EMENTA
O
DEMÔNIO FAZ DE TUDO PARA DISSIMULAR A SUA PRESENÇA
A
certa altura o demônio dirigiu-se a ele [um padre sem fé]: “Tu dizes
que não acreditas em mim. Mas acreditas nas mulheres, nelas acreditas, ah sim,
nelas acreditas e de que maneira!”.
*** *** ***
Antes de ser descoberto, durante o exorcismo, na
proximidade da saída e após a libertação.
1
– Antes de ser descoberto.
O demônio provoca distúrbios físicos
e psíquicos: a pessoa envolvida procura tratar-se com médicos, mas nenhum
suspeita da verdadeira origem do seu mal. Os médicos, em certos casos, começam
um longo tratamento, testando diversos medicamentos, que resultam sempre ineficazes;
por isso é vulgar que o paciente mude várias vezes de médico, acusando-os a
todos de não entenderem a sua doença.
O tratamento dos males psíquicos é o
mais difícil; muitas vezes os especialistas não notam nada (como também
acontece com as doenças físicas), e a vítima passa por um “obcecado” aos
olhos dos familiares. Uma das cruzes mais pesadas destes “doentes” reside
no fato de não serem nem compreendidos, nem acreditados.
Quase sempre acontece que, estas
pessoas, depois de terem batido às portas da medicina oficial, em vão, mais
tarde ou mais cedo acabam por se dirigir a curandeiros, ou ainda pior a adivinhos, bruxos, quiromantes, ou feiticeiros. E assim
ainda pioram os seus males.
Normalmente, quando alguém recorre a
um exorcista (aconselhado por um amigo, raramente por sugestão de um padre)
geralmente já fez o percurso pelos médicos que o deixaram numa desconfiança
total e, na maioria dos casos, já foi aos bruxos ou similares. A falta de fé ou
pelo menos o fato de não ser praticante, juntamente com a imensa e
injustificável carência eclesiástica neste domínio, permitem compreender este
tipo de comportamento. A maior parte das vezes é um verdadeiro acaso encontrar
alguém que fale da existência de
exorcistas.
Não esquecer que o demônio, mesmo nos
casos de possessão total (em que é ele que falta e age servindo-se dos membros
da sua infeliz vítima) não age continuamente, mas intercala a sua ação
(designada em linguagem corrente sob a designação de “momentos de
crise”), com fases de sossego mais ou menos longas.
Excetuando os casos mais graves, a
pessoa pode prosseguir os seus estudos ou o seu trabalho de forma aparentemente
normal, sendo ele o único na realidade, a saber, o preço desses esforços.
2
– Durante os exorcismos.
Em principio, o demônio faz tudo para
não ser descoberto ou pelo menos para dissimular a amplitude da possessão,
embora não o consiga sempre. Por vezes é obrigado a manifestar-se desde a
primeira oração, por causa da força dos exorcismos.
Lembro-me de um jovem que, quando
recebeu a primeira bênção, apenas me inspirou uma ligeira desconfiança, então
pensei ”É um caso fácil: uma, ou talvez duas bênçãos, será o suficiente para
resolver o problema”. Na segunda vez, enfureceu-se; a partir daí já não voltei
a começar o exorcismo sem ter comigo quatro homens robustos, para segurá-lo.
Noutros casos é preciso esperar a
hora de Deus. Recordo-me duma pessoa que tinha procurado vários exorcistas
(incluindo a mim próprio) sem que alguém lhe tivesse encontrado alguma coisa de
especial. Até que um dia o demônio manifestou-se nos exorcismos como
habitualmente, com a frequência necessária para libertar os possessos.
Em certos casos, logo desde a
primeira ou a segunda bênção, o demônio revela por vezes toda a sua força, que
varia de pessoa para pessoa; outras vezes, esta manifestação é progressiva; há
pessoas que apresentam em cada sessão problemas novos. Dá a impressão de que
todo o mal que está neles deve aparecer pouco a pouco para poder ser eliminado.
O demônio reage de forma muito
diferente às orações e às ordens. Muitas vezes esforça-se por se mostrar
indiferente, mas, na realidade, ele sofre e o seu sofrimento vai aumentando até
que se chegue à libertação. Alguns possessos ficam imóveis e silenciosos, não
reagindo às provocações senão com os olhos.
