Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
20
de Novembro
AS
ALMAS MAIS ABANDONADAS
Os
esquecidos...
Como
já dissemos, os mortos são muito esquecidos. Os vivos os choram pouco tempo e
depois os abandonam para sempre ao esquecimento das sepulturas, e o que é mais
doloroso, ao abandono e esquecimento no purgatório. Há no purgatório as almas
que chamamos as mais abandonadas. Devem ser inumeráveis.
Por elas nem uma Santa Missa, nem uma oração, nem um sufrágio sequer dos que
elas amaram tanto neste mundo, e, quem sabe, encheram de benefícios e talvez
estejam aproveitando o que deixaram aqui em herança e patrimônios. Que dura ingratidão!
Como sofrem estas pobres almas! O esquecimento dói muito neste mundo. Que
diremos no outro, no purgatório! Então, aquelas pobres almas parecem gemer,
como o profeta Jó: Miseremini mei saltem vos amici mei,
quia manus Domini tetigit me! Tende compaixão de mim, tende compaixão de mim,
pelo menos vós, meus amigos, porque a mão de Deus me feriu!
Que
gemido angustioso! Sim, a mão da Justiça de Deus fere as pobres almas para
santificá-las e purificá-las, e elas só dependem de nós. E quando se veem
abandonadas dos seus, clamam: pelo menos vós, meus
filhos, meus parentes, meus amigos, meus beneficiados, vós que me amastes na
terra!...
Em
vão clamam tantas vezes! Não são ouvidas, porque seus amigos e parentes,
preocupados com os prazeres, as honras, o dinheiro, as vaidades, nem querem
pensar nos mortos, e nem se lembram num ato de fé, que podem seus parentes e
seres muito caros estarem nas chamas expiatórias, a sofrer!
Daí
o abandono das pobres almas. Há outras pobrezinhas que neste mundo nem
deixaram amigos ou parentes. Não têm mesmo quem reze por elas. Pobres
criaturas que deixaram esta vida ignoradas. Quem se lembrará delas?
É
verdade que nos desígnios misericordiosos de Deus, muitos sufrágios dos ricos
Nosso Senhor aplica aos pobrezinhos, segundo dizia a Beata Ana Taigi, que numa revelação
viu a alma de um cardeal sem receber no purgatório sufrágios de muitas Missas,
porque Nosso Senhor as aplicava pelas almas dos pobrezinhos que morreram e
ficaram abandonados. Todavia, não deixa de haver no purgatório almas
abandonadas.
Em Fátima, Nossa Senhora pedia
orações pelas almas abandonadas. Os pastorinhos rezavam: Meu Jesus,
perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, livrai as almas do purgatório,
especialmente as mais abandonadas.
É,
sem dúvida, uma grande obra de caridade. Quantas graças não podemos alcançar
por este ato de caridade tão agradável a Nosso Senhor!
Vamos,
pois, tenhamos caridade, tenhamos piedade das pobres almas sofredoras. Deus
não permitirá que sofra muito no purgatório quem neste mundo socorreu os
mortos. Portanto, é de nosso interesse sufragar os mortos. A devoção às almas
é muito necessária! Milhões de fiéis devem sofrer no purgatório!
Se ao invés de flores e túmulos pomposos e gastos inúteis, orassem e fizessem
boas obras e oferecessem muitos a santa Missa pelos seus mortos, não haveria
tantas pobres almas abandonadas!
Se
ao invés de andarem à procura de centros de espiritismo para uma absurda
comunicação com os mortos, tantos se lembrassem de que se iludem ou falam com o
demônio iludidos e deixam seus parentes e amigos em maiores penas, ai, as
pobres almas do purgatório não seriam almas abandonadas...
Por
que ficam abandonadas?
