Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
10
de Novembro
O
QUE LEVA AO PURGATÓRIO
Tibieza
e pecado venial
A
grande porta aberta para os tormentos do purgatório quando pela misericórdia
não se precipitam muitas almas no pecado grave e no inferno, é a tibieza e o
seu sintoma certo o pecado venial. Meditemos um pouco o mal da tibieza para
vermos como é arriscado viver assim, sem procurar uma vida fervorosa,
arriscando a própria salvação e preparando um horrível purgatório depois da
morte. Vejamos o que é a tibieza:
A
tibieza define-a Santo Afonso pelo que a caracteriza: o pecado venial.
A tibieza, diz o Santo Doutor, é o hábito do
pecado venial plenamente voluntário. “A tibieza é o hábito não combatido do
pecado venial, ainda que seja um só. É um hábito fundado num cálculo implícito:
— Esta falta não ofenderá a Nosso Senhor gravemente, não me há
de condenar. Pois vou cometê-la.
É um hábito dificílimo de se desarraigar da alma. E um hábito
muito espalhado, sobretudo entre as pessoas que fazem profissão de piedade e
entre as almas consagradas a Deus”.
É
uma doença espiritual e das mais graves e perigosas. É o verme roedor da
piedade. Micróbio terrível! Mina o organismo espiritual, sem que o enfermo o
perceba. Enfraquece a pobre alma. Amortece as energias da vontade. Inspira
horror ao esforço. Afrouxa a vida cristã. Espécie de langor ou torpor, diz Tanquerey,
que não é ainda a morte, mas que a ela conduz sem se dar por isso,
enfraquecendo gradualmente as nossas forças morais. Pode-se compará-la a estas
doenças que definham, como a tísica, e consomem pouco a pouco algum dos órgãos
vitais. É uma sonolência, um sistema de acomodações na vida espiritual.
O
pecado venial
Há
muitos sinais de tibieza, mas o que a caracteriza é o pecado venial deliberado
e habitual. Vejamos a malícia do pecado venial, que é tão castigado no purgatório
e que é causa de tantos suplícios das pobres almas:
Embora
em grau inferior, o pecado venial oferece, todavia, as mesmas características
de malícia que o pecado mortal.
A
rainha Maria Teresa, de França, esposa de Luiz XIV, chorava uma falta venial. A
delicada consciência da princesa a deixava inconsolável.
—
Como? — Disseram-lhe — tanta lágrima por uma falta leve, um pecado venial?!
—
Sim, pode ser venial, mas é mortal para o meu coração!
Tudo
quanto ofende a Nosso Senhor nunca é leve ou coisa de somenos importância para
uma alma fervorosa. E o pecado venial é uma ofensa a Deus. Há nele três
circunstâncias agravantes:
1.ª) Uma
injuria à Majestade Divina.
2.ª) Revolta
contra a Autoridade de Deus.
3.ª) Ingratidão
à Bondade Eterna.
Quem
comete facilmente o pecado venial, dificilmente escapará dos pecados mortais,
afirmam experimentados mestres da vida espiritual.
“Por
um justo castigo de Deus, diz Santo Isidoro, os que fazem pouco caso dos
pecados veniais, das faltas leves, vêm a cair um dia nos maiores pecados”.
Santo
Agostinho tem
uma frase que deve merecer de nós sérias reflexões. O pecado mortal é, segundo
ele, uma montanha que esmaga, que mata, e os pecados veniais, grãos de areia.
Acontece, porém, que o desprezo das faltas leves faz com que a alma venha a
perecer como estes infelizes, que morrem sufocados sob um montão de areia. É
verdade que só o pecado mortal dá morte à alma, e os pecados veniais, por mais
numerosos que sejam, não nos podem tirar a graça santificante. Mas, diz São
Gregório, o hábito dos pecados veniais tira aos nossos olhos a malícia do
pecado grave, e em breve não receamos passar das faltas mais leves aos maiores
pecados.
Consequência
e castigos da tibieza
A
tibieza prepara a impenitência final. — Será possível? Dirá alguém.
Sim, a experiência o tem provado mil vezes. Tibieza é o abuso
da graça, e o abuso da graça teve quase sempre, como consequência última, a
impenitência final.
Deus
non irridetur! —
Com Deus não se brinca!
Conheceis
a palavra de São Paulo?
A
terra que bebe muitas vezes as águas da chuva e que só produz cardos e
espinhos, está reprovada e próxima da maldição. Será entregue ao fogo e
reduzida a cinzas (Hb.
6, 7). Deus nos chama, bate, bate mil vezes à porta do coração. É desprezado.
Ai!
Um dia o candelabro da graça com todas as suas
luzes será transportado para outro lugar: Eu mudarei teu candelabro (Ap.
2, 5). E ai! Meu Deus! Pobre alma! O abismo da impenitência final a espera. E
ela sorri, presunçosa, dorme tranquila na inconsciência, na cegueira do seu
lamentável estado!
Quando
pela misericórdia divina uma pobre alma não chega pela tibieza ao abismo do
pecado grave e à condenação, prepara para si um terrível purgatório. Um pecado
venial é punido severamente nas chamas expiadoras. E quanto mais luzes e
graças recebeu neste mundo uma alma, tanto há de pagar até ao último ceitil.
As revelações particulares nos mostram almas padecendo no purgatório até
séculos por um pecado venial!
Não
abusemos da graça. Não digamos: é um pecado venial, não tem importância... Se
soubéssemos e meditássemos melhor o que é o purgatório, não seriamos tão
levianos e insensatos para viver na tibieza e cometer o pecado com tanta
facilidade!
Exemplo
O
noviço capuchinho revela o sofrimento do purgatório
Os
Anais dos Capuchinhos, Tomo III, e Rossingnoli nas suas Maravilhas das Almas do
Purgatório, 56.°, contam este fato impressionante:
Num
convento capuchinho, em 1618, um noviço muito fervoroso caiu enfermo e em
poucos dias expirou. O Padre Guardião estava ausente e não pode lhe dar a
última absolvição o que o penalizou muito e por isto multiplicou as orações e
sufrágios pela alma do seu filho espiritual. Rezava pelo noviço depois de
Matinas, no coro, quando a alma deste lhe aparece cercada de chamas: “Ai! Meu
Padre, não pude receber a vossa absolvição e havia cometido uma falta leve e
por ela sofro horrorosamente no purgatório. Venho pedir a vossa bênção e uma
penitência e ficarei livre.
—
Meu filho, responde o Padre Guardião tremendo, eu te abençoo quanto posso e
por penitência ficarás no purgatório até à hora da Prima somente.
Faltavam
duas horas para que os frades recitassem o Ofício. O Padre julgou uma leve
penitência esta espera de duas horas no purgatório. Apenas ouviu isto, a alma
do noviço soltou um gemido doloroso de arrepiar e desapareceu, dizendo: Ah!
Pai sem coração! Pai que não tem dó de um filho que padece tanto! Ó, não sabe
que é sofrer no purgatório!
O
Padre Guardião sentiu arrepiarem-se os cabelos, e trêmulo e pálido,
compreendeu neste momento o que é o sofrimento do purgatório, onde cada minuto
parece um século. Tocou logo o sino, reuniu a comunidade e mandou que se
rezasse o Ofício imediatamente pela alma do noviço falecido, contando a terrível
aparição. Fez a todos um sermão sobre o purgatório e a eternidade, repetindo
as palavras de Santo Anselmo: Depois da morte a menor das penas que nos
esperam é maior do que tudo que se possa padecer neste mundo. As menores faltas
são punidas severamente.
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