Nota do blogue: Acompanhe esse Especial AQUI.
Luz nas trevas: respostas irrefutáveis às objeções protestantes
por Pe. Júlio Maria
por Pe. Júlio Maria
Livro de 1955 - 224 pag.
Editora VOZES
Petrópolis
Editora VOZES
Petrópolis
CAPÍTULO VIII
A IMACULADA CONCEIÇÃO
Pede-se um texto da bíblia que prove que Maria foi concebida sem
pecado.
É a
segunda objeção formidável, que prova a supina ignorância de quem a formula.
Falam de conceição imaculada de Maria, sem saber de que se trata, em que
consiste e qual a significação das palavras.
Eis por
que vou citar, não somente um texto da bíblia, mas sim diversos, e explicar o
mais claro possível o que é a imaculada conceição, para que o meu amigo
protestante entenda que ele pretende combater o que ignora. Escute bem, meu
amigo.
O pecado
original é o pecado cometido por Adão e Eva, desobedecendo a Deus. Este pecado,
em Adão era atual, e o afastou de
Deus, como fim sobrenatural. Em nós, é um pecado de raça.
O gênero
humano forma um corpo único, como ensina São Paulo: assim como o corpo é um, e tem muitos membros... assim é também Cristo,
porque num espírito fomos batizados todos nós, para sermos um só corpo (1
Cor 12, 12).
Cristo é a
cabeça sobrenatural deste corpo... sendo
Adão a sua cabeça natural e moral. A cabeça moral pecando, todos os
membros participam deste pecado.
Quando
Deus criou nossos primeiros pais, estabeleceu-os no estado de inocência, de justiça original e de
santidade, outorgando-lhes dons de três qualidades: naturais, sobrenaturais e
preternaturais.
Os dons naturais são as propriedades do corpo e
da alma, exigidos por sua natureza dos homens, para alcançar o seu fim natural.
Os dons sobrenaturais são: a graça
santificante que faz deles filhos de Deus e predestinados à visão beatífica. Os
dons preternaturais consistem na
imunidade do sofrimento, da morte, da ignorância e da concupiscência.
Adão e
Eva, desobedecendo a Deus, cometeram um pecado mortal (Gn 2, 17) e perderam a
graça divina, com todos os dons que excediam as exigências da natureza humana.
Perderam todos os dons sobrenaturais e preternaturais, conservando apenas os
dons naturais, porém muito enfraquecidos. Os dons naturais não lhes foram
retirados em sua constituição intrínseca, mas em seu exercício; as paixões
desnorteando o juízo e enfraquecendo a vontade.
Este
pecado, sendo um pecado de raça,
transmite-se a todos os que pertencem à raça humana.
O pecado entrou no mundo por um homem só, diz o Apóstolo (Rom 5, 22). E ainda: Se um só morreu para todos é
porque todos estavam mortos (2 Cor 5, 14).
Todos
estavam mortos em Adão. Todos! Logo
também Maria SS.
Entende-se
por morta em Adão o fato de Maria, em virtude da sua conceição, estar sujeita
ao pecado original por direito, porém
não estava sujeita a este pecado de fato,
porque uma graça singular do Redentor preservou-a, afastando dela a privação que constitui o pecado
original.
Maria, em
virtude da sua descendência natural de
Adão, estaria sujeita ao pecado, se não fosse, como pessoa, preservada dele[1].
Como criatura, Maria devia herdar o pecado original; como Mãe de Deus, devia
ela ser preservada.
II. A objeção protestante
A curta definição supra, simples definição
do pecado original, é imediatamente impugnada pelos protestantes, que não
querem compreender a verdade.
O mesmo
pastor, já citado diversas vezes, que tem a reputação de ser um farol da seita,
para não dizer um lampião, começa logo com suas invenções.
Maria
Imaculada — quer dizer que a bendita Virgem foi concebida sem pecado, tal qual
o seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Ignorância,
sempre a mesma ignorância. Quem é, entre os teólogos católicos, que assevera
tal absurdo?
O amigo
protestante inventa um absurdo e pretende refutá-lo, quando tal absurdo nunca
figurou na doutrina católica, e é por ela formalmente combatido.
Para
combater a doutrina católica, caro protestante é necessário conhecer esta
doutrina, e não inventá-la de sua cabeça.