Já
o dissemos: por indiferença dos vivos e falta de uma fé mais viva no dogma do
purgatório. Depois, temos o costume de canonizar muito depressa os nossos
defuntos. Morreu? Só nos lembramos das virtudes e do bem feito pelo falecido. É
uma caridade, não há dúvida. Parce sepultis! Perdoemos aos mortos
e veneremos a sua memória. Dos mortos, ou falar bem ou calar-se. Não recordemos
suas misérias e pecados. Pobrezinhos, já deram contas a Nosso Senhor e estão
entregues à Divina Justiça. Repito, é muito edificante nunca censurar os
mortos e ter deles boa memória. Todavia, saibamos que a Justiça, a Santidade
de Deus, costuma ver defeitos até nos Anjos, e, para entrar no céu, é mister
uma grande santidade. Dizemos: era um santo, era uma santa, e... os vamos
deixando sofrer no purgatório! Disto é que tinha medo São Francisco de Sales,
quando recomendava muito que orassem por sua alma depois da morte.
Frederico
Ozanam recomendava, também, que não o
deixassem no purgatório, esquecido, sob o pretexto de que era um santo e tinha
ido direito para o céu! Eis um dos motivos também do abandono de algumas almas.
Cuidado, pois; não canonizemos tão depressa nossos mortos, ainda que nesta vida
tenham dado provas de grande virtude. Desconhecemos os rigores da Divina
Justiça!
Depois,
há o contrário: o julgarmos que a pobre alma, tendo deixado este mundo sem
sinais de arrependimento e talvez em lamentáveis condições de pecado e de
escândalo, e talvez tenha se condenado e esteja no inferno. A Igreja nunca
permitiu que se dissesse que alguém está certamente no inferno. É verdade que
muitos se condenam, mas não podemos afirmar sem temeridade que alguém esteja
condenado. Ignoramos os segredos da divina Misericórdia e o que se passa com
uma alma na hora derradeira entre o último suspiro e a eternidade.
Não
abandonemos uma só alma, por mais que pareça ter sido condenada. A Igreja
proíbe, é verdade, os sufrágios públicos pelos suicidas, pelos hereges, pelos
pecadores públicos escandalosos, mas permite os sufrágios em particular e não
reprova que se reze por estes infelizes, em particular. Ninguém conhece os
segredos da Justiça e da Misericórdia Divinas! Eis porque ficam muitas almas
abandonadas. Rezemos por elas. Talvez estejam no purgatório, e que purgatório
horroroso não há de ser o dos que escaparam da eterna condenação por um
milagre da Divina Misericórdia!
Oremos
pelas almas dos infelizes que deixaram esta vida talvez em péssimas condições,
sem Sacramentos, em mortes repentinas. Só Deus sabe o destino destes
infelizes! Pelo menos em particular, em segredo, entre nós e Deus, podemos
sufragar estas pobres almas. Daí a necessidade da devoção às almas mais
abandonadas. Ó, que para a nossa caridade, para a nossa fé, não haja almas
abandonadas!
Lembremo-nos
de todas, socorramos esta classe das pobrezinhas que padecem no purgatório!
Os
Santos e as almas abandonadas
Muitos
Santos tiveram esta devoção. Santa Catarina de Genova, Santa
Catarina de Sena, Santo Afonso de Ligório, São Francisco de Sales e principalmente o
grande apóstolo da caridade, São Vicente de Paulo. Este grande
coração, cuja vida se passou a ajudar os abandonados e infelizes da terra, por
este mesmo instinto divino de caridade se voltava para as almas abandonadas e
sofredoras do purgatório. Era a sua grande devoção socorrer as almas mais
abandonadas.
Uma
piedosa serva de Deus, Irmã Maria Denise da Visitação, e que no século se
chamava Mme. Martignat, pertencente a
família da nobreza, ao invés de encomendar a Nosso Senhor a alma dos pobrezinhos,
recomendava a alma dos ricos e dos grandes da terra. Estranharam isto e ela
dava as razões: “São às vezes as almas mais abandonadas e as que tem mais
necessidade de sufrágios. Passaram uma vida folgada, não fizeram muita
penitência e sabe Deus que terrível purgatório não lhes está reservado, se
conseguiram se salvar pela Divina Misericórdia”. E tinha razão. Além do mais,
depois das pompas fúnebres nas quais entra muita vaidade da família, às vezes
segue-se um esquecimento e abandono completo do pobre morto. Oremos muito
pelas almas abandonadas, porque elas não deixarão de pedir por nós quando
libertadas por nossos sufrágios. Para a Igreja nunca seremos almas abandonadas,
é verdade.
