Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
24
de Novembro
LITURGIA
DOS FUNERAIS
Ofícios
fúnebres
Funerais vem da palavra “funus”, que por sua vez
deriva de “funalia”, tocha, porque
outrora se faziam os enterros à noite, e eram acompanhados com tochas acesas
ou archotes. O cristianismo purificou esta cerimônia pagã, santificando-a com
as luzes empregadas nos ofícios fúnebres, mas as luzes agora simbolizavam, diz
São João Crisóstomo, alegria e esperança na ressurreição da carne.
Nos
primeiros dias do cristianismo, na época das perseguições, a cerimônia do
sepultamento dos mártires era festiva e tinha uma nota de alegria e de
triunfo. Era a festa da entrada do céu e da glorificação dos que sofreram e
morreram por Cristo. “Os mártires, dizia São Cipriano, passavam da prisão
para a imortalidade. De carcere ad immortalitatem transibant. Assim, o dia da
morte era celebrado como dia de festa. Adornava-se festivamente o vestibulo da
casa mortuária com guirlandas e coroas, escreve São Gregorio
Nanzianzeno,
e o interior era decorado com verduras, flores e tapeçarias e fachos de luz.
Tal eram os funerais dos primeiros cristãos. Os de hoje são bem diferentes. Já
não têm mais a nota festiva.
São
tristes, são lúgubres. Por quê? Os mártires eram heróis que triunfavam e tinham
garantida a salvação, eram santos.
Os
primeiros cristãos eram de um fervor admirável. Morriam mártires da fé, ou
deixavam esta vida após muita penitência e uma vida muito santa. Havia razão
para que a morte deles fosse um triunfo, assim como hoje a Igreja celebra os
funerais das criancinhas que morrem com a inocência batismal. Depois,
infelizmente, se introduziram relaxamentos e fraquezas nos costumes, e a Igreja
temia a sorte dos seus filhos mortos sem uma penitência suficiente, e sem
aquele fervor e santidade dos seus filhos primeiros da era gloriosa e santa
dos mártires. Eis porque desde Orígenes, a quem Santo Agostinho atribui a ordem no
Ofício dos mortos, se introduziu o espírito de satisfação à Divina Justiça
pelos mortos, e esta pompa fúnebre que chora sobre os mortos implorando para
eles a divina clemência[1].
O
espírito festivo foi conservado apenas nos funerais das crianças. Nos funerais
dos adultos a Igreja quer nos lembrar o dogma do purgatório, quer implorar
nossas súplicas pelos que padecem no lugar da expiação. Abreviar ou aliviar
este sofrimento, eis o objeto dos ritos fúnebres e de todas as suas preces.
Os
antigos, disse São Gregorio de Nisse, embalsamavam os
corpos para os sepultar. O cristianismo faz coisa melhor: “embalsama a sua
memória e os envolve no perfume das orações e das comemorações”[2].
A
oração pelos mortos é muito antiga na Igreja.
São
Cipriano de Jerusalém, Santo Agostinho e ainda Tertuliano, asseguram que no
seu tempo se faziam preces pelos mortos na convicção de que a oração dos vivos
aliviava os mortos.
A
Igreja, nossa Mãe, nos acompanha carinhosa e cheia de ternura até a sepultura,
e nos segue além-túmulo com suas orações e com o sufrágio dos funerais.
Três
idéias principais claramente percebemos em todos os ofícios fúnebres da
Liturgia da Igreja. A primeira, lembrar aos vivos as angústias e os tormentos
nos quais a maior parte dos que faleceram expiam suas faltas no purgatório;
segunda, excitar em favor dos mortos a compaixão e a caridade dos vivos;
terceira, afirmar a idéia consoladora da ressurreição da carne.
Tais
são as idéias dominantes de todos os ofícios fúnebres.
Lembra
as angústias e tormentos do purgatório quando implora, por exemplo, nesta
prece: “Senhor, não entreis em juízo com o
vosso servo sem que estejais disposto a conceder-lhe a remissão de todos os
seus pecados, pois nenhum homem se encontrará justo diante de Vós. Nós Vos
suplicamos, Senhor, que a sentença do vosso Juízo, não esmague aquele por quem
pede esta oração feita com fé verdadeiramente cristã, mas que com o socorro da
vossa graça ele, que durante a sua vida foi marcado com o sinal da Santíssima
Trindade, consiga evitar a sentença do vosso Juízo”.