Não;
absolutamente não, a Igreja nunca ensinou que Maria foi concebida sem pecado,
tal qual Nosso Senhor Jesus Cristo... Tal asserção ridícula não passa de uma
grotesca calúnia.
A
imaculada conceição não consiste em qualquer derrogação das leis da natureza,
que presidem à procriação do homem.
Nascer de
uma Virgem milagrosamente feita mãe pela exclusiva operação do Espírito Santo,
é um privilégio que Jesus Cristo reservou para si mesmo. Não quis partilhá-lo
com ninguém, nem sequer com aquela que devia dar-lhe a vida.
Maria SS.
entrou neste mundo pelas vias comuns da natureza, ela foi o fruto bendito de
Sant’Ana e de São Joaquim.
Com São Boaventura
e o Papa Bento XIV, pode-se distinguir no homem uma dupla conceição: uma ativa,
que é a procriação do corpo, e uma passiva,
que é a união da alma ao corpo gerado.
A
conceição ativa de Maria SS. em nada difere da conceição das outras crianças.
A conceição passiva, ao contrário, é
completamente diferente.
A nossa
alma, no momento de unir-se ao corpo que ela deve vivificar, é contaminada pelo
pecado original; enquanto a alma de Maria SS. foi milagrosamente preservada
desta mancha.
O pecado
original é essencialmente uma privação.
É a privação da graça primordialmente concedida à natureza humana, na pessoa de
Adão.
Na ordem
intelectual e moral, pode-se dizer que a diferença entre o primeiro homem
(Adão) e o homem decaído, o primeiro criado na natureza pura, e o segundo na
natureza manchada, é o mesmo que aquela que existe na ordem física entre um
homem civilizado, despojado dos vestidos que devia trajar, e um selvagem, que
nunca usou roupagem.
Nos
desígnios de Deus, a graça sobrenatural devia encontrar-se em todos os homens
que nascem, mas depois do pecado original a alma, chegando à existência é
pobre, nua, miserável, privada dos dons magníficos da graça.
Essa nudez
é para a alma uma mancha, como a ausência das vestes é, para um homem
civilizado, uma verdadeira mancha.
Tiremos
agora a conclusão desta doutrina. O pecado original sendo essencialmente a privação da
graça santificante, que a alma devia ter,
deve-se concluir que a imaculada
conceição consiste em que Maria SS. nunca conheceu, nem um único instante,
esta privação, mas que desde o momento que foi criada a sua alma e unida ao
corpo, preparado naturalmente para recebê-la, ela achou-se revestida da justiça
e da santidade, por uma graça especial de Deus e uma aplicação antecipada dos
méritos do Salvador.
Este
privilégio é sumamente glorioso para Maria SS., é este até único em seu gênero,
porém não pode, de nenhum modo ser assemelhado à conceição humana do Salvador.
De fato, o
corpo do Salvador foi formado no seio de uma Virgem, por uma operação pura e
divina do Espírito Santo, enquanto o corpo de Maria SS. teve a origem comum dos
outros corpos humanos.
A
santidade original é, em Jesus, uma condição de sua natureza, um atributo essencial da sua pessoa.
Em Maria a
santidade original é um privilégio, uma graça gratuita, concedida em previsão
dos méritos do Salvador.
O Redentor
estava infinitamente acima da
corrupção comum. Maria SS. estava sujeita a esta corrupção, mas foi dela preservada.
Assim
entendido — no sentido da doutrina católica a prerrogativa da Mãe não prejudica a excelência do Filho.
Jesus é
inocente por natureza; Maria o é por graça.
Jesus o é por excelência; Maria SS. o é por privilégio.
Jesus o é
como Redentor; Maria SS. o é como a
primeira resgatada pelo sangue
divino, mas num resgate antecipado.
Eis a
bela, a gloriosa, e luminosa doutrina da imaculada conceição, que os protestantes
ignoram por completo, e que pretendem combater, sem conhecê-la.
III. A Lei geral
A lei
geral é o que o pecado de Adão e Eva passa a todos os seus descendentes, por
isso todos os homens nascem com a mancha do pecado original. Esta verdade é claramente
ensinada pela Sagrada Escritura, e especialmente por São Paulo (Rom 5).