A
Igreja, nossa Mãe, só ela nunca esquece e cada dia
sem cessar, em milhares de altares em toda terra, lembra, ante a Hóstia
divina, os mortos. — Memento! Memento! Lembrai-vos,
Senhor, daqueles que nos precederam com o sinal da fé e agora descansam no sono
da paz. Nós Vos suplicamos, Senhor, dignai- vos concedê-la a estes e a todos
que descansam em Jesus Cristo Nosso Senhor.
Que
tocante oração! Só para a Igreja os mortos não são esquecidos.
Tanta
lágrima, tantas flores, tantos suspiros em alguns dias e meses. Depois... o
frio e duro esquecimento. Dura lei! É verdade, não havemos de chorar a vida
toda os nossos mortos, e a esperança cristã nos diz, no Prefácio da Missa, dos
defuntos que a vida para eles não se acaba, muda-se
— Vita mutatur, non tollitur. Eles, os nossos
mortos, vivem no seio de Deus. E a maioria deles expia nas chamas do
purgatório. É uma verdade terrível e consoladora. E por isto nosso esquecimento
é grave e cruel.
Que
para nós não haja almas abandonadas! Estejam todas em
nossa lembrança e em nossos sufrágios. Depois da morte veremos quanto nos foi
proveitosa esta bela devoção e este ato generoso de caridade.
Imitemos
os Santos, que acudiam generosamente as almas mais abandonadas.
Exemplo
Uma
alma abandonada e salva por Maria
Conta
Santo Afonso nas suas “Glórias de Maria”, este exemplo que é
a um tempo uma glorificação da misericórdia da Mãe de Deus e uma prova do
abandono em que pode ficar uma alma no purgatório.
Lê-se
na vida de soror Catarina de Santo Agostinho, que havia no lugar em que morava
esta serva de Deus uma mulher chamada Maria. A infeliz levara urna vida de
pecados durante a mocidade. E já envelhecida, de tal forma se obstinara na sua
perversidade, que fora expulsa pelos habitantes da cidade e obrigada a viver
numa gruta abandonada. Ai morreu, finalmente, sem os sacramentos e sem a assistência
de ninguém. Sepultaram-na no campo, como um bruto qualquer. Soror Catarina
costumava recomendar a Deus com grande devoção as almas de todos os
falecidos. Mas, ao saber da terrível morte da pobre velha, não cuidou de rezar
por ela, pensando, como todos os outros, que já estivesse condenada. Eis que, passados
quatro anos, em certo dia se lhe apresentou diante uma alma do purgatório, que
lhe dizia:
— Soror Catarina, que
triste sorte é a minha! Tu encomendas a Deus as almas de todos os que morrem e
só da minha alma não tens tido compaixão?
— Mas, quem és tu? Disse a serva de
Deus.
—
Eu sou, respondeu ela, aquela pobre Maria, que morreu na gruta.
—
E como te salvaste? Replicou soror Catarina.
—
Sim, eu me salvei por misericórdia da Virgem Maria.
—
E como?
—
Quando eu me vi próxima à morte, vendo-me juntamente tão cheia de pecados e
desamparada de todos, me voltei para a Mãe de Deus e lhe disse: Senhora, vós
sois o refúgio dos desamparados. Aqui estou neste estado, abandonada por
todos. Vós sois a minha única esperança, só vós me podeis valer; tende piedade
de mim. Então a SS. Virgem obteve-me a graça de eu poder fazer um ato de
contrição; depois morri e fui salva. Além disso, esta minha Rainha alcançou-me
a graça de ser abreviada minha pena por sofrimentos mais intensos, porém
menos demorados. Só necessito de algumas Missas para me livrar mais depressa
do purgatório. Rogo-te que as faças celebrar. Em troca, prometo-te pedir
sempre a Deus e à SS. Virgem por ti.
Soror
Catarina logo fez celebrar as missas. Depois de poucos dias, lhe tornou a
aparecer aquela alma mais resplandecente do que o sol e lhe disse: Agora vou
para o paraíso, cantar as misericórdias do Senhor e rogar por ti.
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