Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
23
de Novembro
AS
ALMAS DO PURGATÓRIO NOS AJUDAM
O
mérito do sufrágio
Que
os sufrágios que prestamos às pobres almas sofredoras do purgatório seja uma
obra muito meritória e receberá certamente grande recompensa de Deus, nenhum
teólogo o contesta. É uma obra de caridade, e Nosso Senhor, que promete
recompensa até a um copo de água dado em seu nome, como não há de ser propício
a quem socorre as mais miseráveis e infelizes e desprotegidas criaturas: as
pobres almas, que nada podem fazer por si para se livrarem dos tormentos a que
estão submetidas pela Divina Justiça e dependem da nossa caridade! É certo que
as almas libertadas das chamas da expiação, no céu, intercedem por seus
benfeitores, porque estão cheias da Divina Caridade e podem, como os Santos,
nos valer neste mundo. Portanto, o mérito que adquirimos com a caridade do
sufrágio será bem recompensado porque a ingratidão nunca entrou no céu e as
santas almas salvas por nós serão nossas advogadas e tudo farão por nós junto
de Deus.
São
Francisco de Sales vê no socorro que prestamos às almas,
todas as obras de caridade. “Não é visitar os enfermos, diz o Santo Doutor,
obter por nossas orações o alívio das pobres almas que sofrem no purgatório?
Não é dar de beber aos que têm sede tão grande da visão de Deus, dar o orvalho
da nossa oração às que estão entre as chamas? Não é dar de comer aos que têm
fome, ajudá-las pelos meios que a fé nos oferece? Não é verdadeiramente
libertar os prisioneiros? Não é vestir os nus e lhes dar uma veste de luz e de
glória? Não é dar hospitalidade, dar entrada na Celeste Jerusalém e fazer as
almas amigas de Deus e dos Santos, fazendo-as moradoras eternas da Eterna
Sião?” [1].
Ora,
se Nosso Senhor declara que no dia de Juízo há de dar o céu e uma grande
recompensa às obras de caridade, não há de recompensar generosamente estas
obras de caridade para com as benditas almas?
Tem
muito mérito o sufrágio, o socorro às benditas almas.
Diz
também o piedoso oratoriano Pe. Faber[2], como que comentando São Francisco de Sales: “A principal
devoção da Igreja consiste nas obras de misericórdia, e vede como elas se
encontram todas reunidas na devoção para com os mortos! Ela sacia a fome das
almas dando-lhes Jesus, o Pão dos Anjos. Para estancar a sede inextinguível que
as devora, apresenta-lhes o Precioso Sangue de Jesus. Dá, aos que estavam nus,
a veste da glória. Visita os doentes, consola-os e dá-lhes remédios. Livra os
cativos de cadeias mais terríveis que a morte e os põe em liberdade celeste e
eterna. Acolhe os peregrinos e lhes dá a hospitalidade do céu. Sepulta os
mortos no seio de Jesus para que aí gozem o eterno descanso”.
Ó,
quando vier o dia de Juízo, felizes os que tiverem socorrido as pobres almas!
Quanto mérito nesta obra de caridade — o sufrágio dos mortos!
Podem
as almas interceder por nós?
Já
não contestamos que possam as almas nos ajudar quando no céu, e que Deus pelos
méritos do sufrágio e da grande obra de caridade que praticamos socorrendo o
purgatório nos conceda muitas graças e tudo podemos alcançar só com o mérito de
tão boa obra. Todavia, vamos mais além e podemos afirmar: as almas podem nos
ajudar mesmo no purgatório. Alguns teólogos o negam. Todavia a quase maioria
deles e muitos dos mais autorizados, afirmam que as almas mesmo no purgatório,
no estado de sofrimento, podem interceder por nós. A Igreja, apesar do
silêncio sobre a questão, permite no entanto a oração dos fiéis às almas e
deixa esta devoção se desenvolver cada vez mais. Grandes Santos e até Doutores
da Igreja tiveram esta devoção e a aconselharam muitos autores seguros. Nas
catacumbas se encontram inscrições como estas: que tua alma repouse
em paz! Reza por tua irmã. É uma oração pelo defunto e uma prece ao defunto.
Diz
o grande teólogo Suarez[3] (3) que em geral as almas do purgatório
podem orar pela Igreja militante, e isto é conforme a idéia que devemos ter da
Bondade de Deus. As almas do purgatório são santas e devem rezar como os
Santos rezam. E, como os Santos, são atendidas na medida da gloria que deram a
Deus quando estavam neste mundo. O sofrimento em que elas estão, longe de
diminuir, aumenta, o valor e a eficácia das suas orações. Dizia um piedoso
autor: “aqui na família da terra, os pedidos e as súplicas de um membro doente
e que padece mais, não são atendidas com mais carinho e simpatia? Não são as
almas os membros doloridos da Igreja?”[4].
