Giotto di Bondone (1266-1337), Vida de Cristo, Lamentação, Capela Scrovegni de Pádua |
Parece que o anjo não
pode iluminar o homem:
1. Com efeito, o homem é iluminado pela fé, tanto que Dionísio atribui
a iluminação ao batismo, o sacramento da fé. Ora, a fé vem diretamente de Deus,
como se diz na Carta aos Efésios: “É
pela graça que vós sois salvos por meio da fé; e isso não depende de vós, é dom
de Deus” (2, 8). Logo, o homem não é iluminado pelo anjo, mas
imediatamente por Deus.
2. Além disso, a passagem da Carta aos Romanos que diz: “Deus lhes manifestou” (1,
19), a Glosa diz:
“Não somente a razão natural
foi útil manifestando aos homens as coisas divinas, mas ainda o próprio Deus
lhes revelou por meio de sua obra”, ou seja,
por meio das criaturas. Ora, tanto a razão natural como as criaturas, vêm
imediatamente de Deus. Logo, Deus ilumina o homem de modo imediato.
3. Ademais, o que é iluminado conhece sua iluminação. Ora, os homens
não percebem que são iluminados pelos anjos. Logo, não o são.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, Dionísio prova
que as revelações das coisas divinas chegam aos homens mediante os anjos. Essas
revelações são iluminações. Portanto, os homens são iluminados pelos anjos.
RESPONDO. Pela ordem da divina
providência os inferiores se submetem às ações dos superiores. Assim como os
anjos inferiores são iluminados pelos superiores, assim os homens, inferiores
aos anjos, são por eles iluminados.
Contudo, o modo de uma e outra iluminação às vezes é semelhante e às
vezes diferente. Acima se disse [em outro artigo] que a iluminação que é a
manifestação da verdade divina pode ser considerada segundo dois aspectos:
enquanto o intelecto inferior é reforçado pela ação do intelecto superior, e
enquanto o superior propõe ao inferior as espécies inteligíveis que possui, a
fim de que ele possa captá-las. Assim se passa com os anjos, quando um anjo
superior partilha uma verdade universal concebida segundo a capacidade de um
anjo inferior. Todavia, o
intelecto humano não pode receber uma verdade inteligível pura,
posto que sua natureza exige que conheça voltando-se para as representações imaginárias [tema
interessantíssimo que espero também postar aqui]. Por isso os anjos comunicam
aos homens a verdade inteligível por
intermédio das imagens sensíveis. Como diz Dionísio: “É impossível que brilhe para nós um raio
divino a não ser envolto por diversos véus sagrados”. Por outro
lado, o intelecto humano, enquanto inferior, é fortalecido pela ação do intelecto
angélico. Portanto, por essas duas maneiras se considera a
iluminação pela qual o homem é iluminado pelo anjo.
Quanto às objeções iniciais, deve-se dizer, portanto, que:
1. São dois os requisitos para a fé. Primeiro, um habitus [ver Vocabulário
dos termos utilizados por Sto. Tomás na Suma Teológica] do intelecto pelo qual
se dispõe a obedecer à vontade que se inclina para a verdade divina. Com
efeito, o intelecto dá seu assentimento à verdade da fé não por ser convencido
pela razão, mas por ser obrigado pela vontade. Como diz Agostinho: “Ninguém crê a não ser porque quer”.
Com respeito a isso, a fé vem exclusivamente de Deus. Segundo, que as verdades
a serem cridas sejam propostas ao crente. E isso se faz pelo homem, pois “a fé vem pelo ouvido”, como
diz a Carta aos Romanos (10, 17), mas principalmente pelos anjos, por meio de
quem são reveladas aos homens as coisas de Deus. Portanto, os anjos realizam
algo na iluminação da fé. Ademais, os homens são iluminados pelos anjos não somente a respeito do que crer,
mas também do que agir.
2. A razão natural, que vem imediatamente de Deus, pode ser fortalecida pelo anjo,
como foi dito. E igualmente, a verdade inteligível que resulta das espécies
recebidas das criaturas é tanto mais elevada quanto mais forte for o intelecto
humano. Desse modo o homem é ajudado
pelo anjo para alcançar um conhecimento mais perfeito de Deus por
meio das criaturas.
3. A operação intelectual e a iluminação podem ser consideradas de
duas maneiras. Primeiro,
da parte da coisa conhecida. Sob esse aspecto, aquele que conhece ou é
iluminado, conhece que conhece ou que é iluminado, porque conhece que a coisa
lhe é manifestada. Segundo,
da parte do princípio: neste caso, nem todo o que conhece alguma verdade
conhece o que é o intelecto, princípio da atividade intelectual. De modo
semelhante, nem todo o que é iluminado por um anjo conhece que é iluminado pelo
anjo (Nota: Explicação que não
vale apenas para o papel dos anjos na Revelação, mas para todas as “iluminações”
que podem deles provir, sem que o saibamos de modo algum).
Fonte: ST I, 111, 1
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