, do frio e do calor; é um dia perpétuo, sempre sereno, primavera perpétua, sempre deliciosa. Não há perseguições nem ciúmes; neste reino de amor, todos os seus habitantes se amam mútua e ternamente, e cada qual é tão feliz da ventura dos outros como da própria. Não há receios, porque a alma, confirmada na graça, já não pode pecar nem perder a Deus. Tudo é novo, tudo consola, tudo satisfaz.
Os olhos deslumbrar-se-ão com a vista desta cidade cuja beleza é perfeita. Que maravilha não nos causaria a vista de uma cidade cujas ruas fossem calçadas de cristal, e cujas casas fossem palácios de prata ornados de cortinados de ouro e de grinaldas de flores de toda espécie. Oh, quanto mais bela ainda é a cidade celeste!
Que delicioso não será ver todos os seus habitantes vestidos com pompa real, porque todos efetivamente são reis, como lhes chama Santo AgostinhoQuot cives, tot reges.
Que delicioso não será ver Maria, que parecerá mais bela que todo o paraíso! Que delicioso não será ver o Cordeiro divino, Jesus, o Esposo das almas!
Um dia Santa Teresa viu apenas uma das mãos de Cristo e ficou cheia de admiração à vista de semelhante beleza.
Cheiros suavíssimos, perfumes incomparáveis regalarão o olfato. O ouvido ouvirá arrebatado as harmonias celestes. Um Anjo deixou um dia São Francisco ouvir um único som da música celeste, e o Santo julgou morrer de felicidade. O que não será ouvir todos os Santos e todos os Anjos cantarem em coro os louvores de Deus! O que não será ouvir Maria celebrar as glórias do Altíssimo! A voz de Maria é no Céu, diz São Francisco de Sales, o que é num bosque a do rouxinol, que vence a de todas as outras aves.
Numa palavra, o paraíso é a reunião de todos os gozos que se podem desejar.
Mas essas inefáveis delícias até aqui consideradas são apenas os menores bens do paraíso. O bem, que faz o paraíso, é o Bem supremo, que é Deus, diz Santo Agostinho. A recompensa que o Senhor nos promete não consiste unicamente nas belezas, nas harmonias, nos outros encantos da bem-aventurada cidade; a recompensa principal é Deus, isto é, consiste em ver Deus face a face a amá-Lo.
Assegura Santo Agostinho que, para os condenados, seria como estar no paraíso se chegassem a ver Deus. E acrescenta que se fosse dado a uma alma, ao sair desta vida, a escolha de ver a Deus ficando nas penas do inferno, ou ser livre das penas do inferno e ao mesmo tempo privada da vista de Deus, ela preferiria a primeira condição.
A felicidade de contemplar com amor a face de Deus, não a podemos conceber neste mundo, mas procuremos avaliá-la, ainda que não seja senão pela rama, segundo os efeitos que conhecemos.

O Inferno


 Já abordamos os temas da Morte, do Juízo e do Paraíso Celeste. Trataremos hoje do  terceiro dos Novíssimos, isto é, o Inferno. Há vários ângulos sob os quais se pode analisar o Inferno. Escolhemos uma penetrante análise desse lugar de tormento,  para onde vão as almas daqueles que morreram na inimizade de Deus, extraída da renomada obra Preparação para a morte, de Santo Afonso Maria de Ligório.
     Consideremos a pena dos sentidos. É de fé que existe o inferno. E no centro da Terra se acha esta horrível prisão destinada a punir os que se revoltaram contra Deus.
“O que é o inferno? Um lugar de tormentos (Lc 16, 28), como lhe chama o mau rico que a ele foi condenado: lugar de tormentos, onde todos os sentidos e todas as faculdades do condenado devem ter o seu tormento próprio, e quanto mais se tiver ofendido a Deus com algum dos sentidos, tanto mais terá a sofrer este mesmo sentido.
“A vista será atormentada pelas trevas. De quanta compaixão nos possuiríamos se soubéssemos que existia um infeliz encerrado em escuro cárcere por toda a vida, ou por quarenta ou cinqüenta anos! O inferno é um abismo fechado de toda a parte, onde nunca penetrará raio de sol ou de qualquer outra luz. Neste mundo o fogo ilumina; no inferno, deixará de ser luminoso.
“Segundo São Basílio, o Senhor separará do fogo a luz, de tal sorte que este fogo arderá sem iluminar, o que Alberto o Grande exprime mais brevemente nestes termos: “Dividet a calore splendorem” [separou do calor a luz]. O fumo que sair dessa fornalha formará o dilúvio de trevas de que fala São Judas [Tadeu], e que afligirá os olhos dos condenados. São Tomás diz que os condenados só terão a luz suficiente para serem mais atormentados; a esta sinistra claridade, verão o estado horrendo dos outros réprobos e dos demônios, que tomarão diversas formas para lhes causarem mais horror.
“O olfato terá também o seu suplício. Quanto não sofreríamos se nos metêssemos num quarto onde jazesse um cadáver em putrefação! O condenado deve ficar no meio de milhões e milhões de condenados, cheios de vida com relação às penas que sofrem, mas verdadeiros cadáveres enquanto ao mau cheiro que exalam.
“Diz São Boaventura que o corpo de um condenado, se acaso fosse atirado à Terra, bastaria com sua infecção para fazer morrer todos os homens. E ainda há insensatos que se atrevem a dizer: ‘Se for para o inferno, não me hei de achar só!’ Infelizes! Quantos mais lá encontrarem, tanto mais sofrerão, como assegura São Tomás. Tanto mais se sofrerá, digo eu, por causa da infecção, dos gritos e do aperto, porque os réprobos estarão no inferno tão juntos uns dos outros, como rebanho de ovelhas encerradas no curral durante a tempestade; ou, para melhor dizer, serão como uvas esmagadas no lagar da cólera de Deus.
“Daí nasce o suplício da imobilidade: Fiant immobiles quasi a lapis (Exod. 15, 16). Pela maneira como o condenado cair no inferno no último dia, dessa maneira viverá ali constrangidamente, sem nunca mudar de situação, e sem nunca poder mexer pés nem mãos enquanto Deus for Deus.
“O ouvido será continuamente atormentado pelos rugidos e queixas desses infelizes desesperados. A este barulho contínuo acrescentarão sem cessar os demônios ruídos pavorosos. Quando desejamos dormir, é com o maior desespero que ouvimos o lastimar contínuo de um doente, o ladrar de um cão ou o choro de uma criança. Qual não será o tormento dos condenados obrigados a ouvir incessantemente, durante toda a eternidade, esses ruídos e clamores insuportáveis!
“Pelo que diz respeito ao gosto, sofrer-se-á fome e sede. O condenado sentirá uma fome devoradora, mas nunca terá nem uma só migalha de pão. Além disso, será atormentado de tal sede que nem todas as águas do mundo bastariam para lha apagar. Apesar desta terrível sede, não terá uma só gota. O mau rico pediu-a, mas nunca a obteve e não a obterá nunca, nunca!”
(Preparação para a Morte, Parceria Antônio Maria Pereira, Livraria Editora, Lisboa, 5a. edição, 1922, pp. 207 e ss.).

Retirado de: Lepanto
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