Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
17
de Novembro
A
ESMOLA
O
sufrágio da esmola
Um
socorro aos mortos dos mais valiosos é a esmola. Não é mister lembrar aqui o
valor da caridade. É auxílio ao pobre na terra, alívio aos mortos nas chamas
expiadoras do purgatório. Há tanta miséria a socorrer no mundo! Por que não
fazermos do dinheiro, que perde tanta gente, um meio de salvação para nossa
alma, e alívio do pobre e alívio do Purgatório? Não é conselho de Nosso Senhor
que aproveitemos e façamos da riqueza meio de salvação empregando-a nas boas
obras como os pecadores a empregam para o mal?
Socorramos
o pobre em sufrágio das almas do purgatório.
Contam
piedosos autores esta parábola tão expressiva: Um homem tinha três amigos.
Dois lhe eram muito queridos. O terceiro nem por isso. Um dia fora acusado e levado ao
Tribunal da Justiça. Chama os amigos para o defender.
O
primeiro escusou-se. Tinha negócios e família, era impossível!
O
segundo foi até à porta do Tribunal e o deixou.
O
terceiro o acompanha sempre fiel, defende-o com ardor, dá testemunho de sua
inocência e salva o acusado do castigo.
Assim,
o homem tem neste mundo três amigos: o dinheiro, os parentes e as boas obras. O
dinheiro o abandona na morte, quando há de comparecer no Tribunal da Justiça de
Deus. Os parentes o levam até a beira da sepultura e o deixam; e o esquecem depois.
O terceiro amigo — as boas obras, a caridade praticada, as obras de
misericórdia, tudo quanto o homem fez de bom neste mundo, só isto o acompanha
e o defende no Tribunal da Justiça de Deus.
Pois
bem. Neste mundo toda sorte de boas obras sejam os nossos amigos. Tudo o mais falha.
Diz São João que as obras do homem o hão de seguir
depois da morte: Opera enim illorum sequntum illos.
Socorramos
o pobre em sufrágio dos mortos. Praticaremos dupla obra de
caridade.
E tenhamos a certeza de que Aquele Deus de Misericórdia não deixará que se
perca nossa pobre alma no Tribunal do Dia do Juízo.
Eis
porque rezar pelos mortos, socorrer as almas do purgatório na prática da
caridade pela esmola, é das maiores riquezas do cristão neste mundo.
A
esmola, disse o Anjo a Tobias, salva o homem da morte, apaga os pecados e faz
achar a graça diante de Deus[1]. O Livro Eclesiástico ensina que “assim
como a água extingue o fogo mais ardente, assim a esmola apaga o pecado"[2].
Sim,
e a esmola apaga também o fogo do purgatório.
Dai
esmola ao pobre em sufrágio das benditas almas. As lágrimas que vossas esmolas
enxugarem, o
alívio que tiverdes dado aos que padecem fome, sede e frio, serão alívio no
purgatório para as almas sofredoras, talvez almas de vossos entes queridos. É
uma dupla caridade socorrer os pobres por amor das santas almas.
A
esmola que salva
São
João Crisóstomo faz este belo e poético elogio da esmola: “A esmola, diz ele,
é uma celeste indústria e a mais hábil de todas. Protege os que a exercem. É
amiga de Deus e está ao lado do Senhor e alcança facilmente a graça aos que ela
ama. Quebra os ferros, dissipa as trevas, extingue o fogo... Diante dela se
abrem com toda segurança as portas do reino do céu[3]”. Como se aplicam bem as palavras do
eloquente e Santo Doutor à esmola dada em sufrágio para alívio e libertação das
almas do purgatório! Nossa esmola ao pobre vai quebrar as cadeias de ferro e
fogo que retém no purgatório as pobres almas, dissipa-lhes as trevas horríveis
da ausência e da separação do Bem Infinito que tanto as faz sofrer naquele
cárcere medonho. E diante da esmola, quantas vezes não se abrem com segurança
as portas do reino do céu às pobres cativas! Bem-aventurados os
misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia, diz Nosso Senhor no
evangelho.
