Fonte: UOL
O teólogo da Libertação Leonardo Boff discursa na Cúpula dos Povos, um dos maiores eventos paralelos da Rio+20, em 2012 |
Genézio Darci Boff, ou Leonardo Boff (nascido em Santa Catarina em
1938), irrompe na sala com ares de druida travesso, o sorriso travesso e as
mãos que descrevem elipses no ar, como quem tenta pegar o vazio.
Boff, teólogo da Libertação, foi condenado ao ostracismo por Joseph
Ratzinger em 1985, depois da publicação de seu livro "Igreja, Carisma e
Poder", um torpedo contra o "establishment" do Vaticano nos
últimos dois papados. Ele volta à cena para anunciar a chegada da igreja do
terceiro milênio, liderada por Francisco. Segundo Boff, uma instituição
"com cheiro de ovelhas, e não flores de altar".
El País: O que o mundo
pode esperar do papa Francisco?
Leonardo Boff: Vem um papa cujo
nome, Francisco, não é um nome, mas um projeto de igreja. Uma igreja pobre, humilde,
despojada do poder, que dialoga com o povo. Temos muita esperança de que ele
inaugure a igreja do terceiro milênio. Também creio que se criará uma dinastia
de papas do Terceiro Mundo.
El País: O senhor foi uma
grande voz dissidente na Igreja Católica e um dos mais críticos com os dois
papas anteriores. O que o faz ser tão otimista quando fala do novo pontífice?
Boff: Creio que é muito corajoso.
Situou-se ao lado dos pobres e contra a injustiça. Temos uma igreja que tem
hábitos palacianos e principescos. Este papa mandou sinais de que quer outro
estilo de igreja, dos pobres para os pobres, e essa é a grande herança da
Teologia da Libertação. Vai pôr em xeque os hábitos tradicionais de cardeais e
bispos.
El País: A igreja
brasileira sofre uma sangria de fiéis há anos. O senhor pensa que a chegada de
Francisco ao Brasil poderá ser crucial para reverter essa tendência?
Boff: Certamente, muitos protestantes vão
participar dos atos desta Jornada Mundial da Juventude. Por outro lado, não
considero uma desgraça que haja muitas igrejas cristãs. Em grande parte é culpa
da Igreja Católica, porque, de fato, para o número de católicos que temos no
Brasil, deveríamos ter 120 mil sacerdotes e temos somente 17 mil. Em nível
institucional, a igreja fracassou.
El País: O senhor considera a possibilidade de voltar à Igreja Católica com
este novo papa?
Boff: Sempre me considerei um teólogo católico que nunca abandonou a igreja.
Sempre disse que mudei de trincheira, mas não de batalha. Portanto, meu
trabalho eclesiástico continua, mas com uma diferença: casei-me. Se o papa
acabasse com o celibato obrigatório, voltaria ao caminho comum da igreja.
El País: O senhor acredita
que Bergoglio poderia abolir o celibato obrigatório?
Boff: Creio que existe essa possibilidade,
porque Francisco traz a experiência do Terceiro Mundo, onde o celibato nunca
foi uma virtude especial. Vejo que pode dar
dois passos: primeiro, reconhecer que há 100 mil sacerdotes casados na igreja e
permitir que voltem a seu trabalho. Segundo, que se institua o celibato
opcional. Todas as igrejas já fizeram isso e a única que resiste é a católica.
E com isso se causa muito dano.
El País: O senhor pretende se encontrar com Bergoglio?
Boff: Não quero forçar essa situação. Ele já disse que gostaria de me receber em Roma, mas antes tem que
reformar a Cúria. E, enquanto Bento
16 viver, não seria bom para Francisco que eu, que tive um confronto
doutrinário com ele [Ratzinger], seja recebido em Roma. Mas ele está aberto a
me receber, inclusive trocamos correspondência.
El País: Esse encontro
poderia ocorrer no Brasil, aproveitando a viagem do papa?
Boff: Eu gostaria disso. Escrevi um livro
intitulado "Francisco de Assis, Francisco de Roma", e gostaria de
entregá-lo a ele pessoalmente. Mas, como lhe disse, não quero forçar uma
situação que poderia ser mal interpretada pela imprensa e criar um problema
pessoal para o papa. A velha Cúria poderia interpretar como algo estranho,
quase ofensivo.
El País: O senhor pensa que a Teologia da Libertação pode viver um novo apogeu
a partir de agora?
Boff: Creio que sim. A Teologia da Libertação nasceu como uma tentativa de
escutar o grito do oprimido. A maneira de atuar do novo papa favorece essa
doutrina. E seria melhor que nem a
mencionasse, porque poderia criar polêmica.
El País: Como o senhor vê o futuro do catolicismo na América Latina?
Boff: Creio que o futuro da América Latina não será um futuro de
cristianismo. Será uma religião nova, na qual haverá muitos elementos
cristãos, especialmente os santos, a missa, os ritos como o batismo, a
eucaristia e o matrimônio, mas também com elementos da tradição indígena e das
religiões afro-americanas.
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