Walter Kasper |
Paulo Evaristo Arns |
Henri de Lubac |
Yves Congar |
Jean Guénolé Louis Marie Daniélou |
1] Em artigos recentes publicados neste site, expus o caráter
heretizante do Vaticano II (1) e sua ruptura com a
Tradição (2). Em ambos os casos, ficava claro que o Concílio se
inspirou na nouvelle théologie, corrente de orientação
inconfundivelmente modernista, condenada por Pio XII em 1950 na EncíclicaHumani Generis.
Minha argumentação nesse sentido fundava-se, em parte, em
artigo publicado em 12 de abril último no Osservatore Romano pelo Cardeal
Walter Kasper, intitulado “Um Concílio ainda em Caminho”.
2] Amigos e leitores me pedem que esclareça melhor o papel da nouvelle
théologie na atual crise da fé. Nas presentes linhas não pretendo
esgotar a matéria sob o ponto de vista doutrinário, histórico ou qualquer
outro. Quero apenas pôr em realce o modernismo extremado que imperava em certos
círculos teológicos quando da publicação da Encíclica Humani Generis, bem
como o seu desenvolvimento nas décadas seguintes, e até nossos dias. Para isso me
valho de depoimento do Cardeal franciscano Paulo Evaristo Arns, Arcebispo de
São Paulo por mais de 27 anos, de 1970 até 1998, em seu livro “Da Esperança
à Utopia – Testemunho de uma Vida” que veio a lume em 2001 (3).
Um frade franciscano estuda em Paris
3] Nesse livro, o autor relata que, em fins de 1947, já ordenado
sacerdote, foi estudar em Paris, onde permaneceu até 1952, quando se doutorou
na Sorbonne. Dentre os escritores da época, refere Sartre, de quem diz que
era “considerado” [sic!] de esquerda ou comunista (p. 80); e refere
também os futuros cardeais Daniélou e de Lubac, e ainda “grandes autores
dominicanos, entre eles o futuro cardeal Yves Congar” (p. 80).
4] O purpurado prossegue: “A única coisa que nos feriu profundamente
foi a intervenção do Papa Pio XII, ou seja [sic!], da Cúria Romana,
na chamada nouvelle théologie. Eu frequentava, sem inscrever-me, todos os
cursos e conferências de Daniélou, de Congar e dos demais dominicanos. Devo
dizer que os admirava, pensando até em imitá-los ao voltar para a pátria”
(p. 80).
5] “Um dia se contou – narra ele – (...) que o
mestre Daniélou e os demais colegas da Nova Teologia haviam sofrido rude
admoestação e até restrições em suas publicações, porque a nouvelle
théologie estava sob suspeita. Assisti à reunião dos alunos (...) e
verifiquei que a maioria iria abandonar o estudo sistemático da teologia para
consagrar-se a outras tarefas, ou simplesmente à pastoral, que vinha sendo
renovada aos poucos na França” (pp. 80-81).
6] “Também os padres operários e as Missões da França –
escreve o Cardeal Arns – receberam diversas admoestações que feriram
nosso espírito de jovem e diminuíram nosso entusiasmo, que era grande, pela
ação de Roma no pós-guerra. Só mais tarde, no Brasil, quando foi posta em
discussão a Teologia da Libertação, é que (...) vim a sentir o
mesmo temor e a manifestar a mesma apreensão ao secretário de estado de Sua
Santidade João Paulo II, cardeal Agostinho Casaroli” (p. 81).
Comunismo e Teologia da Libertação
7] A visão do mundo e da Igreja que o Cardeal Arns revela tem uma lógica
interna pela qual se estende a todos os campos do pensar e do agir humanos.
Assim, não é de admirar que ele qualifique como “jovens idealistas”
(pág. 302), e como “a juventude idealista e a intelectualidade mais
esclarecida” (pág. 436), os comunistas e comunistóides que em 1964
preparavam confessadamente um golpe para tomar o poder no Brasil, e que
posteriormente passaram à clandestinidade, praticando assaltos a bancos,
sequestros, assassinatos.
8] E, igualmente, não é de admirar que em 1984, em Roma, ele haja
defendido o frade franciscano Leonardo Boff, paladino da Teologia da Libertação, perante a
Congregação para a Doutrina da Fé, fato que teve grande repercussão na imprensa mundial.