Que
oração impressionante e bela!
Depois,
recorda o Juízo tremendo em que se moverão o céu e a terra. É o Libera me, Domine! Há na oração
final uma expressão que nos mostra o sofrimento do purgatório. Dá-nos a idéia
de que o defunto está como que sufocado e aflito, sem poder respirar o ar do
céu, à espera da libertação: “Livrai, Senhor, a alma do vosso seno ou
serva, de todo o vínculo dos seus delitos, a fim de que na gloriosa ressurreição,
tornando a viver na sua carne, possa respirar entre os vossos Santos e
escolhidos”.
E
muitas vezes repete a Igreja: Requiescat in pace! Descance em paz!
Senhor,
não entreis em juízo com vosso servo! Que súplica esta
impressionante e comovedora! Chegando ao cemitério, prossegue o sacerdote: Senhor, nós vos
suplicamos, dignai-vos usar misericórdia para com vosso servo defunto. Que ele
não tenha de sofrer as penas dos seus pecados, pois ele desejou cumprir a vossa
vontade, e que assim como neste mundo o uniu a sociedade dos fiéis, assim
também, lá no céu a vossa misericórdia o associe aos coros dos Anjos.
Sempre
a idéia caridosa de implorar misericórdia pelos mortos que padecem no
purgatório! O Ofício dos defuntos é um gemido de dor sobre a miséria da pobre
criatura humana, lembrando as lamentações de Jó, tão
impressionantes, naquele realismo que abala a nossa alma e parece um gemido
saído dos abismos do purgatório. Que antífonas tocantes e piedosas! Aqui é um
brado de misericórdia pelos que sofrem na expiação, ali um ato de fé na
ressurreição da carne, acolá uma lembrança da miséria humana. Enfim, no Ofício
dós mortos, nos funerais dos cristãos, filhos da Santa Igreja, encontraremos,
como disse acima, as três notas impressionantes e de uma eloquência sem igual:
a lembrança dos tormentos do purgatório, grito de súplica
pelos fiéis defuntos que gemem na expiação, recordando o
Juízo tremendo de Deus e a miséria do homem, e a esperança na ressurreição da
carne. Procuremos ler em vernáculo o Ritual dos defuntos. Meditemos aquelas
orações e antífonas, enfim todas as impressionantes lições desta Liturgia.
As
lições dos funerais
São
muito belas e impressionantes as lições que nos dá a Igreja com os funerais de
seus filhos. Já vimos como recorda o sofrimento do purgatório, a necessidade de
orar pelos mortos e o dogma da ressurreição da carne. Há, porém, outras lições
nestes funerais, que sempre assistimos talvez indiferentes porque não os
meditamos, ou ignoramos. O cadáver é guardado com todo respeito e veneração.
Não é o nosso corpo, como diz São Paulo, o templo do Espírito Santo? Não
recebeu ele as unções do Batismo e água regeneradora? Não foi o Sacrário vivo
da Santa Eucaristia? Não foi o instrumento da Graça, santificado pelos
Sacramentos?
A
Igreja nos lembra o que é nosso corpo e quer que o respeitemos. Proíbe a
incineração dos cadáveres e não admite que se profanem os corpos de seus filhos.
Leva este cadáver ao templo, cerca-o de luzes, incensa-o, trata-o como coisa
sagrada. Depois o acompanha ao túmulo com orações, benze a sepultura, dizendo: “Ó Deus, de cuja
misericórdia dá repouso às almas dos fiéis, dignai-vos benzer esta sepultura e
enviar o vosso Anjo da guarda para a guardar. Dignai-vos livrar dos laços dos
seus pecados as almas daqueles cujos corpos estão aqui sepultados, a fim de que
gozem incessantemente e eternamente a felicidade junto com vossos Santos”.
Que
respeito pelo nosso corpo!
Respeitemos
nosso corpo, que um dia há de ser objeto de tanta veneração nos funerais. Não
profanemos pelo pecado, sobretudo pela impureza, este templo sagrado do
Espírito Santo. O Apóstolo São Paulo recomenda tanto este respeito pelo nosso
corpo!
