Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
3 de Novembro
DEPOIS DA MORTE...
Com a morte tudo se
acaba?
Sim, é verdade, com a
morte tudo se acaba. Lá se vão as riquezas, as honras, o luxo, as glórias terrenas
e até nosso pobre corpo tão miserável se transforma num monturo asqueroso e
horrível. Vamos ao pó donde viemos. Tu és pó e em pó te
hás de tornar.
Seremos quanto ao corpo, nada, pó, um punhado de lodo. Todavia, temos uma alma
imortal, criada à imagem e semelhança de Deus, e esta não se acaba. É
espiritual. Separa-se do corpo que ela vivificou, mas não morre. A morte não é
mais do que a separação da alma do corpo. Então nem tudo se acaba na morte.
Fica o principal, a alma.
Fica tudo — uma alma
remida pelo Sangue de um Deus.
Não somos um bruto
que nasce, cresce, morre e desaparece num monturo para sempre.
Um amigo de Sócrates,
o célebre filósofo grego condenado à morte, perguntou-lhe antes que o veneno
da cicuta arrebatasse a preciosa vida:
— Tem algum deseja
para que o cumpramos? Porventura alguma disposição sobre o enterro?
— Que querem? Meu
amigo, pensam então em me sepultar? Podem enterrar meu corpo, mas a mim não
poderão sepultar.
Resposta de um pagão
consciente da sua imortalidade.
E nós, cristãos,
podemos com muito mais razão dizer: — sepultam nosso cadáver, nosso pobre e miserável
corpo. Ficamos nós, porém, vivos e imortais. Não morreremos. Não morre nossa
alma. A imortalidade de nossa alma é uma verdade tão clara, que nunca houve
povo tão bárbaro que nela deixasse de crer. Repugna e revolta ao nosso ser
todo, a idéia estúpida do materialismo apontando-nos a sepultura e um punhado de
pó como a única e última finalidade de nossa existência.
Com a morte tudo se
acaba?
Sim, quanto ao corpo,
até a ressurreição da carne no dia do Juízo.
E quanto à alma,
então sim é que tudo começa. Começa a eternidade...
A vida passa
depressa. Somos crianças neste mundo, sempre iludidos pelas bagatelas e
loucuras do pecado. Andamos à caça de borboletas de ilusões. Depois...
depois... Virá a hora da despedida de tudo quanto é terreno. E havemos de
partir para a casa da nossa eternidade.
Diz a Escritura: Irá o homem para a
casa da sua eternidade.
Ora, morrer é, pois, ir para a casa. Deus é Pai. Iremos
pois então para a casa de nosso Pai. Haverá coisa mais bela e mais consoladora?
Como é bela a esperança cristã!
E como é horrível o
materialismo a considerar o túmulo um punhado de lodo, o último e fatal destino
de um homem!
E depois?
Depois, quando nossa
alma se separar do corpo, o que constitui a morte, todos nós compareceremos
ante o Tribunal Divino e seremos julgados. Omnes stabimus ante
tribunal Domini nostri Jesu Christi! Que dia aquele e que
hora tremenda a da sentença! Estaremos em face de duas eternidades: Céu ou
Inferno! Post hoc judicium... Depois da morte o
Juízo. Daremos contas severas a Deus de tudo. Nossa vida inteira se passou na
presença do Senhor que tudo sabe e penetra até os nossos mais secretos
pensamentos. “Cada dia, escreveu Bossuet, cada instante a
Justiça de Deus registrou nossas ações. Cada momento de nossa existência, cada
respiração, cada batida de nosso pulso, si assim posso me exprimir, cada
manifestação de nosso pensamento tem consequências eternas. E toda esta
história sem igual nos será apresentada um dia”.
Sim, toda a nossa
vida, e até as nossas mais secretas intenções irão ao Tribunal de Deus, no dia
e na hora em que nossa alma se separar deste corpo de morte. Quem é o Juiz?