Outros lutam: convém então segurá-los
para impedir os cativos de fazerem mal; outros se lamentam, sobretudo quando
se lhes aplica a estola sobre os locais dolorosos, como indica o Ritual, ou
ainda quando se faz um sinal da cruz ou quando se asperge com água benta. Raros são os que se mostram com fúrias, mas esses
devem ser segurados com firmeza pelos assistentes do exorcista, ou pelas
pessoas da família.
No que se refere a falar, os demônios
geralmente mostram-se muito reticentes. O Ritual determina justamente que não
se façam perguntas por pura curiosidade, mas que se pergunte só aquilo que pode
ser útil à libertação.
A primeira coisa é o nome: para o
demônio, tão pouco dado a manifestar-se, o fato de revelar o seu nome constitui
uma derrota; quando diz o nome, mostra-se sempre relutante em repeti-lo nos
exorcismos posteriores. Ordena-se em seguida ao Maligno que diga quantos
demônios habitam no corpo de paciente. Esse número pode ser elevado ou
reduzido, mas há sempre um chefe que usa o primeiro dos nomes indicados.
Quando o demônio tem um nome bíblico
ou dado pela tradição (por exemplo: satanás, ou belzebu, lúcifer, zabulão,
meridiano, asmodeu…) trata-se de caça grossa, mais dura para vencer. Mas a dificuldade
em grande parte reside na força com que o demônio tomou posse duma pessoa. Quando são vários demônios, o chefe é sempre o
último a sair.
A força da possessão resulta também da reação do
demônio aos nomes sagrados. Regra geral o maligno não pronuncia nem pode
pronunciar estes nomes: Substitui-os por outras expressões como “Ele” para
designar Deus ou Jesus, ou “Ela” para designar a Santíssima Virgem. Pode também
dizer: “O teu chefe” ou “a tua patroa” para
falar de Jesus ou de Nossa Senhora.
Por outro lado, quando a possessão é excessivamente
forte, o demônio é de um coro elevado (recordemos que os demônios conservam o
coro que ocupavam enquanto anjos como os Tronos, os Principados, as
Dominações…), então pode acontecer que pronuncie os nomes de Deus e de Santa
Virgem, mas acompanhados de horríveis blasfêmias.
Muitas pessoas creem — não se sabe bem
por que motivo — que os demônios são linguareiros e que, se uma pessoa vai
assistir a um exorcismo, o demônio vá enumerar todos os seus pecados em
público. Não há nada mais falso, os demônios falam com precaução e quando se
apresentam faladores, dizem coisas estúpidas a fim de distrair o exorcismo e de
escapar às suas perguntas. Podem acontecer exceções.
O Pe. Cândido convidou certo dia para
assistir a um dos seus exorcismos um sacerdote que se gabava de não acreditar nisso.
Este aceitou o convite, e quando lá estava adotou uma atitude quase de desprezo
ficando com os braços cruzados, sem rezar (ao contrário do que devem fazer os
presentes) e com um sorriso irônico nos lábios. A certa altura o demônio
dirigiu-se a ele: “Tu dizes que não acreditas em mim. Mas acreditas nas
mulheres, nelas acreditas, ah sim, nelas acreditas e de que maneira!”. O
desgraçado recuou devagarzinho em direção à porta e escapou-se à toda a pressa.
Outra vez o demônio fez a descrição
dos pecados para desencorajar o exorcista. O Pe. Cândido fora benzer um belo
jovem que tinha dentro de si uma besta mais fera do que ele. O demônio tentou
desencorajar o exorcista, nestes termos: “Não vês que está a perder o
teu tempo com este? Ele é daqueles que nunca rezam, é um dos que freqüentam…, é
um dos que fazem…”, seguindo-se a narração de uma longa série de
vergonhosos pecados. No fim do exorcismo, o Pe. Cândido delicadamente tentou
convencer o jovem a fazer uma confissão geral. Mas ele não queria saber de nada
disso. Quase que foi preciso empurrá-lo à força para um confessionário; e,
mesmo lá, apressou-se a dizer que não tinha nada de que tivesse de se acusar.
“Mas não fizeste tal coisa em tal
ocasião?” insistiu o Pe. Cândido. E o
jovem, estupefato, teve de reconhecer a sua falta. “E por acaso não
fizeste aquilo?” e o desgraçado cada vez mais confuso, teve de
reconhecer um após outro, todos os pecados que o Pe. Cândido lhe recordava,
valendo-se das declarações do demônio. Depois, finalmente, recebeu a absolvição.
