Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
6
de Novembro
O
SOFRIMENTO DO PURGATÓRIO
Sofrimento
terrível
Exclamava
Jó, o profeta, e com ele repetem as santas almas do purgatório: Miseremini
mei! Saltem vos amici mei, quia manus Domini tetigit me! — Tende
compaixão de mim! Tende compaixão de mim! Ao menos vós que sois meus amigos,
porque a mão de Deus me feriu!
Sim,
a Justiça de Deus fere as benditas almas para as purificar e santificar e
torná-las dignas do esplendor da glória celeste e da visão de Deus. E que
sofrimentos incríveis padecem elas! Que fogo devorador! Fogo que acrisola o
ouro e prepara os eleitos para a visão divina, a glória eterna!
Sofrer
é a condição das almas do purgatório. Pertencem elas à Igreja padecente. Desde
que o pecado entrou no mundo, só pela cruz Jesus nos salvou, e só pelo fogo do
sofrimento chegamos ao céu. O purgatório foi chamado o oitavo sacramento do
fogo. Sacramento da misericórdia na outra vida.
As
almas do purgatório,
diz o Pe. Faber, estão num estado de sofrimento que a nada se pode comparar
e nem se pode fazer uma idéia.
Segundo
Santo Tomás e Santo Agostinho, quanto ao
sofrimento, as penas do purgatório são análogas às do inferno.
Santa
Catarina de Genova, após uma visão do purgatório, exclama: Que coisa
terrível é o purgatório! Confesso que nada posso dizer e nem conceber que se
aproxime sequer da realidade. Vejo que as penas que lá padecem as almas são tão
dolorosas como as penas do inferno[1].
O
purgatório tem penas,
diz a autoridade de Santo Tomás de Aquino, penas que ultrapassam a
todos os sofrimentos deste mundo[2].
É
o mais horroroso de todos os martírios.
E
como não hão de clamar as benditas almas das profundezas do abismo das chamas
expiadoras: Miseremini mei! Miseremini mei! — Tende
compaixão de mim!
Segundo
os teólogos e autores abalizados, as almas do purgatório sofrem tanto que não
há na linguagem humana o que possa traduzir os tormentos terríveis que
padecem. Santa Catarina de Genova, chamada a teóloga do purgatório,
a quem Nosso Senhor revelou o sofrimento da expiação dos justos, diz ser
impossível traduzir na linguagem humana e o nosso entendimento não pode
conceber tal sofrimento. É preciso uma graça e uma iluminação especial de Deus
para compreender estas coisas, dizia a Santa.
“É
peor que todos os martírios”, disse o Padre Faber.
“As
penas do purgatório são passageiras, não são eternas, diz São Gregório
Magno, mas creio que são mais terríveis e insuportáveis que todos os males
desta vida”.
Domingos Soto escreveu: “Se o
homem tivesse de suportar os tormentos do purgatório, a dor o mataria num
instante. A alma imortal por sua natureza torna-se mais forte pela separação
do corpo orgânico e por isto tem capacidade para tanto sofrimento”.
Há
dois sofrimentos, duas penas principais no purgatório: a pena do dano ou separação
de Deus, e a pena do sentido, tormento do fogo.
A pena do dano
Que
é a pena do dano que padecem as almas do purgatório?
É
a que sofrem por se verem privadas da visão de Deus no céu. A visão intuitiva
que consiste na felicidade de ver a Deus como é, segundo a palavra de São
Paulo: videbimus eum sicuti est. Não ver a Deus, cuja beleza
soberana e cuja bondade elas compreendem agora de modo tão claro e sentem ser
Ele o Soberano Bem, único desejável e a suprema Beleza, única que pode
encantar uma alma!
Pois
separada do Soberano Bem, a alma sente um horrível martírio mais insuportável
do que todos os tormentos que possa padecer e até do fogo do purgatório em que
se acha.
