Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
25
de Novembro
A
MISSA DOS DEFUNTOS
As
cerimônias
O
simbolismo tocante e belo das cerimônias da Missa dos defuntos não pode ser
ignorado de quantos querem assistir com proveito ao melhor e o maior dos
sufrágios que se pode oferecer pelos mortos — o Santo Sacrifício dos nossos
Altares.
Esta
Missa é celebrada com o paramento de cor preta, simbolizando o luto. Não tem o Glória. É semelhante às
Missas do tempo da Paixão. Mostra a dignidade do cristão assemelhado a Jesus
Cristo na Paixão. Não tem o Salmo Judica me, porque nele se diz: quare tristis est
anima mea et quare conturbas me? Por que perguntar à alma porque esta triste
quando já foi julgada?
O
sinal da cruz que o sacerdote faz sobre si nas outras Missas, aqui é feito
sobre o Missal, para dizer que tudo é agora para os mortos, os frutos e méritos
da cruz. Nem o padre nem o diácono beijam o Missal, simbolizando que as almas
não receberam o ósculo da paz de Deus no céu.
Escreveu
o piedoso Mons. Olier: “Não se beija o
Missal no fim do Evangelho primeiro, porque as almas do purgatório morreram em sinal da fé — insigno
fidei — não têm necessidade de uma profissão
de fé no Evangelho Pelo mesmo motivo a Missa dos defuntos não tem Credo, que é a
manifestação pública da nossa fé. No ofertório não há bênção da água que é
posta no cálice com o vinho, porque a água simboliza os fiéis, e a Igreja não
tem jurisdição sobre os fiéis defuntos na outra vida, pois estão em Graça com
Deus. No Agnus Dei não há paz, a
cerimônia do Pax tecum. As almas já estão
na paz de Deus e livres dos perigos do pecado que tira a verdadeira paz. Elas
sofrem muito, mas em doce paz. No Agnus Dei não se diz Miserere nobis, mas “dai lhes o descanso”. Imploramos o
eterno descanso para as pobres almas sofredoras e em tormentos do purgatório.
Elas não precisam de paz, mas de um descanso eterno no seio do Deus. Não há
bênção no fim da Missa porque as almas não ouviram ainda de Nosso Senhor: “Vinde, benditas de
meu Pai, receber a recompensa...”.
Ao
invés do Ite, Missa est — “acabou-se a Missa”, a ordem de
dispersar os fiéis e anunciar o fim da Missa, diz o sacerdote: Requiescant in pace —
“Descansem em paz”.
É um convite ao povo, também, para que reze pelos fiéis defuntos e para dizer
que todo aquele Augusto Sacrifício foi oferecido para descanso dos pobres
irmãos do purgatório. Eis as cerimônias especiais e variantes das Missas dos
defuntos. O Introito é uma súplica pelo
descanso das almas. “Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno e
que lhes resplandeça a luz perpétua”. No gradual, a mesma
súplica. No Trato: “Livrai, Senhor, as almas dos fiéis
defuntos das cadeias dos seus pecados. E que o socorro da vossa graça consiga
evitar o Juízo da Vingança e gozem a bem-aventurança da luz eterna”. Na Communio é ainda o pedido do
eterno descanso: “Que a luz eterna lhes resplandeça com
os vossos Santos por todos os séculos, ó Senhor, pois sois tão bom!”.
E
pede de novo: “dai-lhes o descanso e a luz perpétua,
pois sois tão bom, Senhor”.
Que
belas súplicas pelas pobres almas!