Qualificando o acusado como “um de meus mais queridos ex-alunos”, “cuja
ação só favorecia o nosso trabalho pastoral em São Paulo e na América Latina”,
o Cardeal Arns informa o resultado do que chama de “diálogo” então
havido com o Cardeal Ratzinger, Prefeito da Congregação, com um lamento
profundo: “infelizmente o silêncio foi imposto a Leonardo Boff” (pág.
253).
Cardeal Kasper, nouvelle théologie e Vaticano II
9] Não se pode deixar de relacionar o que diz o Cardeal Arns sobre
a nouvelle théologie, com passagens do Cardeal Kasper no Osservatore
Romano de 12 de abril, manancial inesgotável de sugestões para análise
do Concílio. Ali se lê que a grande maioria dos Padres conciliares abraçou o
otimismo do aggiornamento de João XXIII, e “quis acolher as
demandas dos movimentos de renovação bíblica, litúrgica, patrística, pastoral e
ecumênica, surgidos entre as duas guerras mundiais”. Ora, os textos do
Cardeal Arns retro citados mostram à farta o que é sabido por todos os
estudiosos da matéria, e por ninguém negado: que o principal desses movimentos
de entre-guerras é a nouvelle théologie, condenada por Pio XII.
10] Lê-se ainda naquele artigo do Cardeal Kasper que a maioria dos
Padres Conciliares, acolhendo as “demandas” dos referidos movimentos de
renovação, quis “entrar em diálogo com a cultura moderna”, o que
constituiu “o projeto de uma modernização, que não queria nem podia ser
modernismo”. Ora, é igualmente sabido e incontestado, à luz da Tradição
católica, que a nouvelle théologie nada mais é do que uma das
versões do modernismo. É o que mostra o ínclito Pe. Garrigou-Lagrange no texto
sobre o conceito modernista de verdade transcrito em anterior artigo deste
site (4), onde fica claro que a nouvelle théologie“redunda
no próprio modernismo”. Portanto, o chamado “projeto de modernização”
do Concílio, que conta com viva aprovação do Cardeal Kasper, é pleno
modernismo.
Dos cinco referidos Purpurados
11] O padre jesuíta francês Jean Guénolé Louis Marie Daniélou
(1905-1974) foi perito conciliar, criado Cardeal por Paulo VI em 1969.
12] O frade franciscano brasileiro Paulo Evaristo Arns nasceu em 1921. É
Arcebispo emérito de São Paulo. Foi elevado ao Cardinalato em 1973, pelo Papa
Paulo VI.
13] O padre jesuíta francês Henri de Lubac (1896-1991) difundia suas
doutrinas novas já antes da segunda guerra mundial. Teve sua atividade docente
restringida por Roma nas vésperas da publicação da Encíclica Humani Generis,
com sanções mais graves em seguida. Sob João XXIII, foi perito na preparação do
Vaticano II, e depois perito conciliar. Foi elevado ao cardinalato por João
Paulo II em 1983. O Papa Francisco o tem como um de seus pensadores franceses
contemporâneos prediletos (5).
14] O frade dominicano francês Yves Congar (1904-1995) defendia, logo
depois da segunda guerra mundial, doutrinas novas sobre o ecumenismo, a
colegialidade e outras matérias, o que levou o Vaticano a impor-lhe, em 1947,
restrições na atuação docente. Seu livro “Verdadeira e Falsa Reforma na Igreja”
foi proibido por Roma em 1952. Foi afastado do ensino em 1954. Em 1960, João
XXIII o convidou para perito da comissão teológica preparatória do Vaticano II.
Foi, depois, perito conciliar. De 1969 a 1985 fez parte da Comissão Teológica
Internacional. Foi nomeado Cardeal em 1994, por João Paulo II.
15] O sacerdote Walter Kasper nasceu em 1933 na Alemanha. Foi assistente
de Hans Küng. João Paulo II o nomeou Bispo de Rottenburg-Stuttgart em 1989,
e Cardeal em 2001. Em 2010 foi aceito seu pedido de renúncia, por limite de idade.
Nouvelle théologie e Vaticano II
16] A influência profunda da nouvelle théologie no
Concílio Vaticano II é pacificamente admitida pelos autores. Jurgen
Mettepenningen, por exemplo, da Faculdade de Teologia e Estudos Religiosos da
Universidade Católica de Louvain, cujos trabalhos sobre o assunto, de
orientação progressista, têm tido ampla divulgação internacional, declara: “A nouvelle
théologie (...) foi o nome de um dos movimentos mais dinâmicos e
fascinantes na teologia católica no século XX. Embora inicialmente condenada
pelo Papa Pio XII em 1946, e posteriormente em sua Encíclica Humani generis, de
1950, tornou-se influente na preparação do Concílio Vaticano II”. Esse
texto consta em livro cujo título já fala por si, indicando que a nouvelle
théologie é herdeira do modernismo e precursora do Vaticano II:“Nouvelle
Théologie - New Theology - Inheritor of Modernism, Precursor of Vatican II” (6).
