Fonte: Jornal do Brasil
9/5/2013
Paulo Rosenbaum
HOJE, PERVERTEMOS AS FEIÇÕES PRÓPRIAS DA INFÂNCIA...
Semana passada pesquisadores nos EUA conseguiram produzir
armas de verdade usando impressoras 3D. Um só tiro. A novidade deve aportar
logo mais por aqui e, como já é tradição em alguns países, também poderemos
presentear crianças com artefatos bélicos.
A menina que abraçou o pai com a coragem dos que não calculam
tornou-se escudo para a bala. Morreu, o assassino foi solto, depois de se
apresentar à Justiça com a versão de legítima defesa. Que nada. Todos
testemunharam os fatos no vídeo que o assassino entregou à polícia. Foi a
sangue frio.
Meninas e meninos hoje
são alvos preferenciais. A sociedade de adultos não só deixou de proteger as
crianças, deliberadamente as expõe. Assim,
na terra de ninguém, basta estar abaixo dos 18 para sair premiado com o bônus
antecipado de impunidade. A minoridade tornou-se álibi automático para o crime.
O que diz o Estado? Tergiversa, enrola, ludibria, habilidades que esta
administração sabe usar como ninguém. Disseram que precisavam “equacionar isso
para a Copa”. Zero de espanto!
Os adultos não só deixaram de proteger as crianças,
deliberadamente as expõem
O problema de autoridade tornou-se evidente e fornece pistas
importantes para matar a charada: após a ditadura militar, políticos
governistas encaram criminosos como vítimas do sistema. Na prática, isso
significa endosso político para certos tipos de delito. Em outras palavras,
livre interpretação do que conhecemos como transgressão e um convite à anomia.
Como a falta de segurança atinge todas as faixas sociais —
especialmente as que não têm esquadrões paramilitares à disposição — e não há
mais pílulas para dourar, o governo federal agora culpa entidades abstratas.
Para esta cúpula, mulheres molestadas e violentadas, gente executada, agredida
e mutilada são estatísticas e acidentes de percurso das injustiças sociais
históricas acumuladas. Quando muito, fatalidades.
A deliberada omissão do
Estado enseja depressão social coletiva e pediria uma rebelião organizada. Com certeza, mereceria resposta nas
urnas, mas isso também não acontecerá. Como sempre, no lugar de escárnio e
protestos, seguimos calados para tocar nossas vidinhas privadas.
Há muito mais do que mazelas sociais, distúrbios de
personalidade ou perturbações psicóticas no incremento da violência que
enfrentamos. Apesar da situação de emergência, o diagnóstico requer tolerância,
não linchamentos sumários, ou pena de morte já. [SIC! SIC! SIC!] Em meio à calamidade emocional sem fronteiras que
nos atinge, só podemos constatar a presença de um mal-estar difuso e inominável
que se enraíza na cultura.
Por sua vez, crianças estão sendo pressionadas a não viverem
experiências próprias de suas faixas etárias, e há uma tendência, inclusive
acadêmica, para encarar abreviações da infância como “naturais”, e “frutos da
pós-modernidade”. Desculpas é o que são.
Nada justifica que pedagogos (ainda a minoria) cedam às pressões do mercado e
achem adequado que crianças sejam alfabetizadas aos 3, se preparem para aulas
de computação aos 4 para serem bilíngues aos 5.
Crianças estão sendo pressionadas a não viverem experiências
próprias de suas faixas etárias
O fato é que somos pressionados, e pressionamos por
rendimento, trabalho duro, performance, sucesso e esperteza. Demandamos
exatidão e objetividade. Coagimos crianças para terem autonomia, sem
perceber o insanável custo destas cobranças: perverter as feições próprias da
infância. Além disso, fraquejamos nos exemplos. Os resultados estão aí.
Famílias disfuncionais, e epidemia de drogas. Nitidamente, como mostra o
contexto, não é caso de polícia.
Talvez, num futuro remoto, descubramos que simplesmente
prolongar a infância poderia ser melhor para a saúde individual e coletiva. A
partição da vida entre lúdica e séria, prazerosa e realista, pode ser só
invenção de uma sociedade que não consegue experimentar diversão sem incomodar
os demais. E se considerássemos que crescer só faz sentido se levarmos a vida
na brincadeira?
No momento, a única classe que insiste no jogo sem regras,
praticado contra as vidas alheias, é a dos políticos. Então, nobres colegas,
façam-nos um favor: cresçam e desapareçam!