Luis Fernando Verissimo
Deus
criou o Céu e a Terra e o Dia e a Noite, e deu nome às plantas, aos bichos e às
coisas. Mas também era preciso dar nome aos sentimentos e às
emoções, a perplexidades e a situações inusitadas e, sentindo-se despreparado
para a tarefa, Deus criou os franceses.
Os franceses têm a expressão certa para
tudo, inclusive para o inexprimível, que eles chamam de “je ne sait quoi”. O francês
é a única língua do mundo com uma definição para a incapacidade de definir. Eles não apenas têm um nome para “fazer
beicinho”, bouder, como inventaram uma peça da casa que teoricamente existe só
para a mulher se recolher enquanto o faz, o boudoir. Outra expressão francesa
que não ocorreria a mais ninguém é esprit d’escalier, ou o espírito que só se
faz presente quando a gente já está descendo a escada, depois de falhar na hora
de ser brilhante. Se não fossem os franceses, não saberíamos como chamar a
sensação de que a boa frase ou a resposta arrasadora geralmente só nos vêm
quando não adianta mais. Na escada ou, mais recentemente, no elevador.
Outra
boa frase era epater les bourgeois. Caiu em desuso, em primeiro lugar, porque todas
as frases prontas francesas foram ficando antigas num mundo cada vez mais
americano, mas também porque foi ficando cada vez mais difícil espantar a burguesia.
Depois da revolução sexual e do escancaramento da privacidade, nada mais
espanta ninguém e o que antes chocava hoje vira moda.
O que
ainda funciona — tanto que, no Brasil, se transformou num gênero jornalístico —
é epater la gauche, contrariar o pensamento convencionalmente progressista, ou
apenas correto, com reacionarismo explícito. Os epateurs da esquerda podem ser
divertidos, mas como em todo succès d’escandale (que remédio, sou um antigo)
nunca se sabe se o sucesso se deve ao talento para escandalizar ou se o
escândalo dispensa o talento, e basta ser contra para aparecer. De qualquer
maneira, hélas, aos poucos as frases feitas francesas vão perdendo a atualidade
e — ça va sans dire — a utilidade.
Fonte: ESP
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