Dizem
alguns que as almas do purgatório não podem nos valer porque não podem conhecer
nossas necessidades. Ainda que assim fosse, responde Suarez, as almas pedindo
pela Igreja militante nos fazem participantes da sua oração em nosso favor. E
não poderiam ter conhecimento de nossas necessidades pelo ministério dos Anjos?
Diz Santo Tomás: “As almas dos mortos podem se
interessar pelos vivos ainda que ignorem o seu estado, assim como os vivos
podem se interessar pelas almas ainda que as ignorem. Podem as almas do
purgatório conhecer as necessidades dos vivos pelas almas que partem deste
mundo, ou pelos Anjos”[5].
Portanto,
não podem as almas se interessarem pela nossa sorte neste mundo e rezarem por
nós? É sentença comum dos teólogos, diz São Roberto Belarmino que as almas
podem rezar pelos vivos[6].
Dizem
também que o sofrimento das pobres almas é tão intenso e profundo, que elas não
podem pensar em nós e nem nos valer.
O
sofrimento das santas almas não as torna egoístas e não, lhes tira o sentido, o
conhecimento da extrema necessidade em que nos encontramos muitas
vezes e dos perigos a que estamos expostos nesta vida. As almas do purgatório
estão numa ordem sobrenatural superior. Podem, pois, interceder por nós. É
doutrina de muitos Santos Doutores e teólogos seguros.
As
almas do purgatório nos socorrem
As
almas do purgatório podem nos ajudar e o mérito da caridade de nossos sufrágios
tudo pode nos alcançar da Divina Misericórdia em nosso favor. Pois estas
benditas almas nos ajudam realmente e a experiência tem provado há tantos
séculos quanto é eficaz invocar a proteção do purgatório.
Sim,
as almas do purgatório por si não podem merecer na outra vida, mas podem fazer
valer em nosso favor, os méritos que adquiriram neste mundo. Por isto Santo Afonso, São
Roberto Belarmino,
doutores da Igreja, ensinaram que podemos invocar a proteção das almas do
purgatório para obterem de Deus favores de que necessitamos. Dizia Santa Teresa: “Tudo
quanto peço a Deus pela intercessão das almas do purgatório me é concedido”. Demos sufrágios às
almas e Deus por esta caridade nos ajudará pelas orações e os méritos destas
santas almas libertadas das chamas expiadoras.
Santa
Catarina de Bolonha escrevia: “Quando quero obter
com segurança uma graça, recorro às almas padecentes e a graça que suplico
sempre me é concedida”.
Daí
as expressões do Santo Cura d’Ars, que sempre repito: “Se soubéssemos quão
grande é o poder das santas almas do purgatório e quantas graças podemos
alcançar por sua intercessão, não seriam elas tão esquecidas”.
Vamos,
pois, tenhamos caridade, tenhamos piedade das pobres almas sofredoras. Deus
não permitirá que sofra muito no purgatório quem neste mundo socorreu os
mortos. Portanto, é de nosso interesse, sufragar os mortos. A experiência o
prova mil vezes quanto a devoção às almas é útil e vantajosa aos vivos. “O que nós lhes
dermos em sufrágios, diz Santo Ambrósio, se muda em graças para nós, e os
havemos de achar depois da morte”.
Nas
revelações de Santa Brígida[7] lê-se que a Santa viu
um Anjo que descendo ao purgatório para consolar as almas dizia: Bendito seja
aquele que ainda na terra, enquanto vivo, ajuda as almas do purgatório com
orações e boas obras!
E
ao mesmo tempo, das profundezas do abismo das chamas do purgatório, se ouvia um
coro de vozes suplicantes: Ó Jesus Cristo, justo Juiz, em nome de vossa
misericórdia infinita, não olheis nossas faltas inumeráveis, mas aos méritos de
vossa preciosa Paixão. Ponde, Senhor, no coração dos eclesiásticos um
sentimento de verdadeira caridade, a fim de que por suas orações, suas
mortificações e esmolas e as indulgências que nos aplicarem nos socorram em
nessa triste situação.
Outras
vozes respondiam: Graças, mil graças aos que nos aliviam em nossas desgraças. Ó
Senhor, que o vosso poder infinito dê o cêntuplo aos nossos benfeitores que os
levam à morada da vossa eterna luz.
As
santas almas repetem sempre esta súplica em favor dos seus benfeitores.
