"O demônio nunca dá o que promete — ou dá em condições tais, que a pessoa nunca aproveita"
Raphael de la Trinité
1. Sempre que alguém se entrega a uma ação censurável,
o prazer momentâneo, por esse modo obtido, nunca lhe dará a satisfação e o
pleno gozo que buscava.
2. Cada vez que [uma pessoa] se entrega a uma paixão
desordenada, torna-se presa fácil do medo e da insegurança crônicas, pois percebe
que, não sendo dona de si, pode ser “pilhada em flagrante delito” a qualquer
momento (por Deus ou pelos homens).
3. Há a ilusão de que, não se atendendo à solicitação
má, perde-se uma oportunidade única de gozo — afinal, pareceria que uma fruição
(ainda que fugaz) constitui um lenitivo que supera tudo. Bazófia. O
pensamento e o ato impuro, por exemplo, são fantasias que funcionam como entorpecentes
em nosso espírito. A compulsão estabelece uma dependência, a qual nos faz
abdicar da realidade justamente pela obediência cega a um mau impulso da imaginação
[a “louca da casa”, conforme São Francisco de Sales]. A pessoa, pelos seus instintos
inferiores desregrados, é que busca sofregamente uma oportunidade para praticar
o mal: "a ocasião faz o ladrão".
4. Oportunidade única: cada vez que a pessoa faz uma
coisa errada, perde a oportunidade de fazer algo de bom (que talvez já não
possa fazer mais tarde), a bem dizer, algo que desejaria ter feito, mas não
conseguiu, pois o mal tomou o lugar do bem. A liberdade verdadeira consiste em
seguir o primeiro impulso bom — algo impossível sem refrear o ímpeto para o mal
que, nolens volens, nos assedia sempre.
O tempo, por sua vez, vale tanto quanto Deus, visto que é no tempo que
granjeamos méritos (ou cumulamos delitos) para toda a eternidade. Uma das
piores sensações de ruína (psicológica e moral) no indivíduo reside em perceber
que "perde tempo", ou seja, que desperdiça as ocasiões mais propícias
para tirar o melhor de si. Algo que repele à nossa natureza, que sempre busca a
perfeição no próprio ser, isto é, progredir rumo à realização plena de nossas
melhores potencialidades. O engrandecimento constante da ação humana está em
fazer, de forma contínua e crescente, alguma coisa que esteja acima das próprias
forças, ao invés de se deixar arrastar por algo que leva ladeira abaixo. A cada
um só compraz verdadeiramente aquilo que nos eleva aos próprios olhos. Pelo
contrário, aquilo que, pela indignidade intrínseca do ato, nos rebaixa, suscita
habitualmente desgosto profundo em nós.
5. Quando a pessoa sente prazer no que é errado, perde
o prazer das coisas boas e legítimas. Exemplo: quem gosta de rock encontra real
dificuldade para apreciar a boa música; quem é afeito ao uso de palavrões ("A boca fala da abundância do
coração"), dificilmente aproveita, em toda a extensão da palavra, a
louçania e o viço de uma magnífica obra literária. Assim também, quem ama o que
é impuro, perde o gosto das coisas verdadeiramente prazerosas e que não
aparecem eivadas de sujeira. A mente ladina caminha de par com o
coração sem mancha. Quem tem o vezo
de se entregar ao que é impuro, perde a capacidade de amar verdadeiramente
aquilo que é digno de ser amado, pois todo afeto e dedicação verdadeira
pressupõe renúncia a si mesmo, amor a Deus e amor ao próximo por amor a Deus. Ora,
numa visão de longo alcance, todo pecado é uma forma de idolatria e de furto: de
um lado, consideramos o nosso prazer de momento como um absoluto e, de outro,
sonegamos a Deus toda a honra e glória que só a Ele pertencem. O pecado consiste propriamente no seguinte: diante de
um bem maior e de um bem menor, preferir este àquele (O homem é incapaz de
fazer o mal pelo mal; busca sempre uma “aparência de bem”). Ora, a felicidade
só pode provir da busca de um bem maior, em ordem ao Bem Absoluto, que é Deus.
6. Sendo já difícil enfrentar os problemas, dos quais
não nos podemos esquivar — esta terra é um vale de lágrimas (Salve Rainha) —,
por que criar, por nossa própria conta e risco, outros tantos, suplementares e
não raro tormentosos, tornando com isso os problemas reais muito piores do que o são efetivamente, a ponto de nos exaurirmos — psicológica e moralmente falando —, para enfrentá-los
em toda a força do termo?
7. Tudo o que começa com gemido, acaba com uma
derrota. A pior sensação que o homem pode ter é perceber que não consegue
vencer a si mesmo. Não conseguindo vencer a si mesmo, é inevitável que chegue à
conclusão de ser um fracassado, uma vez que a "certeza" do fracasso pode
conduzir, ainda que por etapas, ao desespero. Quando o homem se entrega ao
prazer ilícito, no fundo da alma se instala o remorso; a contrario sensu, quando se entrega ao sacrifício a procura de um
bem mais elevado, sentirá na mais fina ponta da alma, mesmo em meio ao
sofrimento, confortadora alegria que nada pode arrebatar.
8. O pecado começa “doce” e acaba “amargo”. O deleite
carnal (para nos circunscrevermos a este) ilude a razão, lisonjeando os nossos
piores instintos. Na boca, porém, fica o gosto amargo da “consciência pesada”. Entre
outros vícios, o hábito de mentir, por exemplo, atua de modo análogo. Exemplo 1:
o mentiroso não gosta de ser chamado como tal, embora esteja viciado na
mentira; logo, sabe que mentir é uma vergonha, mas insiste em enganar-se a si
mesmo quando finge menosprezar o mal que há em ser contumaz mentiroso. Exemplo
2: o preguiçoso nunca se esforça para sair da preguiça e fazer algo de útil; no
entanto, se alguém exigir que ele saia da preguiça, será capaz até de brigar ferozmente
por causa disso; logo, a apatia do preguiçoso é uma espécie de droga que o
imobiliza, mas e é só para não ter iniciativa, pois ele se acostumou a não fazer
força sobre si, a fim de sair da inércia, torpor e indolência — reage unicamente
quando alguém o impede de viver à margem de qualquer forma de esforço. Torna-se,
então, um “leão” de vigor quando canaliza a sua reatividade (habitualmente quase nula) pelo único
conduto que, longe de conduzi-lo à emenda, ainda mais o atola no vício, ou
seja, quando é para rejeitar (desta feita, “sem indolência”) a reprimenda daquele
que pretende libertá-lo do vício da moleza.
9. A pessoa pode fugir de tudo o que o incomoda, mas é
incapaz de extirpar de si a voz da própria consciência, que, em caso de
“forfait”, inapelavelmente o acusa. Não ter paz com a própria consciência, eis o
pior castigo do pecador.
10. A falsa euforia, que leva a pessoa a pecar,
provoca o remorso e a tristeza numa proporção muito maior do que aquela
expectativa de gozo que o pecado ilusoriamente fomenta.
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