O Concílio
Tridentino a proclamou dogma católico e a tradição da Igreja, neste particular,
é constante e universal.
O Criador,
para lembrar aos nossos primeiros pais a sua dependência da criatura,
proibiu-lhes que comessem da fruta da árvore do bem e do mal (Gen 2, 17).
Adão e Eva
desobedeceram a Deus, e esta desobediência constitui o pecado original. Tudo isso figura na Bíblia (Gn 3, 6).
O tal
pecado, sendo cometido pelo primeiro homem, passa a toda a sua posteridade. Adão viveu, diz a Bíblia, e gerou à sua semelhança e conforme sua
imagem (Gn 5, 3). Adão, pecador, gerou outro pecador. É lógico. Por um só homem entrou o pecado no mundo,
diz São Paulo (Rom 5, 12). Todos nós, como filhos de Adão e Eva, nascemos com a
alma manchada pelo pecado original.
O
testemunho de São Paulo é explícito: Assim
como o pecado entrou no mundo por um só homem e pelo pecado a morte, assim
também passou a morte a todos os homens, porque todos pecaram num só (Rom
5, 12).
Segundo
São Paulo, houve, pois, pecado num homem
só, e este pecado, com as consequências,
tornou-se universal, ao santo rei David. Fui
gerado na iniquidade, e minha mãe concebeu-me no pecado (Sl 50, 7).
Eis a lei
geral: Todos os homens, como filhos de um pai decaído, como era Adão, nascem decaídos,
do mesmo modo como de um rei decaído nascem filhos decaídos.
IV. As exceções a esta lei
O grande
argumento dos protestantes é que todos os
homens pecaram. E eles concluem: Maria, a Mãe de Jesus, era de raça humana —
logo ela pecou. O raciocínio é exato, porém o caso é de repetir a palavra de
Judite: Quem sois vós para tentar a Deus
(Jdt 6, 2), para pôr limites a seu poder?
Tal é a lei geral, porém supremo legislador
pode derrogar as leis por ele
estabelecidas.
A Bíblia
está repleta destas derrogações. O movimento do sol e da lua está
matematicamente fixado pela lei da natureza; enquanto Josué não hesitou em
fazê-lo parar: Sol, detém-se em Gibaon, e tu, lua, no vale de Ajalon. E o sol se deteve e a lua parou (Jos
10, 12-13).
É uma lei
que as águas seguem a correnteza do seu curso, entretanto Moisés estendeu a sua mão sobre o mar... e o mar tornou-se enxuto, e as
águas foram partidas... como muro à sua direita e à sua esquerda (Ex 14,
21-22).
É uma lei
que um morto fica morto até à ressurreição geral, entretanto o próprio
Cristo-Deus, diante do cadáver de Lázaro
já em putrefação, exclamou: Lázaro, sai... E imediatamente aquele que estava
morto saiu vivo. (Jo 11, 43-44). Que prova isso, meu caro protestante? Isso
prova que: Nada é impossível a Deus
(Lc 18, 27).
Todos os
homens pecaram em Adão e Eva, e nascem com o pecado original. É a lei geral. Deus pode derrogar esta lei,
como pode derrogar muitas outras, quando o julgar necessário ou conveniente.
Ora, era
absolutamente necessário que ele
derrogasse esta lei em favor do seu próprio Filho. O Deus de toda pureza não
podia entrar em contato com o pecado. Estes dois termos excluem-se mutuamente.
Se Jesus se contaminasse pelo pecado, não seria mais a pureza infinita... e não
o sendo mais deixaria de ser Deus, porque em Deus tudo é infinito.
Escute
bem, caro protestante...
Ora,
Cristo, infinitamente puro, não o seria mais, se ele tomasse um corpo formado
por uma carne e um sangue maculados pelo pecado. O filho recebe o seu corpo do
corpo e do sangue da sua mãe. — O filho é uma continuação dos seus pais.
O corpo de
Jesus Cristo é um corpo formado pela carne e pelo sangue da Santíssima Virgem.
Ele é o filho de Maria: Aquele que há de
nascer de ti, será chamado o filho de Deus, diz São Lucas (Lc 1, 35).
Sendo o
corpo de Jesus formado do sangue de Maria, e devendo este corpo ser uma pureza
infinita — pois é o corpo de Deus – é
absolutamente exigido que a carne e o sangue de Maria sejam de uma pureza
absoluta, isto é, sem pecado original.