Lembremo-nos
do Juízo de Deus, tremendo e rigoroso, como nos lembra a Igreja implorando
misericórdia e gemendo por nós quando nossa pobre alma comparece diante do
Tribunal Divino! Que contas daremos a Deus? Ouvi o Dies Irae, este hino que nos
veio da Idade Média e nos recorda o tremer no Juízo de Deus e nossas
responsabilidades! A Liturgia da Missa dos defuntos o trás sempre, para
associar a idéia do sufrágio dos mortos a do Juízo, e assim excitar nossa
compaixão pelos mortos e despertar nossa alma para uma vida melhor com a
lembrança dos Novíssimos.
Estes
pensamentos devem ser os nossos, quando acompanhamos nossos mortos à sepultura,
quando assistimos aos ofícios fúnebres. É muito triste vermos a indiferença e
a displicência com que se assistem aos funerais hoje! Quanta profanação! Conversas
nos enterros, onde se discutem política e interesses de negócios, sorrisos e
desrespeito. Preocupação de pompas fúnebres e descuido da oração e das
exéquias. Para que tantas flores e tantos túmulos pomposos? Ó, se aprendêssemos
na escola admirável da Liturgia da Igreja estas sublimes e impressionantes
lições!
Seria
utilíssimo que nos retiros espirituais que fazemos, ao meditarmos na morte,
recordássemos a Liturgia dos funerais. Como se presta à meditação e nos ensina
tanta coisa para reforma de nossa vida! Todos os Novíssimos aí são lembrados: a Morte, o Juízo — tantas vezes com o
“Libera me” e o “Dies Irae” — o Inferno e o
Paraíso, para o qual nos manda — In paradiso deducant
te angeli...
Que lições!
Exemplo
Caridade
recompensada
Deus
nos concede muitas graças na sua misericórdia quando somos generosos para com
Ele. Muito alcança em favor das pobres almas do purgatório quem oferece por
elas sacrifícios e orações, porém, um ato heróico de virtude pode ser um alívio
poderoso no purgatório. Contam diversos autores fidedignos e entre eles Santo
Antonino de Florença, este exemplo edificante:
Uma
senhora viúva tinha um filho único, estudante, e a quem amava ternamente e no
qual depositava todas as suas esperanças. Um dia, o moço, em companhia de
outros colegas se divertia, quando um estranho se pôs entre os rapazes e começa
a lhes perturbar os folguedos com provocações e inconveniências. O filho da
viúva o repreendeu severamente. O homem, indignado, puxou de um punhal e o
enterrou no coração do pobre moço, deixando-o estendido na rua, banhado em
sangue. O assassino foge, assustado, e ainda com o punhal em sangue entra na
primeira casa que encontra para fugir à perseguição da justiça. Qual não foi o
seu espanto ao saber que entrara justamente na casa da mãe de sua vítima!
A
viúva piedosa e cheia de carinho, compadecida do assassino o refugia e
esconde-o da policia que o procura. Vem a saber, dentro de poucos instantes,
que protegia o assassino do seu próprio filho! Sentiu um movimento de dor e de
revolta. Era boa cristã. Soube se conter heroicamente. Foi rezar. Ofereceu a
Nosso Senhor o sacrifício enorme de perdoar ao criminoso e foi procurá-lo,
dizendo-lhe: “Infeliz, mataste meu filho querido, único filho, todo meu coração!
Era a luz e a alegria de minha velhice, meu único apoio. Poderia te entregar à
justiça e me vingar. Não o farei. Prefiro a caridade do perdão pela alma de meu
filho saudoso. Vou te ocultar e depois te facilitarei a fuga e te livrarei da
justiça”.
O
pobre assassino caiu de joelhos, banhado em lágrimas, e quis se entregar à
polícia. A viúva não o permitiu. Fê-lo escapar da condenação. Era um ato
heróico, admirável!
Alguns
dias depois a pobre mãe rezava pela alma do filho saudoso, quando este lhe
aparece todo belo e esplendoroso. “Minha mãe, minha mãe, diz a bela visão, eu
deveria permanecer no purgatório muito tempo. Vosso ato de caridade para com
meu assassino e vossas esmolas e orações me abreviaram a pena e subo já para o
céu. Adeus, minha querida mãe! Até o céu!”.
Que
consolação para a pobre viúva! Sentiu ela a doce recompensa do seu ato heróico.
Perdoemos
nossos inimigos por amor e em sufrágio das almas do purgatório.
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