Quando eu li o que Bergoglio disse
sobre a questão dos ateus, eu tive um pensamento provocativo que eu me senti
tentado a pôr no início desta coluna. Algo assim: "Ei, católicos: vocês
sabem o que vocês fizeram? Vocês escolheram um papa protestante".
A opinião é de Bill Tammeus, elder
presbiteriano e ex-colunista religioso do jornal The Kansas City Star, pelo qual recebeu diversos
prêmios. É autor do blog Faith Matters e
colunista mensal da revista The Presbyterian Outlook.
Seu livro mais recente, em coautoria com o rabino Jacques Cukierkorn, é They Were Just People: Stories of Rescue in Poland During the
Holocaust.
O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter,
1-5-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis
o texto.
Eu costumo dizer às pessoas que, se você se perder na teologia da Tradição Reformada (leia-se presbiteriana), você
sempre pode voltar à estaca zero, que diz, em essência, isto: Deus é soberano.
Ou – em estilo, eu
prefiro esta outra, porque a maioria de nós não tem nenhuma experiência de vida
sob um soberano – Deus é gloriosamente livre.
Eu pensei sobre isso outro dia, quando eu li algo que o Papa Francisco disse em um livro do qual ele foi
coautor em 2010, como cardeal Jorge Mario Bergoglio.
Falando sobre como ele conversaria com um ateu, Bergoglio escreveu:
"Eu não lhe diria que a sua vida está condenada, porque estou convencido
de que não tenho o direito de fazer um juízo sobre a honestidade dessa
pessoa".
Essa, amigos, é a teologia da Tradição Reformada.
Cabe a Deus determinar quem terá a vida eterna. Não cabe a nós. Mesmo que você
recorra aos conceitos difíceis de seguir do fundador da Tradição
Reformada, João
Calvino, sobre predestinação (sem falar da dupla predestinação), você
descobrirá que nenhum ser humano pode saber ao certo quem está salvo e quem
está condenado.
Esse ponto, uma vez, levou minha amiga Kathleen Norris a
escrever isto no seu livro Amazing Grace: A Vocabulary of
Faith: "Surpreende-me que só um advogado francês poderia
chegar a uma justificação tão complexa, senão bizarra, para tratar todas as
pessoas como se elas pudessem estar entre os eleitos, os escolhidos de
Deus".
Ela está certa.
Mesmo que você compre a ideia do esquema calvinista "alguns se salvam,
alguns são condenados e não há a nada que você possa fazer a respeito",
você não sabe quem é quem, por isso você precisa ser bom para com todos, na
teoria de que você pode passar a eternidade com essa pessoa.
E isso é quase a mesma coisa que Bergoglio está
dizendo em Sobre o Céu e a Terra,
coescrito com o rabino Abraham Skorka.
Quando eu li o que Bergoglio disse
sobre esse assunto, eu tive um pensamento provocativo que eu me senti tentado a
pôr no início desta coluna. Algo assim: "Ei, católicos: vocês sabem o que
vocês fizeram? Vocês escolheram um papa protestante".
Mas, no dia seguinte que eu li as palavras do papa, eu descobri que
alguém tinha sido mais rápido do que eu nessa conclusão. O escritor Jonathan Merritt fez essa pergunta sobre o Papa Francisco no seu artigo do site Religion News Service: "A crescente popularidade
(de Francisco) entre os não católicos pode torná-lo o primeiro papa
protestante?".
Merritt acrescentou:
"A combinação da preocupação do novo papa com as questões de justiça e a
sua teologia conservadora parecem ser atraentes para muitos daqueles
protestantes socialmente conscientes" (eu gosto do que Merritt disse,
embora eu não fique feliz que ele tenha posto por escrito antes de mim a ideia
de que Francisco pode ser o primeiro papa protestante.
Mas deixe estar).
Aqueles de nós que
fazem parte das principais Igrejas protestantes (presbiterianos, metodistas,
luteranos etc.) têm sido exaustivos no que se refere às preocupações de justiça
social e superficiais no que se refere ao respeito pelas estruturas de governo
hierárquicas e rituais extravagantes.
Nós pagamos um
preço por causa dessa ênfase, mas é um preço que nós temos estado dispostos a
pagar. E agora muitos de nós acham que o novo papa tem a intenção de aproximar
a Igreja Católica um pouco mais dessa abordagem protestante.
Talvez pudéssemos nos encontrar no meio do caminho.
Nós, protestantes, acrescentaremos mais ritual, e vocês, católicos, podem
descentralizar a sua estrutura de governo, enquanto nós, juntos, lavamos os pés
dos pobres.
Eu sei que soa um pouco jocoso, mas eu estou falando sério. Há muita
coisa que podemos aprender uns com os outros, e o aprendizado disso pode nos
aproximar mais de algum tipo de reunificação (ao menos de espírito), quase 500
anos depois que Martinho Lutero pregou as suas 95 teses na porta da catedral, dando
início assim (inadvertidamente) a Reforma Protestante.
Nós, protestantes, não temos o nosso próprio papa para negociar um
grande acordo com Francisco, mas, se ele
realmente é o primeiro papa protestante, o problema está resolvido. Tudo o que
nós, protestantes, e vocês, católicos, precisamos fazer, para início de
conversa, é prestar atenção às vezes em que ele se posiciona no nosso campo
comum e nos unirmos a ele lá.
Fonte: Unisinos
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