Havia duas
maneiras de alcançar esta pureza: a purificação
ou a isenção do pecado original.
Qual
destes dois modos há de ser mais conveniente?
A
discussão é inútil. Se Maria SS. tivesse sido apenas purificada do pecado, ela teria sido escrava, pelo menos durante
uns instantes, do demônio, e mais tarde o demônio teria podido lançar no rosto
do Salvador este insulto: “Tua mãe! Ela foi minha antes de ser tua! Eu a possuí
maculada!”. Uma tal suposição é horrível!
Vai,
Satanás, longe daqui. Nunca...nunca...nem durante um instante...tu dominarás a mulher bendita entre todas as mulheres! O
Senhor estará com ela desde o princípio, e onde está o Senhor, lá não pode
estar Satanás. Ela será cheia de graça...
E se ela fosse dominada pelo mal, se ela o fosse apenas um instante, não
estaria mais cheia de graça; faltaria
a graça inicial.
Eis por
que a Mãe de Jesus não podia ser simplesmente purificada do pecado... devia ser preservada.
V. A Imaculada Conceição
Eis-nos,
com uma lógica irrefutável, em frente do mistério da imaculada conceição... que
não é outra coisa senão a preservação do
pecado original, em previsão dos merecimentos futuros do Salvador.
Diga, amigo
protestante, não é lógico isso?... não é convincente?... não é necessário?... Pois
bem, a tal preservação é o que nós chamamos: imaculada conceição.
Está vendo
que tal privilégio, outorgado à pura Mãe de Jesus, não é, como aos protestantes
se afigura: um bicho de sete cabeças, um espantalho misterioso!... É a coisa mais lógica do mundo,
que eles negam por não saber o que é, e que seus pastores combatem, unicamente
para dar-se um jeitinho de bíblico, para passar por homens inteligentes,
entendidos, zelosos discípulos da Bíblia, que não compreendem.
A
imaculada conceição abrange dois pontos importantes que convém salientar,
porque destroem, de antemão, as objeções protestantes.
1) O
primeiro é ter sido a SS.Virgem preservada
da mancha original, desde o principio da sua conceição.
2) O
segundo é que tal privilégio não lhe era devido por direito, mas foi-lhe concedido em previsão dos merecimentos de Jesus Cristo.
Como tal,
Maria SS. foi resgatada por Jesus Cristo, como qualquer um de nós; mas convém
notar que há duas maneiras de resgatar,
ou salvar uma pessoa: antes da queda pela preservação,
e depois pela queda, ou pelo levantamento.
O primeiro resgate é de Maria SS.; o segundo é o nosso.
Cristo morreu para todos, diz o
Apóstolo (2 Cor 5, 15) e ainda: Um só
morreu para todos (2 Cor 5, 14). Morreu de fato para todos, e em previsão
de sua morte preservou a sua Mãe da
mancha do pecado, sendo ela, deste modo, a primeira resgatada, e a mais bela
conquista do seu sangue.
VI. As provas da Bíblia
O que
acabamos de dizer é lógico, meu caro protestante, e se impõe a uma inteligência
não viciada pelo preconceito. Eu sei que isso não é ainda o bastante para vós,
por isso apoiemos tal doutrina sobre a Bíblia. Abrindo o Gênesis, encontramos
no capítulo 3, 15, as seguintes palavras que Deus dirigiu ao demônio, depois da
queda dos nossos primeiros pais: Inimicitias
ponam inter te et mulierem, et sêmen tuum et sêmen illius: ipsa conteret caput
tuum (Gn 3, 15).
A tradução
popular deste texto é: Porei inimizade
entre ti e a mulher, entre a tua posteridade e a posteridade dela: ela te
pisará a cabeça.
A tradução
literal seria: Porém inimizade entre ti e
a mulher, entre a tua semente e a semente dela: ela te esmagará a cabeça.
A primeira
tradução está mais ao alcance de todos: a segunda se aproxima mais do texto
oficial da Vulgata.