Deus Santo, a Santidade em essência, Deus que tudo sabe e tudo vê, Deus que num
instante nos apresenta toda a nossa vida, com seus pecados e misérias, bem como
as boas obras que fizemos ou deixamos de fazer. Daremos conta também do abuso
da Graça e dos pecados de omissão. Meu Deus! Meu Deus! Que tremendo Juízo nos
está reservado! Que responsabilidade a do cristão em face da morte! Será a
morte apenas um estúpido aniquilamento? Será uma podridão de vermes numa
sepultura, e nada mais além disto? Ó não, mil vezes não!
A morte é a porta da
eternidade, e ela nos lança, despojados de tudo, sozinhos, com o peso de nossos
pecados ou de nossas boas obras, na face do Senhor, do Juiz eterno dos vivos e
dos mortos para sermos julgados. Já meditamos seriamente nisto? Já pesamos a
tremenda responsabilidade da vida? Entretanto, como se procede tão
levianamente em face da morte! Que insensatos são os homens quando nem querem
pensar na morte, e procuram se iludir para melhor viveram no pecado!
Daremos contas a Deus
de nossa vida. Exame rigoroso de tudo... até “de uma palavra ociosa”, diz Nosso
Senhor no Evangelho. E depois? Virá a sentença. Duas eternidades: céu e inferno!
Acreditam? Tanto melhor! Não acreditam? — Pois não deixará de existir o
inferno, nem o céu deixará de ser a mais consoladora das realidades por que
alguns materialistas ou cristãos degenerados não querem crer. Iremos para a
casa da nossa eternidade! Ibit homo ad domum aeternitatis suae.
Iremos, sim, mais cedo ou mais tarde. Estamos preparados? Preparados para o
Juízo? Então seremos salvos pela Divina Misericórdia si a morte não nos
encontrou no pecado e na inimizade de Deus. Somos porém bem puros para comparecermos
diante de Deus e entrarmos na vida eterna? Ai! Quanta miséria e fragilidade! E
fizemos tão pouca penitência, neste mundo, dos nossos pecados! Resta-nos o
purgatório. Para lá iremos quase todos, iremos nos purificar, antes da
recompensa eterna. Poderíamos dizer em geral: depois do Juízo... o Purgatório!
No purgatório...
Quando levamos nossos
mortos queridos à sepultura, costumamos dizer: descansaram!... Sim, descansaram
das fadigas e lutas desta vida que é um combate no dizer expressivo de Jó: militia est vita hominis
super terram — a vida do homem neste mundo é um combate. Porém, descansaram já
no seio de Deus? Estão já no eterno repouso do céu? Ai! É tão grande a
fragilidade humana, que bem poucos, raríssimos, são os que deixam esta vida e
entram logo no céu. Os mortos entraram, sim, na paz do Senhor, mas na paz da
Justiça, geralmente na paz da expiação do purgatório. O purgatório é lugar da
paz. Lá habita a doce paz dos eleitos, dos que resignados e cheios de amor e de
dor cumprem a sentença e se purificam à espera do céu. Já se chamou ao
purgatório, e com razão, o vestíbulo do paraíso. É o pórtico da
eternidade bem-aventurada.
Sim, nossos mortos
descansaram, mas sofrem, e sofrem muito mais do que tudo quanto padeceram nesta
vida. O fogo das provações neste mundo, queima a palha. O fogo do purgatório
acrisola o ouro. É terrível! Em face da morte deveríamos pensar na expiação das
pobres almas que foram prestar contas a Deus e, talvez, sofram no purgatório.
Não digamos comodamente: estão no céu! estão no céu! Com isto padecem almas no
purgatório. Iremos meditar o que é e o que padecem as almas do purgatório. A
Igreja pelas lições impressionantes da sua Liturgia quer que associemos ao
pensamento da morte o da eternidade. E, diz o Prefácio da Missa dos defuntos, si a condição da
nossa morte nos entristece, console-nos a promessa da imortalidade futura.
E depois, quantas
vezes gemendo sobre nós, clama: Dai-lhes, Senhor, o
descanso eterno! Dai-lhes o descanso eterno! Implora misericórdia
para nossa pobre alma, lembra o Juízo tremendo de Deus, e quer nos aliviar nas
chamas expiadoras do purgatório. Nunca meditemos na morte sem meditarmos no purgatório.