Diz
a Sagrada Escritura: Benefac justo et invenies
retributionem magnam. Fazei o bem ao justo e tereis grande recompensa. As almas do
purgatório são santas almas de justos, cheios de méritos e de virtudes. Quanta
santidade naquelas chamas expiadoras! Pois bem. Tudo o que fizemos por elas
terá grande recompensa. É a palavra de Deus que no-lo garante!
Exemplo
A
criada devota das almas do purgatório
Diversos
autores, entre eles Berlioux, no seu “Mês das Almas”, Mons. Louvet, no seu “Le Purgatoire”, narram este fato,
que este último autor diz ter se dado em Paris e no ano de 1817.
Uma
piedosa e humilde criada tinha o costume de todos os meses tirar do seu pobre
ordenado uma espórtula para uma missa pelas almas do purgatório. Fazia todo
sacrifício, mas não deixava de mandar celebrar cada mês a Missa da sua devoção.
Ia assistir ao Santo Sacrifício com muito fervor e pedia pela alma que mais
necessidade tivesse de uma Missa para entrar no céu.
Deus
a provou com uma doença que a fez sofrer muito e ainda perder o emprego. No dia
em que saiu do hospital, só tinha consigo a importância necessária para a
espórtula de uma Missa. Pôs toda confiança em Deus e andou à procura de um
emprego. Em vão. Não o achava em parte alguma. Passou pela igreja de Santo
Eustáquio e entrou. Lembrou- se logo de que naquele mês não pode mandar celebrar
a Santa Missa pelas almas. Tirou da bolsa o dinheiro e pensou consigo: Se agora mando
celebrar a Missa, que mc restará hoje para comer? Que será de mim? Que importa!
Deus há de ter pena de mim. E demais, as pobres almas sofrem mais do que eu.
Foi
à sacristia e perguntou se era possível celebrar-se
ainda uma Missa. Felizmente, lá eslava um sacerdote sem intenção de Missa para
aquele dia. Deu-lhe a espórtula, pediu a Missa pelas almas, assistiu-a com
todo fervor e se retirou da igreja absolutamente sem vintém e sem saber para
onde ir.
Estava
assim pensando na sua pobre vida quando um moço alto, muito pálido, se
aproximou dela e disse:
—A
senhora anda à procura de um emprego?
— Sim, meu senhor, e necessito muito uma colocação hoje
mesmo...
—
Pois então vá à casa de Madame X, rua tal, número tal, e creio que ela vos
receberá, porque vai precisar de uma empregada hoje.
A
pobre criada tão satisfeita ficou, que nem agradeceu ao moço. Quando voltou
para trás, nem o viu mais. Foi à procura do endereço e ao chegar à casa
indicada deu de encontro com uma mulher que descia a escada furiosa e a gritar
contra alguém.
—
É aqui que mora Madame X? Pergunta-lhe.
—
Sei lá! Desta casa não quero ver nem a sombra. Bata na porta. Não quero saber
desta mulher. Adeus!”.
A
criada bateu timidamente a campainha e esperou. Apareceu-lhe uma senhora de
certa idade e aspecto muito bondoso.
—
Minha senhora, diz a criada, eu acabo de saber esta manhã que a senhora estava
precisando de uma empregada e, como estou sem colocação, aqui venho me
apresentar, e me disseram que a senhora é muito bondosa e me havia de acolher
muito bem...
—
Minha filha, diz a velha, isto é extraordinário! Pois esta manhã eu não disse
isto a ninguém e faz apenas meia hora que eu expulsei de minha casa esta
empregada insolente que me perdeu o respeito.
Só
eu sei que tenho necessidade de uma empregada. Quem te disse isto?
—
Encontrei um moço na rua e ele me deu o nome da senhora, rua e número da casa,
e aqui cheguei.
A
velha não podia compreender quem pudesse ser o tal moço que havia indicado a
casa. Neste ínterim, a empregada levanta os olhos e vê na parede um retrato.
—
É aquele moço, minha senhora, ele mesmo...
A
pobre velha empalideceu.
—
É meu filho, e meu filho morto!
A
criada contou-lhe toda a sua devoção às santas almas, a Missa que havia mandado
celebrar. A velha tomou a pobrezinha num longo abraço e banhada em lágrimas
lhe disse: Minha filha, este moço é meu filho já
morto. Deveria estar no purgatório. Faleceu há dois anos. Tua Santa Missa o
aliviou e libertou. Vamos, daqui por diante, orar juntas e não serás minha
criada, não, serás minha filha”.
Tomou
a pobre criada abandonada e adotou-a como membro da família.
Eis
como Nosso Senhor recompensa os corações generosos para com as santas almas.
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