Este texto
refere-se à SS.Virgem, pois é impossível restringir a sua significação à pessoa
de Eva... Assim limitado, este texto perderia toda significação. Esta mulher é
a Virgem Santíssima, filha de Adão e Eva pela natureza, filha e esposa de Deus,
pela graça. Sua posteridade, sua semente é o seu filho unigênito Jesus Cristo,
em Jesus, são os Cristãos. A serpente é o demônio; e os filhos do demônio são
os infiéis e ímpios, diz Cornélio a Lápide.
A SS.
Virgem, por si, por Jesus e pela Igreja, esmaga a cabeça da serpente. Esmaga-a
pela sua imaculada conceição, pela perfeição de sua santidade, pelo seu triunfo
sobre o pecado e sobre a morte. Esmaga-a por Jesus, que é o vencedor de Satanás,
do pecado do mundo. Esmaga-a pela Igreja, isso é, pelos membros fiéis, pelos
católicos fervorosos que procuram viver para Deus.
Diante
deste texto luminoso, profético, que tanto exalta a grandeza e o poder da SS. Virgem,
os amigos protestantes procuram todos os meios de desviar o sentido, e de
excluir dele a Virgem Santíssima.
A tradição
cristã sempre viu nesta passagem simbólica a figura do Cristo e de sua SS. Mãe;
só a obcecação protestante procura contestar esta figura... sem depois saber a
quem aplicá-la.
Destroem,
mas sobre as ruínas acumuladas são incapazes de edificar outro edifício... Procuram
nos textos antigos se não houve qualquer divergência a respeito, e encontram
qualquer coisa, sem mudança essencial, apenas acidental, mas que lhes permite
pelo menos suscitar um protesto e formular uma objeção.
Há três
versões diferentes do texto citado.
O texto
oficial da Vulgata diz: A mulher te
esmagará a cabeça (ipsa).
A versão
hebraica diz: A semente da mulher te
esmagará a cabeça (ipsum).
A versão
caldaica diz: O filho (Cristo) te
esmagará a cabeça. (ipse)
Que belo
achado! Os protestantes gritaram o seu eureca... Tudo serve: ipse, ou ipsum, só não pode servir ipsa,
porque este ipsa refere-se a Maria
Santíssima. É o tradicional ódio à Mãe de Jesus. Haja discussão!... haja
trevas!... haja objeções... haja dúvida... para afastar o texto da Mãe de
Jesus, e remover a figura majestosa da Virgem, desta primeira página bíblica.
E no meio
da balbúrdia, os pobres protestantes, não enxergam que tal mudança de pronome: ipse, ipsa, ipsum, só tem valor
secundário, que não muda em nada o valor do texto, nem a extensão de sua
significação.
Menos
precipitação, menos paixão e mais sinceridade lhes teria mostrado que o sentido
fica sempre aquele que interpretou São Jerônimo, adotando o pronome ipsa: ela:
a SS. Virgem.
VII. A grande discussão
Examinemos
de perto o sentido da passagem, na mudança do pronome. Qualquer que seja a
versão adotada, o texto prova sempre o triunfo da mulher, que é a Virgem Imaculada.
O
essencial é que haja uma eterna inimizade entre
a mulher e o demônio: Porei inimizades entre ti e a mulher.
Eis o
principal. Tal inimizade significa que deve haver oposição completa entre o
demônio e a Virgem Santíssima.
Ora, esta oposição
não seria completa se — ainda mesmo por um só instante — a Virgem Santa estivesse
sujeita ao pecado original. Donde se deve concluir que ela foi preservada deste
pecado.
Depois vem
a continuação do primeiro fato. Não somente haverá inimizade entre o demônio e a SS. Virgem, mas esta inimizade
continuará entre a posteridade de Satanás e a posteridade da Virgem. Inter semen tuum et semen illius.
Daí
conclui-se logicamente que são as mesmas inimizades que já existem entre o
demônio e a Virgem, que devem continuar a existir entre a posteridade, ou a semente de ambos.
A semente
do demônio: é o pecado.
A semente
da Virgem: É Cristo.
A
inimizade entre Cristo e o demônio é absoluta, é radical, completa...
E sendo a
mesma inimizade que existe entre o demônio e a mulher, deve-se concluir, de
novo, que tal inimizade é absoluta, radical, completa: numa palavra: é a imaculada conceição.
Entre
Cristo e o demônio nada pode haver de comum como o próprio demônio confessa: Quid nobis et tibi, Jesus? Que há entre nós
e vós, Jesus? De modo que nada pode haver de comum entre o pecado e a SS. Virgem.