Santo
Tomás de Aquino tratando
da pena do dano, diz ser mais insuportável, maior e mais terrível que a pena
do sentido. Não ver a Deus, não possuir este Deus, único encanto da pobre alma
que já não tem mais nada que a possa seduzir ou enganar, e deixá-la esquecida
da Suprema Felicidade! Aqui neste mundo a tibieza, o apego à terra e nossa
fraqueza, fazem com que muitas vezes nos esqueçamos de Deus e vivamos sem
sentir e nem imaginar sequer o que seja estar separado de Deus. Há quem não
possa sequer imaginar o que possa haver de sofrimento nesta ausência de Deus
que é a pena do dano. Porém, ai! Quando a alma separada deste corpo
mortal sentir a necessidade de voar para Deus, de possuir a Deus, atraída pelo
Bem Infinito, sedenta da posse de Deus e da Eternidade, então há de sentir, há
de perceber quanto é doloroso e horrível estar um minuto que seja separada do
Bem Soberano, separada de Deus! É a horrível pena do dano.
“Sentir
um ímpeto de ir para Deus sem o poder satisfazer, isto, diz Santa
Catarina de Genova, é o maior sofrimento que se possa imaginar, é propriamente
o purgatório. Este estado é um estado de morte, uma angústia inenarrável”[3].
A
Liturgia da Igreja chama-o com razão de morte: Libera eas a
morte...
Sabeis
o que é o suplício de quem está sufocado e não pode respirar? Que horror! A
alma está como sufocada, não pode respirar o que é a vida e razão de ser, Deus,
o Infinito, o Eterno, o Paraíso! A pobre alma no purgatório se precipita no
tormento e no fogo, quer se purificar, suspira pelo Bem Eterno, sofre e sofre,
mas deseja mais sofrimento para que chegue logo a hora de contemplar o seu
Deus, a Eterna Beleza que o atormenta naquelas chamas da expiação!
Tem-se
visto neste mundo, escreveu Mons. Bougaud,[4] afeições
tão profundas, almas que se amavam e não puderam suportar a separação e
morreram de dor. Que não será no purgatório? Podemos dizer que si Deus por um
milagre da sua Onipotência não sustentasse as almas do purgatório, elas
ficariam aniquiladas de dor longe daquele Deus que amam apaixonadamente. Si
compreendêssemos melhor como é horrível a separação de Deus! Si como os Santos
experimentássemos as provações da vida mística, o tormento de se sentir
ausente de Deus, saberíamos avaliar o que é e o que faz sofrer esta terrível
pena do dano!
O
fogo do purgatório
Além
do sofrimento da pena do dano ou da privação da vista de Deus, da posse da
visão beatífica, a Igreja nada definiu sobre a natureza das outras penas do
purgatório. O Concilio de Florença diz que as almas são privadas
temporariamente da visão beatífica e são purificadas de toda mancha por penas
expiadoras e purificadoras. Dentre estas penas está a dos sentidos, e
comumente concordam quase todos os autores, se trata da pena do fogo. Há fogo
no purgatório e um fogo terrível criado pela Justiça Divina para purificação
dos justos, para acrisolar o ouro das almas. Os teólogos em geral e em sentença
comum, afirmam que se trata de um fogo verdadeiro e não metafórico. Fogo que
queima mil vezes mais que o fogo da terra, que comparado a ele não é mais do
que o de uma pintura para a realidade. Os Santos Padres e os Teólogos
escolásticos admitem o fogo real. Como pode um fogo material atormentar a alma
que é espiritual? É um mistério. Todavia, não temos um outro mistério que é o
da alma espiritual agir sobre o corpo material? Por que a Justiça de Deus não
poderia fazer com que o fogo material agisse sobre a alma espiritual? Diz
claramente Santo Tomás de Aquino: “No purgatório há dois sofrimentos: a
pena do dano, que consiste no retardamento da visão de Deus, e a pena
dos sentidos, castigo proveniente de um fogo material”[5].
A
questão do fogo do purgatório foi muito discutida no século IV. Santo
Agostinho conclui pela existência do fogo material. No século XIII Santo Tomás
segue a opinião de Santo Agostinho. A pena do fogo! Como é terrível! Não é
menor em intensidade do que o fogo do inferno. Este fogo, diz São
Gregório Magno, instrumento da Divina Justiça, faz sofrer mais tormentos e
muito mais cruéis do que tudo quanto Sofreram os mártires nos suplícios inimagináveis.