E o jovem foi-se embora confuso: “Já não percebo nada! Estes padres
sabem tudo!”.
Entretanto o Ritual sugere que se
pergunte também há quanto tempo o demônio se encontra naquele corpo, por que
razão, etc… Falaremos oportunamente acerca do comportamento que convém adotar
em caso de bruxaria, questões que é importa comentar, ensinando a maneira de
agir.
Por agora sublinharemos que o demônio
é o príncipe da mentira. Pode perfeitamente acusar tal ou tal pessoa, a fim de
suscitar suspeitas e inimizades. As respostas do demônio devem ser sempre
passadas ao crivo cuidadosamente.
Contentar-me-ei em dizer que o
interrogatório do demônio geralmente tem uma importância reduzida. Aconteceu
muitas vezes, por exemplo, que o demônio, ao sentir-se muito enfraquecido,
respondia a perguntas relativas à data da sua saída e depois, de fato, não saía
naquela data.
Um exorcista experimentando como o
Pe. Cândido, que percebia imediatamente que tipo de demônio estava a enfrentar
e adivinhava a maior parte das vezes até o seu nome, fazia muito poucas
perguntas. Outras vezes quando perguntava o nome, o demônio respondia: “Tu
já sabes”. E era verdade.
Em geral os demônios falam
espontaneamente nos casos de possessões fortes, para tentar desencorajar ou
amedrontar o exorcista. Eu próprio ouvi por diversas ocasiões frases do
tipo: “Não podes nada contra mim!”; “Aqui é a minha casa!”; “Estou aqui
bem e fico aqui!”; “Só estás a perder o teu tempo!”. Ou então ameaças: “Vou
devorar-te o coração!”; “Esta noite o medo há de te impedir de fechares os
olhos”; “Vou-me introduzir na tua cama como uma serpente”; “Hei de te fazer
cair da cama abaixo”.
Porém, perante certas respostas, pelo
contrário, fica silencioso. Quando eu lhe digo, por exemplo: “Estou
envolvido no manto da Virgem; o que é que tu podes fazer?”; “O Arcanjo Gabriel
é o meu santo patrono; tenta lutar contra ele”; “o meu Anjo de guarda cuida
para que nada me aconteça; não podes fazer nada”, etc…
Encontra-se sempre um ponto
particularmente fraco. Alguns demônios não resistem à cruz feita com a estola
sobre as partes doloridas; outras não resistem quando se sopra sobre a face do
paciente, e outros ainda opõem-se com todas as suas forças à aspersão de água
benta.
Existem também frases, nas orações de
exorcismo (ou noutras orações que o exorcista pode rezar), às quais o demônio
reage violentamente ou vai perdendo a força. Então, basta insistir na repetição
destas frases, como preconiza o Ritual.
O exorcismo pode ser longo ou breve:
é o exorcista quem decide em função de diversos fatores. A presença do médico é
útil por vezes, não só para estabelecer o diagnóstico inicial, mas também para
dar a sua opinião quanto à duração do exorcismo. Sobretudo quando o possesso
não goza de boa saúde (se é cardíaco, por exemplo) ou quando o exorcista não se
está a sentir bem: o médico então pode aconselhar a suspensão do exorcismo. Em
geral é o exorcista que se apercebe quando é inútil continuar.
3
– Na proximidade da saída.
É um momento difícil e delicado que
pode durar muito tempo. O demônio por um lado faz parecer que já perdeu uma
parte das suas forças, mas por outro lado tenta jogar as últimas cartadas.
Muitas vezes tem-se a seguinte impressão: enquanto no caso de doenças vulgares,
o doente vê melhorar o seu estado progressivamente até à cura completa, no caso
de um possesso, produz-se o contrário, isto é, a pessoa em questão vê o seu
estado sempre a piorar e no momento em que ela já não pode mais, fica curada.
Nem sempre as coisas se passam assim, mas é o que acontece com mais frequência.
Para o demônio, deixar uma pessoa e
voltar para o inferno, onde quase sempre fica condenado a permanecer, significa
morrer eternamente e perder toda a possibilidade de se mostrar ativo,
incomodando as pessoas. Ele exprime este desespero em expressões que são
repetidas muitas vezes durante os exorcismos: “Eu morro, eu morro” –
“Não posso mais” – “Já chega, vocês matam-me” – “corja de assassinos, de
carrascos; todos os padres são assassinos”, e frases assim.