17] O papel dos peritos da nouvelle théologie no
Concílio foi decisivo, especialmente o do Pe. Congar. Segundo a revista
progressista francesaInformations Catholiques Internationales , “ele
inspirou diretamente dez dos dezesseis textos” (7).
18] O eminente historiador Roberto de Mattei escreve que, em seu Diário,
“Congar reivindicou a paternidade da redação parcial ou total de muitos
documentos: Lumen Gentium, De Revelatione, De ecumenismo, Dichiarazione sulle
religioni non cristiane, Schema XIII [Gaudium et Spes], De
Missionibus, De Libertate religiosa, de presbyteris” (8).
A técnica nada escolástica das insinuações e silêncios favorecedores da
heresia
19] O Pe. José Francisco Hernández Medina, E.P., publicou artigo
intitulado “La nouvelle théologie” (9), em que
confirma plenamente o panorama geral dos fatos aqui relatados. O trabalho, com
graves insinuações e silêncios favorecedores danouvelle théologie, é
aqui analisado porque caracteriza bem a posição de muitos que, mantendo as
aparências de fidelidade à boa doutrina, querem entretanto sintonizar-se com o
modernismo dominante.
20] O Pe. Hernández Medina ali escreve que “o período entre as duas
grandes guerras foi assinalado na França e também na Alemanha por um notável
desenvolvimento da teologia, particularmente da católica”. Se é de estranhar
essa alusão ao que seria um “notável desenvolvimento” da teologia não
católica, a perplexidade cresce quando se lê, a seguir, que “a crise
modernista e a publicação da Encíclica Pascendi (...) ‘impuseram’,
por assim dizer, a ‘reforma da teologia’”, de modo a “‘renovar a teologia’
depois da crise modernista, procurando superar a dialética, história e dogma,
‘dialogando’ com a ciência, em continuidade com a teologia clássica”. Nessa
passagem, o autor insinua que anouvelle théologie estaria na
continuidade da Tradição, isto é, da “teologia clássica”; ora, é patente
que tanto a nouvelle théologie quanto o Concílio em suas
novidades e o chamado pós-Concílio, não se situam na continuidade da Tradição(10).
21] Adiante se lê que “a primeira reação dos meios eclesiásticos em
confronto com essa nova teologia foi considerá-la semimodernista, tendente ao
relativismo filosófico e dogmático e ao subjetivismo, em nome da experiência
religiosa”. O Pe. Hernández Medina relata ─ sempre evitando emitir qualquer
censura ─ que o Pe. Chenu, O.P., outro grande expoente da nouvelle
théologie, assim lamentou a condenação desta por Pio XII: “Ao nosso
pequeno colégio de trabalho nada restava senão fechar as portas”. E informa
ainda que o Pe. Chenu registrou a asfixia dos seus partidários, ao falar
na “atmosfera que se tornara irrespirável”; e que só com João
XXIII a nouvelle théologie teria voltado a sentir o ar
oxigenado. Diz o Pe. Hernández Medina: “Com a subida de Ângelo Roncalli ao
sólio pontifício (1958-1963), muitas coisas mudaram”, e a seguir cita o
Pe. Congar: “João XXIII, em menos de algumas semanas, e em
seguida o Concílio, criaram um clima eclesial novo. A abertura maior veio do
alto. De um golpe, forças de renovação que tinham dificuldade para se
manifestar abertamente podiam agora desenvolver-se”.
22] Note-se que o articulista não acusa a nouvelle théologie de
heterodoxia, como um teólogo católico teria obrigação de fazer. Nem sequer
insinua a mais leve censura a ela. E ─ nisso coerente consigo mesmo ─, também
não louva as zelosas atitudes de São Pio X e de Pio XII ao condenarem erros de
que a nouvelle théologie está encharcada. Diz apenas que, após
as acusações da “primeira reação” dos meios eclesiásticos (ou da Santa
Sé?), “muitas coisas mudaram”, com João XXIII e o Concílio. Ademais, as
citações sem reservas do Pe. Congar e do Pe. Chenu deixam ver pelo menos a
simpatia larvada pelo “clima eclesial novo”, de “abertura” vinda
do alto, que afinal liberou as “forças de renovação” da nouvelle
théologie.