Ora, se
Maria não fosse imaculada, isso é, preservada do pecado original, ela teria
tido, fosse apenas durante um instante, qualquer coisa de comum com o pecado, o próprio pecado original. Isso
repugna ao texto bíblico, como repugna à dignidade da Virgem Santa.
Depois
destes princípios, a mudança de pronome: ipse,
ipsa, ipsum, tonar-se uma questão de palavras, que nada muda a verdade
católica.
O texto
contestado é pois o seguinte: Deve-se ler: Ipse
ou Ipsum, conteret caput tuum.
O sentido
é o mesmo nos três casos: ipse é
Cristo; ipsa é a Virgem Santa; ipsum é a semente ou Cristo.
Ora, a
Igreja Católica nunca pretendeu outorgar diretamente à SS. Virgem o privilégio
de esmagar a cabeça da serpente,
exclusivamente por si, mas unindo-se a seu Filho, pela ação de seu Filho, isso
é, como Mãe de Deus.
Adotando,
pois, a versão: ipse, ou ipsum, dizendo que é Cristo que esmaga a
cabeça da serpente, é preciso admitir que ele o faz como Deus-homem; pois Cristo é um
homem; como tal ele está unido à sua Mãe: Cristo o faz diretamente, a SS.Virgem o faz indiretamente, mas ela fica
inseparavelmente associada a este triunfo.
Adotando,
como a Vulgata, a versão ipsa:
dizendo que é Maria SS., que esmaga a serpente; não é ela só, mas unida ao
Filho; ela o faz pelo poder de seu Filho, de modo que ela continua a ser associada
de Jesus, a intermediária entre Jesus e o demônio. — É a virtude de Jesus que
esmaga a cabeça da serpente, pelo pé da Virgem Santa.
Isto é tão
simples e lógico que, nas edições hebraicas, a mulher e o filho são unidos num
único pronome: Eles te esmagarão a cabeça;
o que ainda é o mais claro e o mais lógico, indicando deste modo o princípio e
o instrumento: o filho e a mãe.
Eis a
tremenda discussão levantada pelos protestantes, no intuito de rebaixar a Mãe
de Jesus; porém tal discussão em nada prejudica a glória de Maria SS.; de modo
que, através das discussões humanas, a palavra divina continua resplandecente,
fulminante, mostrando-nos, desde os albores da humanidade, a figura luminosa,
nimbada de esperança e misericórdia: a Virgem Imaculada.
Tal é
aliás a opinião do próprio São Jerônimo, que escolheu, entre as três diversas
versões, três hebraicas que trazem ipsa,
senão pela exatidão gramatical, senão pelo sentido espiritual.
Ele mesmo
dá a razão desta preferência: Não pode
ser outra a semente da mulher, escreve ele, senão aquele que o apóstolo diz ter sido feito da mulher... isto é,
Jesus Cristo... Cristo é verdadeiramente a semente da mulher, havendo ela
nascido sem cooperação do homem.
Podia-se
citar ainda o Antigo Testamento este texto de Isaías: O Senhor vos dará um sinal: Eis que uma Virgem conceberá e dará a Luz a
um filho, e chamarão o seu nome Emanuel, isso é, Deus conosco (Is 7, 14).
Este outro de Jeremias: Deus criou uma
novidade na terra; uma mulher cercará um homem (Jer 31, 22).
Estes
passos provam diretamente a
virgindade perpétua da SS. Virgem, e indiretamente
a sua conceição imaculada.
VIII. Provas do evangelho
Passemos
ao Evangelho, onde tal verdade não é mais figurativamente anunciada, mas
positiva e implicitamente revelada.
O anjo,
vindo participar à SS. Virgem que tinha sido escolhida entre todas as mulheres,
para ser a Mãe do Filho de Deus, cumprimentando-a, em nome de Deus, com a
seguinte saudação: Ave, cheia de graça,
— o Senhor é convosco — bendita sois
entre as mulheres (Lc 1, 28).
Que quer
dizer isso? Deus proclama a Virgem cheia
de graça. Ora, num vaso cheio não cabe mais nada... Dizendo que Maria SS. é cheia
de graça, é dizer que possui todas as graças que pode conter uma criatura. Se
ela não fosse imaculada, podendo
sê-lo, lhe faltaria qualquer coisa; não seria mais: cheia de graça.