0 Dies Irae é uma Sequencia da
Missa dos defuntos, atribuída ao franciscano Celano, que a teria escrito no
ano de 1260. É uma descrição impressionante do Juízo final. Uma meditação das
mais vivas daquele dia tremendo em que todo o Universo há de prestar conta ao
Juiz dos vivos e dos mortos. Reza-se o Dies Irae nas Missas de Requiem. Comentá-lo seria
prolixo e exigiria um volume. Vamos meditá-la traduzida, embora não sem a
beleza e a expressão do latim e da forma poética. Servirá muito para nossa
meditação. Ei-la:
“Dia
de ira aquele em que o Universo terá reduzido a cinzas, segundo as predições
de Davi a Sybila. — Qual não será o terror dos homens quando o Soberano Juiz
vier perscrutar todas as suas ações com rigor! — O som estridente da trombeta
acordará os mortos nas profundezas das sepulturas, reunindo-os todos diante
do trono do Senhor. A morte e a natureza ficarão estupefatas quando a criatura
comparecer para ser julgada pelo Juiz. — Um Livro aparecerá onde está escrito
tudo sobre o que há de versar o julgamento. — Quando o Juiz se assentar no
Tribunal, tudo o que estiver oculto ficara descoberto e nenhum crime ficará
impune. Infeliz de mim! Que poderei dizer então? Que protetor procurarei quando
somente o Juiz estará tranquilo?! — Ó Rei, cuja Majestade é tremenda, mas que
salvais gratuitamente os escolhidos, salvai-me, ó Fonte de piedade! —
Recordai-vos, ó piíssimo Jesus, de que viestes ao mundo por minha causa; não me
condeneis nesse dia. — Ó Vós, que vos fatigastes em minha procura e que para me
resgatardes morrestes numa cruz, não queirais que fiquem infrutíferos tantos
esforços! Ó Justo Juiz, que castigais com justiça, concedei-me o perdão das
minhas faltas antes do dia do julgamento. — Eu choro como réu, as minhas
culpas envergonham-me. Ó Deus, que as minhas súplicas me alcancem o perdão! Ó
Vós, que absolvestes a Maria e ouvistes o ladrão, concedei-me também a
esperança! Bem sei que as minhas preces não são dignas, mas vós, que sois bom,
não consintais que eu arda no fogo eterno. Colocai-me entre os cordeiros, à vossa
direita, e separai-me dos pecadores. Livrai-me da confusão e do suplício dos
malditos condenados, e introduzi-me junto dos benditos de Vosso Pai.
Suplicante, prostrado ante vós e com o coração esmagado, como reduzido a
cinzas, eu Vos imploro, ó Senhor, que tenhais piedade de mim no momento da
morte. Dia de lágrimas aquele em que o homem pecador renasça das suas cinzas
para ser julgado! Tende pois piedade dele, ó meu Deus! Ó piíssimo Jesus ! Ó
Senhor, concedei-lhe o repouso eterno!”.
Não
é verdadeiramente impressionante, nela, esta Sequência da Missa dos defuntos?
O Dies Irae é um grito de temor e
de esperança. Fala-nos do tremendo Juízo e aponta-nos a doce esperança na
Misericórdia do Salvador. Termina: Pie Jesu dona eis
requiem. — Piedosíssimo Jesus, dai-lhes o descanso eterno!
Lembra
o Juízo para nosso temor e para que andemos vigilantes e preparados, e
recorda-nos a Divina Misericórdia, para que nunca desesperemos. Implora
misericórdia e descanso para os que já passaram pelo tremendo julgamento e
sofrem no purgatório.
Prefacio
da Missa dos defuntos
Outra
jóia da Liturgia é o prefácio dos defuntos. Uma lição, uma lembrança de nossa
imortalidade e ressurreição futura. Não é muito antigo. Vamos meditá-lo:
“Verdadeiramente
é digno e justo, racional e salutar que sempre e em todos os lugares vos demos
graças, Senhor, Santo Pai Onipotente, Eterno Deus, por meio de Nosso Senhor
Jesus Cristo, em quem nos concedestes a esperança da feliz ressurreição; de
sorte que, conquanto a condição certa da nossa morte nos entristeça, fiquemos
consolados com a esperança da imortalidade futura. Pois para vossos fiéis, Senhor,
a vida muda-se, não se acaba, e desfeita esta morada terrena, adquire-se a
habitação eterna nos céus. E por isso, com os Anjos e Arcanjos, com os Tronos e
as Dominações, e com a Milícia celeste, cantamos o hino da vossa glória,
dizendo sem cessar: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus dos Exércitos. O céu e
a terra estão cheios da vossa glória. Hosana no alto dos céus”.
Eis
o belo Prefácio dos defuntos. Fala-nos da esperança da ressurreição futura.