Sim,
sejamos agora misericordiosos para com os infelizes, os desgraçados, os pobres,
e alcançaremos misericórdia para nós e para as almas do purgatório. Diz o Livro
de Tobias: “As esmola livra de todo pecado e da morte, e não deixará a alma
descer nas trevas"[4]. Sim, a esmola nos livrará da morte
eterna, e, se nesta vida tivermos aplicado nossos recursos em socorrer os
pobrezinhos, livraremos nossa alma da eterna morte, das trevas do inferno, e
livraremos as almas das trevas do purgatório.
Pelas
almas sofredoras tenhamos compaixão dos pobres.
Um
dia, em Saint Lazare, São Vicente de Paulo ia dar a bênção à
mesa frugal da comunidade dos seus padres, quando de repente sentiu-se profundamente
comovido e as lágrimas lhe corriam pelas faces. Soluçava. O seu pensamento
sentia-se agora transportado para a Lorreine, onde o povo tinha
fome como nas províncias devastadas pela guerra. Ah! Dizia o Santo, lá há muita fome,
muita fome...
“Ó,
si nós soubéssemos meditar e ter compaixão daquelas pobres almas que têm fome
de Deus! E Jesus, que na pessoa do pobre tem fome e sede, como nos diz no
Evangelho, não sentirá também a fome das benditas almas? Tive fome e me destes
de comer, estive doente e me visitastes. Jesus nos fala assim nas almas do
purgatório[5]”.
“A
esmola, escreveu o ilustrado Henri Bremond[6], é, no pensamento da Igreja, um dos elementos essenciais
do culto dos mortos. Obra de caridade e de sacrifício eucarístico, o ágape
primitivo reunia estes dois elementos. Muito antes de ter sido abolido, o ágape
era uma espécie de reunião de beneficência para socorrer os pobres, visando
obter por esta obra o alívio e a libertação das almas do purgatório. Os Santos
Padres falam sempre nisto. Na Idade Média, esta idéia de socorrer os pobres
para alívio das almas do purgatório teve uma influência decisiva na
organização das obras de caridade”.
Dupla
caridade
Podemos
dizer: dar esmola em sufrágio e para alívio e libertação das almas do
purgatório é dar duas vezes, é dupla esmola. Socorre os vivos e os mortos. Os
amigos das santas almas não deixam esquecido este meio poderoso e meritório de
praticar a caridade.
São
Pedro Damião conta que, numa festa da Assunção de
Maria, um homem de Deus teve uma visão. Viu na igreja a Santíssima Virgem num
trono, cercada de Anjos e de Santos. Diante dela aparece uma pobre mulher em
andrajos, em estado de grande miséria, mas trazendo sobre os ombros uma capa de
seda e pedrarias ricas. Ajoelhou-se a pobrezinha diante da Virgem e entre
lágrimas lhe disse: “Ó Mãe de misericórdia, eu vos suplico, tende piedade de João Patrizzi que acaba de morrer e
sofre no purgatório. Sabei, ó Mãe de misericórdia, que eu sou aquela mendiga
que um dia pedia esmola na porta da vossa basílica e tiritava de frio. João, a
quem pedi uma esmola, privou-se da sua capa para me cobrir”. Ao ouvir isto, a
Virgem Santíssima sorriu, cheia de bondade, e disse: “O homem pelo qual pedes
misericórdia estava condenado a sofrer muito tempo na expiação, mas já que ele
praticou este ato de caridade, e além disto sempre teve muita devoção para
comigo, adornou meus altares, eu quero usar de bondade para com ele”. E
Patrizzi foi logo libertado do purgatório[7].
Assim
fará para conosco a Mãe de Deus, se juntarmos a sua devoção bem fervorosa à
caridade para com os infelizes. É muito grande o mérito da esmola.
São
João Crisóstomo aconselhava, numa
exortação, uma maneira de aliviar o sofrimento da saudade dos mortos, de um
filho querido que a morte arrebatou, de um ente, enfim, que vimos partir para
a eternidade, deixando-nos saudosos. Diz o Santo Doutor: “Perdeste um filho
querido e não sabeis o que fazer para testemunhar a vossa dor. Quereis ser útil
ainda ao vosso filho? Nada mais simples. Assiste a um coerdeiro pobre. Tomai um
pobre para socorrer. Dai aos pobres o que desejaríeis dar ao morto querido que
chorais. Não tereis perdido o herdeiro do céu e arranjareis um coerdeiro na
terra, que é o pobre. Em vez de uns miseráveis bens temporais que havíeis de
deixar para um filho, lhe dareis a herança da posse de Deus no céu nos bens
eternos. Eis como podeis socorrer vossos entes queridos muito mais do que se
estivessem neste mundo[8]”.