As
maiores dores são as que afetam a alma, comenta Santo Tomás. Toda
a sensibilidade do corpo vem da alma. O que não será uma dor que vem ferir
diretamente a alma? Pois o fogo material, fogo misterioso, dotado de um poder
extraordinário, pela Justiça Divina, atinge diretamente a alma e a fere dolorosamente.
Que fogo, meu Deus! Que castigo tremendo! Como sofrem as pobres almas nesta
fornalha abrasadora! Tantas revelações particulares nos mostram o fogo do
purgatório, fogo real, fogo terrível. Verdadeiro fogo.
Porque
discutir quando a unanimidade quase dos Doutores e Santos Padres e tantos
teólogos seguros nos falam com uma eloquência tão impressionante da realidade
do fogo do purgatório? São Boaventura escreve: “O fogo do
purgatório é um fogo material que atormenta a alma dos justos que não fizeram
penitência neste mundo. Fogo! Esta palavra faz tremer. Já exclamava Isaias:
quem dentre vós poderá habitar em meio de um fogo devorador? Façamos penitência
agora, aliviemos o fogo de nosso purgatório. É terrível o fogo que nos espera!
Exemplo
Uma
aparição
Não
podemos saber neste mundo com certeza e nem é necessário saber como é e o que é
o fogo do purgatório. O que sabemos é que a Sagrada Escritura muitas vezes nos
fala do fogo para nos dar a entender que seremos castigados e expiaremos nossas
faltas nos rigores da Divina Justiça para nos purificarmos e sermos dignos de
entrar no céu. Se 0 fogo desta vida criado por Deus para nos servir já é
terrível, que não será o fogo da Divina Justiça?
O
fato seguinte é narrado pelo piedoso Monsenhor De Segur.
Em
1870, diz o piedoso prelado, eu vi e toquei em Foligno, perto de
Assis, na Itália, uma destas terríveis provas de fogo pelas quais as almas do
purgatório, por permissão de Deus, às vezes atestam que o fogo do purgatório é
um fogo real. Em 1859 morreu de uma apoplexia fulminante a boa Irmã
Teresa Gesta, que durante longos anos foi mestra de Noviças. Doze dias
depois, em 16 de Novembro, uma Irmã, chamada Ana Felícia, subia à rouparia
quando ouviu um angustioso e triste gemido: — Jesus! Maria! Que é isto?
Exclamou assustada a Irmã. Não havia acabado de falar, quando ouviu uma queixa: Ai!
Meu Deus! Meu Deus! Quanto sofro! Irmã Ana reconheceu logo a voz da
defunta Irmã Teresa. Um cheiro sufocante de fumaça encheu toda a
rouparia e percebeu-se o vulto da Irmã Teresa que se dirigia
para a porta e tocava na mesma com a mão direita, dizendo: Aqui
fica a prova da misericórdia de Deus. E na madeira da porta ficou
carbonizada e impressa a mão da defunta, que desapareceu. Irmã Ana pôs-se a
gritar numa grande excitação nervosa. A comunidade correu para acudi-la e sentia-se
um cheiro sufocante de fumaça. A Irmã conta o que se passa e reconhecem todas,
na mão pequenina gravada no portal, a mão da Irmã Teresa, que se distinguia
muito pela sua pequenez e delicadeza. As Irmãs, comovidas, vão ao coro e oram
pela defunta. Passam a noite em oração e penitências em sufrágio da saudosa
mestra de noviças. No dia seguinte oferecem a Santa Comunhão por aquela alma.
Mais um dia se passa e Irmã Ana Felícia ouve e vê depois Irmã Teresa radiante
de glória toda bela, que lhe diz com doce voz: “Vou para a glória! Sede
fortes e corajosas na luta, fortes em carregar a cruz!” E desapareceu
numa luz brilhantíssima.
Este
fato portentoso é narrado por Monsenhor de Segur, que visitou o Convento das
Terceiras Regulares Franciscanas daquela cidade, foi submetido a um rigoroso
processo ordenado pelo Bispo de Foligmno em 23 de Novembro de 1859.