Estamos tristes neste mundo porque nossa condição de pobres mortais, sujeitos
a deixar esta vida pela morte. Todavia, temos a promessa da imortalidade. Não
morreremos de todo. A morte para o cristão é vida. Nas catacumbas escreviam
nas lages sepulcrais às vezes uma palavra só: — Vixit! Viveu! É a idéia do
Prefácio. A vida do cristão é a mesma. Aqui a vida na graça, e depois a vida na
glória. Muda-se apenas a condição da mesma vida. Vita mutatur, non
tollitur,
diz o Prefacio — a vida se muda, mas não se acaba.
Que
lição confortadora!
Diz
o Apóstolo que não temos neste mundo morada permanente. Non habemus hic
manentem civitatem. — Não pertencemos a este mundo. A
Igreja nos chama viatores, caminhantes. Vamos para a casa
de nossa eternidade. É o que nos recorda o Prefácio dos defuntos. Desfaz-se
nossa morada terrena, pobre e miserável, e adquirimos uma eterna morada no céu!
A
Liturgia dos mortos é pois uma continua lembrança aos vivos da morte e do
Juízo, um despertar da nossa fé na imortalidade da alma e na vida futura, um
brado para que estejamos vigilantes, porque na hora que menos pensarmos, virá o Filho do Homem. É, principalmente,
um incentivo para que não nos esqueçamos de nossos mortos queridos.
Procuremos
assistir a Santa Missa dos defuntos com muita devoção e acompanhá-la no Missal
ou no folheto litúrgico. Ela é verdadeiramente impressionante e nos leva a uma
meditação muito séria da morte e do Juízo.
Ainda
há pouco o Santo Padre Pio XII, na oportuna Encíclica Mediator Dei, condenava o erro
dos que desejariam suprimir as Missas dos defuntos de nossa Liturgia e condenam
o paramento de cor preta, sob pretextos sutis de que prejudicam o chamado Movimento restaurador
da Liturgia.
A Igreja, que vela pelo esplendor das solenidades litúrgicas, nem sempre
permite a Missa dos defuntos em grandes festas, mas como é generosa e permite
com frequência estas Missas para ensinamento dos fiéis e alivio das pobres
almas!
Exemplo
Santa
Isabel, Rainha de Portugal, e sua filha Constância
A
grande Santa da caridade tinha uma fulha que muito amava, chamada Constância.
Esta princesa havia se casado há pouco tempo com o rei de Castela, quando uma
morte repentina veio arrebatá-la à afeição dos seus. A rainha, ao ter a
infausta notícia, juntamente com o rei se pôs a caminho de Santarém, quando um
eremita se aproxima do cortejo real e quer falar à rainha. Os fidalgos disseram
logo: é um importuno, um doido. Não lhe demos importância! Santa Isabel
percebeu tudo e mandou chamar o pobre monge, perguntando-lhe o que desejava.
—
Senhora, a vossa filha Constância me apareceu diversas vezes e foi condenada a
um longo e rigoroso purgatório, mas será libertada no prazo de um ano se
celebrarem durante um ano todo, todos os dias, uma Santa Missa por ela.
Os
do cortejo real puseram-se a rir do monge: é um doido, diziam. É um intrigante
e quer arranjar alguma coisa, repetiam outros. A rainha, entretanto, levou o
caso muito a sério. Pediu ao esposo que mandasse celebrar as Santas Missas.
Dizia: Afinal, o que se poderia sair perdendo com isto? Não é bom mandar
celebrar Missas pelos nossos mortos? Quanto não há de lucrar com isto a nossa
filha, ainda que não fosse real a aparição do pobre monge!
No
dia seguinte encarregou a um sacerdote de celebrar durante o ano todo por alma
da filha. Exatamente quando completou um ano, Constância apareceu
à sua santa mãe vestida de branco, toda luminosa e de uma beleza incomparável.
—
Hoje, minha querida mãe, graças às vossas orações e às Santas Missas que
mandastes celebrar, estou livre dos meus tormentos e subo para o céu.
A
Santa, toda radiante de felicidade, foi procurar o Pe. Mendez, sacerdote
encarregado da celebração das Santas Missas, e este já vinha ao encontro da
rainha para lhe dizer que, na véspera, havia celebrado a última das 365 Missas
encomendadas por alma de Constância.
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