Carlos Alberto Di Franco
Todos nós, jovens e
menos jovens, estamos crescentemente dependentes da plataforma virtual. É
fascinante o apelo da web. Investimos muito tempo digitando mensagens de texto,
escrevendo nos blogs, postando fotos e comentários no Facebook ou curtindo
videogames. Eu mesmo já fiz o propósito de não acessar meus e-mails nos fins de
semana. Tem sido uma luta. Com vitórias, mas também com derrotas. Para o norte-americano Nicholas Carr, formado em
Harvard e autor de livros de tecnologia e administração, a dependência da troca
de informações pela internet está empobrecendo a nossa cultura. Ele não fala do
uso da internet, mas da compulsão virtual.
Segundo Carr, o uso
exagerado da internet está reduzindo nossa capacidade de pensar com profundidade.
"Você fica pulando de um site para o outro. Recebe várias mensagens ao
mesmo tempo. É chamado pelo Twitter, pelo Facebook ou pelo Messenger. Isso
desenvolve um novo tipo de intelecto, mais adaptado a lidar com as múltiplas
funções simultâneas, mas que está perdendo a capacidade de se concentrar, ler
atentamente ou pensar com profundidade", acentua.
A nova geração de
adolescentes tem mais acesso à informação do que qualquer outra antes dela. Mas
isso não se reflete num ganho cultural. Os índices de leitura e de compreensão
de texto vêm caindo desde o início dos anos 1990. A conclusão é que, apesar do
maior acesso às novas tecnologias, não se vê um ganho expressivo em termos de
apreensão de conhecimento.
A internet é uma
formidável ferramenta. Não deve, contudo, perder o seu caráter instrumental. O
excesso de internet termina em compulsão, um tipo de dependência que já começa
a preocupar os especialistas em saúde mental. Usemos a internet, mas tenhamos
moderação. Precisamos, todos, redescobrir a magia da leitura.
Compartilho com
você, amigo leitor, algumas obras. Espero, quem sabe, que o estimulem em suas
férias de verão.
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*** ***
O Silêncio contra
Muamar Kadafi (Editora Companhia das Letras, São Paulo). Um livro com pegada.
Reportagem na veia. "Em poucos minutos, ouvimos o ruído de um motor a
diesel. Um carro chegava pela parte de trás da casa, em baixa velocidade, até
parar. Ouvi as portas se abrirem, Ghaith e Mohamed silenciaram. Tudo silenciou.
O tempo parou por um instante, enquanto quatro homens vestindo jaquetas pretas
se aproximaram. Um deles trazia uma arma em punho e os demais carregavam
bastões de ferro. Mohamed deu um passo para o lado, cedendo passagem. Um dos
estranhos caminhou até Ghaith, agarrando-o; outro veio até mim e apalpou minha
jaqueta e meus bolsos até deparar com o iPhone que eu protegia com uma das
mãos. Segurei o aparelho com firmeza, sem menção de reagir, lembrando que
dezenas de entrevistas gravadas estavam ali. O homem fez força para arrancá-lo
com as duas mãos, até conseguir. Então, sem que reagíssemos, fomos pegos à
força pelos braços e arrancados da casa, empurrados à rua de chão batido e
obrigados a olhar para baixo."
O relato em primeira
pessoa do repórter Andrei Netto, enviado especial do jornal O Estado de S.
Paulo, para cobrir a primeira revolução armada da Primavera Árabe, que em oito
meses terminaria com a execução do ditador Muamar Kadafi, mostra a garra da
reportagem de qualidade. Andrei e um colega iraquiano foram os primeiros
jornalistas estrangeiros a ingressar na região sob controle do regime e a
revelar ao mundo a extensão e a intensidade das rebeliões contra a ditadura. O
correspondente do Estado foi sequestrado, agredido e mantido incomunicável num
cárcere militar até sua libertação, intermediada pela diplomacia brasileira,
pelos esforços da direção do jornal e pela solidariedade da imprensa mundial.
Lembro-me da tensão daqueles dias. A grande reportagem de Andrei Netto, agora
transformada em livro, constitui um relato impressionante das suas experiências
ao longo da guerra revolucionária que matou mais de 20 mil pessoas.
A adrenalina da
guerra bate forte no leitor, sem sensacionalismo, sem nada de apelativo, numa
narrativa informativa e legitimamente dramática. A presença do correspondente
no campo de combate possibilita uma cobertura altamente qualificada. Faz toda a
diferença. Um belo livro.
O Óbvio Ululante -
As Primeiras Confissões (Editora Agir, Rio de Janeiro). Como dizia Nelson
Rodrigues, a "arte da leitura é a da releitura". Comentário certeiro.
Acabo de reler as memórias de Nelson Rodrigues, suas Confissões, condensadas no
magnífico O Óbvio Ululante. Trata-se de um dos maiores cronistas que o Brasil
já teve. Seu conhecimento da alma humana, com seus picos de grandeza e seus
abismos de miséria, fica esculpido num texto insuperável. Nelson foi um criador
de tipos antológicos. Como o anônimo cidadão que lhe serviu para criar o Palhares,
o canalha, o que "atacava as cunhadas nos corredores". Ou a imortal
grã-fina "com nariz de cadáver". Ou, ainda, o sacerdote que o
inspirou a criar o "padre de passeata". Seu texto, brilhante e
saboroso, dissecava a alma humana e radiografava a sociedade. O que mais me
impressiona, todavia, é a atualidade do pensamento rodriguiano. Um livro
fascinante.
A Igreja das
Revoluções (Editora Quadrante, São Paulo). Este é o último título da História
da Igreja de Cristo, a monumental obra de Daniel-Rops. O autor, membro da
Academia Francesa de Letras, estava trabalhando no 11.º, que trataria do
Concílio Vaticano II, quando faleceu, em 1965. A multissecular história da
Igreja Católica, intimamente relacionada com a história da civilização, é um
banho de cultura e um magnífico prazer intelectual.
A todos, boa leitura
e feliz Natal. E aos que viajam, boas férias!
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