O Senhor Deus é com ela. Ora,
onde está Deus não pode estar o pecado. A presença de Deus expele todo pecado.
Quando nós nascemos, Deus não está conosco, porque nascemos em pecado... Ele
estava com Maria, sempre, desde a sua entrada neste mundo, porque era
imaculada.
Maria SS.
é bendita entre as mulheres. Por que
bendita?... porque será Mãe de Deus. Isso é um título, uma dignidade,
merecimento pessoal. A razão da benção deve brotar do fundo da criatura: e este
fundo é a sua pureza imaculada, que a separa de todas e a eleva acima de todas
as mulheres.
Juntemos a
esta prova decisiva as palavras inspiradas no Magnificat, onde a Virgem
exclama: Fez grandes coisas em mim aquele
que é poderoso (Lc 1, 49). Esta grande coisa não é somente a maternidade
divina, mas também a conceição imaculada, que é como a base deste privilégio.
Outra
prova insofismável: Maria SS. continua: Deus
pôs os olhos em sua humilde escrava. Se houvesse tido o pecado original,
deveria ter dito: Deus pôs os olhos na iniqüidade da sua escrava, como dizem os
santos, e como aconselha a Sagrada Escritura. Justus prior est accussator sui. Eis a revelação implícita do
grande dogma da imaculada conceição.
É o que
fazia dizer São Cirilo, desde os primeiros séculos da Igreja: “Qual é o homem
de bom-senso, que pode acreditar que o filho de Deus tenha construído para si
mesmo um templo, um trono animado, cedendo o primeiro direito deste templo, e o
seu primeiro uso ao demônio, seu mortal inimigo? Uma tal idéia, pode ela
penetrar num ser capaz de raciocínio?”.
Não havia
protestante neste tempo... Que diria São Cirilo, se voltasse hoje e visse
sustentarem tal absurdo?
Eis, meu
caro protestante, não somente o texto pedido, mas diversos textos, uma
explicação destes textos, para o Sr. poder compreende-los. Esta verdade é tão
clara que o seu próprio pai Lutero não teve a ousadia de negá-la.
Cito
apenas uma passagem entre muitas. Escute bem: “Era justo e conveniente, — diz
ele, — fosse a pessoa de Maria preservada do pecado original, visto o filho de
Deus tomar dela a carne que devia vencer todo o pecado” (Lut. in postil. maj.).
O seu pai
Lutero era menos protestante que os netinhos de hoje... sobretudo, era menos
ignorante, e, apesar de sua revolta, compreendia melhor a bíblia que os nossos
modernos biblistas e biblieiros, que só sabem ler com os óculos dos outros, e
interpretar através dos óculos de qualquer pastor.
IX. Cheia de graça
Nova
objeção. Não devia faltar. Eis, dizem eles, como os padres raciocinam. Dizem
que Maria é cheia de graça...e que ser cheia de graça é ser imaculada.
Então
Santa Isabel “cheia do Espírito Santo”; São João Batista, também “cheio do
Espírito”, e outros, são igualmente imaculados.
É um
argumento de criança. Examinem bem a diferença dos termos, e portanto da
significação.
De São João,
o evangelista diz: Spiritu Sancto
replebitur (Lc 1, 15).
De Santa Isabel,
ele diz: Repleta est Spiritu Sancto
Elisabeth (Lc 1, 41).
De Maria
SS. o arcanjo diz: Ave, gratia plena
(Lc 1, 28).
Estes
termos são muito diferentes. A Sagrada Escritura emprega continuadamente o
termo: Repletus... estar cheio, no
sentido de abundância relativa... uma certa quantidade, como Repletus consolatione (2 Cor 7, 4),
cheio de consolação; repletus iniquitate
(Miq 6, 12) cheio de iniquidade; repletus
dilectione (Rom 15, 14), cheio de amor, etc.
Falando da
SS. Virgem, o termo é diferente e significa uma plenitude completa. O grego Kecharitoménê,
particípio passado de charitóô, de cháris, é empregado na Sagrada Escritura
para designar a graça, tomado no sentido teológico, isso é, por um dom divino
que adere à nossa alma. O sentido exato, dizem os exegetas é: omnino gratiosa reddita, que se tornou
plenamente graciosa, em outros termos: omnino
plena caelesti gratia: cheia de graça.
