‘APOSTASIA NA IGREJA’
por Lucio Brunelli
Com respeito ao Terceiro Segredo de Fátima, o
Cardeal Silvio Oddi diz: "Não tem nada a ver com Gorbachev. A Santíssima
Virgem estava a avisar-nos contra a apostasia na Igreja".
Este texto é tirado do artigo que foi publicado pela primeira vez em Roma em 17 de Março de 1990, na revista Il Sabato.
Já toda a
gente reconhece que o Cardeal Silvio Oddi tem uma virtude que é extremamente
rara nos meios eclesiásticos actuais: a franqueza e a liberdade com que expõe
os seus pontos de vista. A entrevista que se segue é mais uma prova disto.
Tem por tema um dos enigmas que, durante este século, mais tocaram a
imaginação religiosa colectiva: o Terceiro Segredo de Fátima. É um assunto
que mais uma vez ganhou relevância actual no mês passado, a seguir à
publicação em 30 DIAS de uma carta da Irmã Lúcia, uma dos
três videntes a quem a Mãe de Deus apareceu em 13 de Maio de 1917.
Referindo-se aos acontecimentos na Europa de Leste, a freira portuguesa
escreveu: "Creio que é um acto de Deus para afastar o mundo do perigo de
uma guerra atómica que o podia destruir." Muitos viram nestas palavras a
confirmação de que o Terceiro Segredo terá algo a ver com os últimos
acontecimentos na URSS, como se a Virgem Maria tivesse profetizado e guiado
misteriosamente o plano de Gorbachev para a perestroika. Esta teoria acabou
por atribuir a estes acontecimentos políticos o carácter miraculoso de um
renascimento espiritual e religioso.
Também é desta opinião?
CARDEAL
SILVIO ODDI: Não; pelo contrário, continuo a ser muito
céptico. Creio ter conhecido João XXIII muito bem, por ter passado vários
anos ao seu lado, quando ele estava na nunciatura em Paris. Se o Segredo
fosse sobre realidades consoladoras para a Igreja, como a conversão da Rússia
ou o renascimento religioso da Europa de Leste, parece-me que ele teria feito
pressão para que o Segredo fosse feito público.
Por
temperamento, ele não hesitava em comunicar coisas agradáveis (foi revelado
que o Cardeal Roncalli, em várias cartas para amigos, praticamente anunciava
a sua eleição para o Papado). Mas quando lhe perguntei, numa audiência, por
que razão é que ele não tinha divulgado a última parte da Mensagem de Fátima
em 1960, quando tinha chegado ao fim a obrigação de manter o Segredo, ele
respondeu com um suspiro de cansaço. E depois disse: "Não me fale desse
assunto, por favor ..."
Falou alguma vez com a Irmã Lúcia?
CARDEAL
ODDI: Sim, em 1985. Tinha ido a Portugal para
celebrar solenemente o aniversário das aparições, e não resisti ao desejo de
trocar algumas palavras com ela. Evidentemente, não lhe pedi para me revelar
o Segredo, mas perguntei-lhe se sabia por que razão a Igreja tinha decidido
não o tornar público.
E a Irmã Lúcia, o que disse?
CARDEAL
ODDI: Disse que em Maio de 1982 tinha falado disso a
João Paulo II, que tinha feito uma peregrinação a Fátima para dar graças a
Nossa Senhora, um ano depois da tentativa de assassínio na Praça de S. Pedro.
Ambos decidiram juntos que seria mais oportuno não revelar o Segredo. Com
receio, explicou-me ela, de que fosse "mal interpretado". Segundo
me disseram, o Santo Padre deu a mesma explicação durante a sua visita à Alemanha.
Esta atitude da Igreja reforçou em mim uma teoria que tenho há alguns anos
...
E qual é?
CARDEAL ODDI: O que é que aconteceu em 1960 que podia ser relacionado com o
Segredo de Fátima? O acontecimento mais importante é, sem dúvida, o início da
fase preparatória do Concílio Vaticano II. Por isso, não me surpreenderia se
o Segredo tivesse alguma coisa a ver com a convocação do Vaticano II...
Porque diz isso?
CARDEAL
ODDI: A partir da atitude que o Papa João
exteriorizou durante a nossa conversa, deduzi – mas isto é só uma hipótese –
que o Segredo devia conter uma parte que tivesse algo de bastante
desagradável. João XXIII tinha convocado o Concílio com a intenção precisa de
dirigir as forças da Igreja no sentido da solução dos problemas que dizem
respeito a toda a humanidade, começando do seu interior. Ou seja, queria que
o trabalho começasse com a perfeição evangélica seguida pelas pessoas
consagradas ... Mas, como todos nós sabemos, apesar dos grandes méritos do
Concílio, aconteceram muitas coisas tristes. Estas coisas não se devem ao
Concílio, mas tiveram lugar em conjunção com o Concílio. Estou a pensar, por
exemplo, no número de padres que deixaram o sacerdócio: dizem que que
chegaram a 80.000. Mas basta recordar a angústia com que o Santo Padre Paulo
VI se referiu em 1968 à "autodemolição" que tinha lugar na Igreja
... Ou a sua homilia dramática de 29 de Junho de 1972: "Pensávamos que
depois do Concílio viria um dia de sol na história da Igreja. Mas em vez
disso veio um dia de nuvens e tempestades, e de escuridão ... E como
aconteceu isto? Confiar-vos-emos o pensamento que pode ser, admitimo-lo nós
próprios em discussão livre, que pode ser infundado, e é que houve um poder,
um poder adverso. Chamemo-lo pelo seu nome: o demónio." E em seguida:
"Foi como se, por alguma fresta misteriosa, não, não é misteriosa, por
alguma fresta o fumo de satanás tivesse entrado no templo de Deus."
E como é que interpreta isto?
CARDEAL
ODDI: Assim: que não me surpreenderia se o Terceiro
Segredo aludisse a tempos difíceis para a Igreja: graves confusões e
apostasias preocupantes dentro do próprio Catolicismo ... Se considerarmos a
grave crise que temos vivido desde o Concílio, não parecem faltar sinais de
que esta profecia se cumpriu ...
Mas há
quem diga que o Papa vê realmente uma ligação entre o mistério de Fátima e as
mudanças que estão a ocorrer na Rússia ...
CARDEAL
ODDI: Sabemos que essa pergunta foi feita, em
particular, a João Paulo II. Num caso, limitou-se a sorrir; no outro, deu uma
resposta que não permite chegar-se a uma conclusão clara.
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Fonte: Fátima
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