23] No conjunto do sibilino artigo, inçado de silêncios tristemente
eloquentes, o leitor recolhe a impressão de que o autor se afasta da clara
posição de Pio XII e admiteque a nouvelle théologie não é
semimodernismo, e que portanto sua condenação pela Santa Sé teria decorrido de
um equívoco, posteriormente corrigido por João XXIII e pelo Concílio.
24] Permito-me aqui repetir que tem interesse especial esse artigo do
Pe. Hernández Medina por mostrar até onde chegam certos círculos na origem claramente
antimodernistas, que contudo não resistiram à tentação de aderir ao Vaticano
II. Não renegam explicitamente suas posições anteriores, fundadas em São Pio X
e Pio XII ─ talvez porque suas bases não o tolerariam. Dentro da contradição
intrínseca à orientação que abraçaram, é logicamente inevitável que adotem
linguagem não escolástica, escorregadia, simpática à nouvelle théologie,
carregada de ambiguidades, insinuações e estranhos silêncios. Seus textos,
claramente favorecedores de más doutrinas, sujeitam muitos católicos à tentação
dabaldeação ideológica inadvertida (11), em direção ao vórtice
modernista que hoje tudo atrai.
Conclusão: o modernismo triunfante
25] Os fatos aqui expostos põem em relevo as dimensões apocalípticas da
infiltração do modernismo nos meios católicos, até mesmo na alta hierarquia,
bem como seu surpreendente favorecimento ao longo de mais de meio século.
Diante disso, não pode o fiel calar-se, segundo ensina Dom Guéranger: "Quando
o pastor se transforma em lobo, é ao rebanho que, em primeiro lugar, cabe
defender-se. Normalmente, sem dúvida, a doutrina desce dos Bispos para o povo
fiel, e os súditos, no domínio da Fé, não devem julgar seus chefes. Mas há, no
tesouro da revelação, pontos essenciais, que todo cristão, em vista de seu
próprio título de cristão, necessariamente conhece e obrigatoriamente há de
defender. O princípio não muda, quer se trate de crença ou procedimento, de
moral ou de dogma . [...]Os verdadeiros fiéis são os homens que
extraem de seu Batismo, em tais circunstâncias, a inspiração de uma linha de
conduta; não os pusilânimes" (12).
26] Que, na situação de extrema confusão doutrinária dos dias de hoje,
Nossa Senhora das Vitórias conceda aos “verdadeiros fiéis” a que se
refere D. Guéranger, Suas mais escolhidas graças de discernimento sobrenatural,
para que possam defender-se do modernismo triunfante e contra ele lutar.
______________________________________
NOTAS
1 Ver neste site Bonum Certamen o artigo “Da qualificação
teológica extrínseca do Vaticano II”, postado em 29.06.2013.
2 Ver neste site Bonum Certamen o artigo “Sentir
com a Igreja é sentir com o Vaticano II?”, postado em 02.09.2013.
3 Editora Sextante, São Paulo, 2001, 480 pp.
4 Ver neste site Bonum Certamen o
item 15 do artigo “Sentir com a Igreja é sentir com o Vaticano II?”,
postado em 02.09.2013.
5
Cf. Civiltà Cattolica nº 3.918, ano 164,
19.09.2013, Entrevista com o Papa Francisco, pp. 449/477.
6 T&T Clark, London/New York, 2010.
7 N. 336 - May 15, 1969, p. 9.
8 “Il Concilio Vaticano II, Una Storia mai scritta”, Lindau,
Torino, 2010, p. 522.
9 Hernández Medina, José Francisco, La «Nouvelle Théologie»,
Università Gregoriana, postado em 17.10.2009 in www.presbiteros.arautos.org, em italiano.
10 Ver neste site Bonum Certamen o artigo “Sentir
com a Igreja é sentir com o Vaticano II?”,02.09.2013.
11 Cf. Plinio Corrêa de Oliveira, “Baldeação Ideológica
Inadvertida e Diálogo”, Catolicismo, nos178/179,
out-nov/1965, Campos/RJ, Brasil.
12 D. Prosper Guéranger, “L'année liturgique, Le temps de la
Septuagésime, fête de Saint Cyrille d’Alexandrie”, p.
321.
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