Os termos
assim bem compreendidos, pode-se formar o silogismo: Maria SS. estava cheia de
graça, ao ponto que nada mais podia conter. Ora, se ela tivesse o pecado
original, ela não estaria mais cheia, pois podia receber uma graça (a preservação
do pecado) que não recebera. É pois necessário admitir a imaculada conceição,
como fazendo parte de sua plenitude.
Os
teólogos citam outro argumento ainda (Tract. B. V. Lepicier, p. 100): A graça
estava na SS. Virgem, do mesmo modo que em Deus, devido à união dela com a
divindade na produção do corpo de Jesus Cristo, que é o corpo de uma pessoa
divina. Ora, esta graça tem por propriedade de nunca ter faltado a Deus. É,
pois, necessário que Maria SS. nunca tenha sido privada da graça, o que só pode
ser, admitindo a imaculada conceição.
Outro
argumento teológico: O anjo saúda a Maria como sendo bendita entre, ou acima de
todas as mulheres. Ora, em que Maria seria superior a todas as mulheres, senão
pela imaculada conceição?
X. Proclamação deste dogma
Maria SS.
é verdadeiramente imaculada, isso é, preservada da mácula do pecado original,
pela aplicação antecipada dos merecimentos de Jesus Cristo. É um dogma da nossa
fé, solenemente proclamado pelo Papa Pio IX, em 1854.
Aqui vem
uma pedra formidável dos mansos protestantes. Ouço-os gritar... “Estão vendo...
tal imaculada conceição é uma novidade, data apenas de 1854! É uma invenção
romana!”.
Pobres de
espírito, escutem bem! Existir é uma
coisa; ser proclamado é outra coisa.
Quando
Denis Papin proclamou em 1710 a lei da pressão do vapor... já não existia a tal
pressão?
Quando
Ramsden em 1779 proclamou a existência da eletricidade: já não existia ela?
Quando
Franklin proclamou a atração do para-raios, em 1780... não existia ainda o
raio, o trovão e o relâmpago? A asserção é ridícula.
A Igreja
proclamou a conceição imaculada em 1854, em defesa deste privilégio, contra os
ataques ímpios protestantes, porém tal privilégio existiu sempre, na Bíblia, na Tradição e na pessoa da Virgem Maria.
XI.Conclusão
Tiremos a
conclusão: Maria SS. é imaculada. É certo.
O fim da Encarnação inclui a imaculada
conceição. Este fim é resgatar-nos do pecado original; em consequência a Encarnação e o pecado original excluem-se mutuamente. São dois termos opostos,
como são opostos os termos de luz e trevas, de dia e noite.
Como é que
a Virgem, pela qual deve vir a libertação, pode ser escrava de Satanás? Como é
que a Virgem, que deve dar a Cristo um corpo e um sangue imaculados, pode estar
manchada pela culpa original? Seria isso dizer que pode circular uma água
cristalina num canal imundo. Seria afirmar que uma mãe preta pode gerar um
filho branco. Isso é o contrário da Bíblia que diz: Quem pode tirar um fruto puro de uma semente impura? (Jó 14, 36).
Como
então, mais tarde, Jesus poderia expulsar
os espíritos imundos (Lc 4, 36), se ele mesmo era o fruto do pecado, pelo
nascimento de uma mãe pecadora?
Não está
vendo que isso é insensato?
Ela nos
traz a luz...e ela estaria nas
trevas! Ela nos traz o preço do nosso
resgate e ela seria devedora! Ela seria a mãe da pureza infinita, e ela seria impura. Ela seria a Mãe de Deus e filha do pecado! Ela seria revestida de sol, da lua e de estrelas, como descreve São João
(Apoc 12, 1), e ela teria nascido nas trevas!
Não se vê
que isso é uma blasfêmia... um insulto a Deus!
Concluamos,
pois, dizendo que Maria SS. devia ser imaculada,
e que o foi, conforme o bom senso e a Sagrada Escritura nos indicam.
[1]
Ver o nosso livro: “A Mulher Bendita”, Cap. II: A SS. Conceição, onde este
assunto é tratado em todos os seus pormenores.
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