Ordena
a admirável e santa Regra de São Bento que quando morra um monge, durante
trinta dias se ofereçam por sua alma o Santo Sacrifício e a ração de alimento
que lhe pertencia seja dada aos pobres.
Que
bela tradição! Sejamos caridosos para com os pobres da terra o apliquemos o
mérito desta caridade para o alívio e libertação das santas almas sofredoras
do purgatório. Pratiquemos a dupla caridade.
Exemplo
Esmola
pelas almas
Cristovão
Sandoval, ainda menino, era devotíssimo das santas almas do purgatório.
Procurava socorrê-las de todos os modos. Privava-se até do necessário para
sufragar as pobres almas sofredoras. Quando estudava na Universidade de
Louvain, aconteceu que as cartas da Espanha demoravam a chegar com recursos e
o pobre estudante ficou reduzido a uma extrema miséria sem ter do que se
sustentar. Sempre que lhe pediam alguma esmola em nome das almas do purgatório,
nunca a negava. Doía-lhe o coração ver pobres rogando: uma esmola por amor
das santas almas do purgatório! Assim amargurado entrou
numa igreja pensando: não posso socorrer as almas do purgatório com minhas
esmolas, mas posso rezar por elas. Quero ajudá-las com minhas orações. Acabou
de rezar e ao sair da igreja um moço muito educado e de ar nobre o veio
cumprimentar, dizendo estar de volta da Espanha, e lhe entregava uma grande
soma de dinheiro, porque quando voltasse à Espanha, seu pai lhe havia de
pagar. Convidou-o para um almoço. Sandoval aceitou o generoso convite, pois até
àquela hora nada havia comido. Depois, o moço desapareceu. Nunca mais Sandoval
chegou a saber quem era aquele moço. Fez várias pesquisas, mas tudo em vão. Um
dia, contou o fato ao Papa Clemente VIII. O Santo Padre lhe disse: Meu filho,
é preciso publicar muito este fato para mostrar como Deus recompensa os que
dão esmolas em nome das almas do purgatório e sufraga os mortos com atos de caridade.
Uma
mulher em Nápoles, conta Rossingnoli (91.ª Maravilha),
chegou a uma extrema miséria, porque o marido fora preso por muitas dívidas. Os
filhos passavam fome. Recorreu a um grande rico da cidade e pediu-lhe uma
esmola. Recebeu uma moeda de prata. Entrou numa igreja e pôs-se a considerar a
triste situação em que se encontrava. Recorreu às almas do purgatório,
procurando sufragá-las com fervorosas preces. Depois, tomou a moeda de prata,
importância exata de uma espórtula de Missa, e mandou celebrar uma santa Missa
pelas almas. Sai da igreja muito consolada e cheia de confiança. Encontra na
rua logo um velho muito pálido que lhe quer falar.
—
Coragem, minha senhora, diz-lhe o desconhecido, peço o favor de me levar esta
carta a Fulano, tal rua, número tal. É um dos homens
mais conhecidos e ricos do lugar.
A
senhora executou logo o pedido. O jovem destinatário tomou a carta, abriu-a e
empalideceu:
—
A letra de meu pai... E meu pai já morto!
Indagou
muito e veio a concluir que aquela pobre viúva havia salvo do purgatório a
alma do seu pai querido. A carta dizia assim: “Meu filho, teu pai acaba de ser
libertado do purgatório graças a uma santa Missa mandada celebrar por esta
senhora, portadora desta. Está ela numa extrema miséria e eu a recomendo à tua
gratidão”.
Grande
foi a comoção do jovem. Após acalmar-se disse à pobre: “Minha senhora, acaba
de fazer uma grande obra de caridade e lhe devo uma eterna gratidão: libertou
meu pai do purgatório com uma Missa, esta manhã... Doravante eu me encarrego de
protegê-la”. E assim o fez. — (Carfora — Fortuna hominis. Lib. I — Rossignoli,
91.ª Maravilha).
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