É este o sentido da Liturgia nos funerais.
Estas preces tocantes
e belas, estes ritos impressionantes e cheios de majestade, lembram-nos a
nossa dignidade de cristãos, a dignidade de nosso corpo, sacrário de urna alma
imortal e templo do Espírito Santo, destinado a ressuscitar um dia e comparecer
no Tribunal do Juízo. Lembram-nos a triste condição de urna pobre alma ao
comparecer diante de Deus, e implora misericórdia ao Juiz dos vivos e dos mortos.
Sim, não podemos, como cristãos e filhos da Igreja, separar o pensamento da
morte do da eternidade. E como sabemos qual é a Justiça de Deus, não
deixaremos de considerar que após a morte, aí vem o purgatório para quase todos
nós, e que lá na expiação, há muitas almas queridas pelas quais somos obrigados
a orar por dever de Justiça e de caridade. Eis pois, repito, o sentido da
meditação da morte e da Liturgia dos mortos. Não é um pensamento de morte, não
estão vendo? É ao invés um pensamento de vida. Vita mutatur non
tollitur,
diz o Prefácio dos defuntos. A vida não foi tirada, nem desapareceu,
mudou-se apenas.
De terrena passou a ser eterna. Eis como o cristão pensa na morte!
Exemplo
As almas do
purgatório na hora da morte dos que as socorrem
É certo, diz um
autor, a ingratidão não pode existir no Purgatório. Aquelas benditas almas hão
de proteger e socorrer os que as aliviam nesta vida com seus sufrágios. O
célebre Cardeal Baronio conta que uma pessoa
devota das santas almas foi terrivelmente tentada na hora da morte. Estava
desolada e quase em estado de desespero, quando uma multidão de pessoas veio em
seu auxílio. Logo ficou livre de toda tentação e entrou em doce paz. Perguntou
curiosa:
— Que multidão é esta
que entrou aqui e na mesma hora senti tanto alicio e fui socorrida pelo céu?
— Somos as almas que
tirastes do purgatório, responde uma doce voz, e viemos buscar vossa alma para
juntos entrarmos no céu.
Ao ouvir estas
palavras, a agonizante feliz sorriu e expirou.
São Felipe Neri era também
devotíssimo das almas, e, cheio de caridade, nunca deixou de socorrê-las em
toda sua vida. Muitas vezes lhe apareceram para lhe testemunhar uma gratidão
profunda. Depois da morte do Santo, um dos seus confrades o viu na glória do
céu, cercado de uma multidão de bem-aventurados no esplendor da glória eterna.
— Que corte é esta
que vos cerca? Pergunta o Padre.
— São as almas que
livrei do purgatório e que salvei. Vieram me acompanhar na glória.
Um dia Santa Brígida, numa visão que teve
do purgatório, ouviu a voz de um Anjo que descia do céu para consolar as almas
e repetia:
— Bendito seja aquele
que ainda na terra enquanto vivo, ajuda as almas do purgatório com suas
orações e boas obras! A justiça de Deus exige que necessariamente as almas
sejam purificadas pelo fogo e as obras boas dos amigos das almas as podem
livrar do sofrimento.
Dos abismos a Santa
ouviu também esta súplica: “Ó Cristo Jesus, nosso Juiz justíssimo,
em nome da vossa misericórdia infinita não olheis as nossas faltas que são
inumeráveis, mas os méritos do vosso Preciosíssimo Sangue na Paixão! Senhor,
fazei que os eclesiásticos, religiosos e prelados, com um sentimento de
caridade que vós lhe dareis, venham nos socorrer em nossa triste situação por
suas orações, esmolas e indulgências, que eles nos tirem de nossa triste
situação”.
Outras vozes
respondiam agradecidas: Graças, mil graças, Senhor, a todos os
que nos aliviam em nossas desgraças. Senhor, que o vosso poder pague o cêntuplo
aos nossos benfeitores que nos levaram a vossa eterna e divina luz.
Era a voz da gratidão
do purgatório.
Na morte e depois da
morte seremos recompensados pelo que tivermos feito em sufrágio das benditas
almas do purgatório.
Nenhum comentário:
Postar um comentário