O conteúdo muda completamente em
relação aos primeiros exorcismos. Se antes dizia: “Tu não podes fazer
nada contra mim”, agora diz: “Tu matas-me, venceste-me”. Se antes dizia que
nunca se iria embora porque estava lá bem, agora afirma que se sente
horrivelmente mal e que deseja ir-se embora. É claro que cada exorcismo para o
demônio, equivale a ser chicoteado: “sofre” muitíssimo, mas inflige igualmente
muita dor e cansaço à pessoa em que se encontra: Chega a confessar que durante os exorcismos está pior que no inferno.
Um dia, enquanto o Pe. Cândido
exorcizava um indivíduo já à beira da libertação, o demônio declarou
abertamente: “Julgas que eu me ia embora se não estivesse pior aqui?”.
Os exorcismos se lhe tornaram verdadeiramente insuportáveis.
Um outro fator que é preciso ter em
conta, se se quer ajudar as pessoas que estão em via de libertação, é que o
demônio se esforça por lhes comunicar o seus próprios sentimentos: ele não pode
mais e procura transmitir um sensação de esgotamento intolerável; ele está
desesperado e tenta transmitir o seu próprio desespero ao possesso; sente que
está perdido, que já lhe resta pouco tempo para viver, que não está mais em
condição de raciocinar corretamente e transmite ao paciente a impressão de que
tudo acabou, que a sua vida chegou ao seu termo, e este cada vez mais se
convence de que vai enlouquecer.
Quantas vezes as pobres vítimas,
afligidas, não declaram ao exorcistas: “Diga-me francamente se eu estou
louco!”. Para o possesso, os exorcismos também são cada vez mais cansativos
e, por vezes, se não vêm acompanhados ou forçados, faltam ao encontro.
Tive mesmo casos de pessoas próximas,
ou bastante próximas da libertação, que desistiram totalmente de se deixar
fazer exorcizar. Da mesma forma que muitas vezes é preciso ajudar estes “doentes” a
rezar, a ir à Igreja e a frequentar os sacramentos, porque eles não conseguem
sozinhos, também é conveniente incitá-los a submeter-se aos exorcismos e,
sobretudo no momento da fase final, encorajá-los continuamente.
O cansaço físico, além de sentimento
de desmoralização, devidos à lentidão dos acontecimentos, aumentam sem dúvida
estes problemas e dão a impressão de que o mal se tornou incurável. O demônio
por vezes causa males físicos, mas, sobretudo, psíquicos, que é preciso tratar
por via médica, mesmo após a cura. Contudo as curas completas, sem sequelas,
são possíveis.
4
– Após a libertação.
É fundamental que a pessoa liberta
não afrouxe o seu ritmo de oração, nem a frequência aos sacramentos e mantenha
uma vida cristã fervorosa. Uma bênção,
de tempos a tempos, não será supérflua. Porque acontece com bastante frequência
que o demônio ataque, isto é, que tente voltar. Não precisa que ninguém lhe
abra a porta. Contudo, mais do que a convalescença poderíamos falar duma fase
de consolidação, indispensável para assegurar a libertação.
Tive alguns casos de recaída: nos
casos em que não houve negligência da parte do individuo, em que ele tinha
continuado a manter um ritmo de vida espiritual intensa, a segunda libertação
foi relativamente fácil. Pelo contrário, a partir do momento em que a
recaída foi favorecida pelo abandono da oração ou pior ainda, por se ter
deixado cair num estado de pecado habitual, então a situação só piorou, tal
como conta o Evangelho segundo Mateus (12,43-45): o demônio volta acompanhado
de sete espíritos piores do que ele.
O leitor não deixou de ter
oportunidade de ficar com a noção de que o demônio faz tudo para dissimular a
sua presença. Já o dissemos e repetimos. Esta observação ajuda (mas não o
suficiente certamente) a distinguir a possessão de certas formas de doenças
psíquicas, em que o doente faz tudo para chamar a atenção. O comportamento do
demônio é exatamente ao contrário.
Pe. Gabriele Amorth, exorcista
oficial da Diocese de Roma.
Fonte: Catolicismo Romano
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