Andrew Higgins
O Estado de S.Paulo
Lembrado como um sádico brutal pelos
que conseguiram sobreviver na prisão que comandava, Alexandru Visinescu ainda
espuma violência. "Saia da minha porta ou quer que eu pegue um pau e o
espanque?", berrou o ex-comandante, hoje aos 88 anos, quando um jornalista
bateu à porta do seu apartamento no centro de Bucareste.
Como outros funcionários do governo
comunista romeno, Visinescu, atualmente um aposentado debilitado e corcunda,
não gosta de ser perturbado. Até recentemente, estava tranquilo, vivendo em paz
com uma aposentadoria generosa e um apartamento confortável, cercado de fotos
em preto e branco dele jovem, posando em uniforme. E passava o tempo fazendo
caminhadas tranquilas num parque vizinho.
Sua paz acabou no início de setembro,
quando promotores em Bucareste anunciaram que Visinescu seria levado a
julgamento pela participação nos abusos cometidos na era comunista. Seria o
primeiro julgamento envolvendo fatos ocorridos na Romênia desde que o ditador
Nicolae Ceausescu foi derrubado e executado, em dezembro de 1989.
A abertura desse processo provocou
uma enxurrada de notícias na mídia e aumentou as esperanças de vítimas e seus
advogados de que a Romênia finalmente acompanhará a maioria dos seus vizinhos
da Europa Central e Oriental, curando-se de uma amnésia nacional.
Aos olhos de muitas pessoas, a
execução de Ceausescu representou o fim apenas do líder da mais funesta
ditadura do antigo bloco comunista, mas o sistema permaneceu praticamente
intacto. Essa continuidade no poder das elites comunista e pós-comunista
explica porque existe uma forte resistência diante de um acerto de contas sério
com os crimes do passado na Romênia, onde persiste uma nostalgia da era
comunista.
"Estamos vindo de um período
muito difícil e sórdido", disse Laura Stefan, do Expert Forum, grupo de
Bucareste que faz campanha para o fortalecimento da ordem legal no país.
"A corrupção tem uma forte relação com o fato de não discutirmos o nosso
passado", disse. Laura acolheu bem o processo aberto contra Vinisescu, que
considera um sinal encorajador. "Pensar que essas pessoas são culpadas e
devem pagar é alguma coisa muito nova."
Um outro ex-comandante de um campo de
prisioneiros, Ion Ficior, também está sendo investigado e deverá ir a
julgamento. Laura, porém, tem dúvidas da "seriedade de fato" das
autoridades quanto a colocar Vinisescu e outros na prisão. "Não estou
otimista, de modo nenhum", afirmou.
Um fato que reforça a dúvida é que o
ex-comandante é acusado de genocídio, o que normalmente aplica-se a atos que
visam liquidar, em parte ou inteiramente, um grupo étnico ou religioso, e não
se refere à repressão política.
Uma acusação de genocídio será
difícil de ser sustentada num tribunal romeno e também n Corte Europeia de
Direitos Humanos, em Estrasburgo, na França, o que preocupa aqueles que há
muito tempo demandam justiça e não querem ver o caso como mais uma tentativa
fracassada de o país chegar a um acordo com seu passado.
"Eles o acusaram de genocídio,
de modo que poderão encerrar esse caso sem um resultado", disse Dan
Voinea, professor de criminalística que foi um dos promotores no precipitado
processo encenado de Ceausescu e sua mulher, Elena, em 25 de dezembro de 1989.
"Entre as elites política da Romênia ainda prevalecem os antigos
comunistas, seus parentes e aliados, que querem garantir que os crimes do
comunismo jamais sejam revelados e julgados seriamente", disse.
Brutalidade. A Romênia, sob a ditadura de Ceausescu, foi submetida ao governo
stalinista mais autoritário da Europa Oriental, um pesadelo paranoico no qual havia, em
média, um informante da temida Securitate, a agência de segurança do regime,
para cada 30 pessoas. A repressão a dissidentes era tão ampla que os romenos
eram proibidos de possuir uma máquina de escrever sem autorização da polícia.
A Promotoria-Geral de Bucareste,
chefiada por um ex-soldado que tomou parte na execução de manifestantes,
chamados terroristas durante a revolta de 1989 contra Ceausescu, não quis se
pronunciar sobre o caso de Vinisescu. Não explicou porque decidiu abrir
processo contra ele por genocídio, crime que dificilmente será provado, mas
poderá ser uma maneira de contornar a prescrição legal para crimes menos
graves.
Para muitas pessoas, porém, esse
julgamento é importante porque, pela primeira vez, vai mostrar até onde é
possível confiar em um sistema penal que produziu abusos físicos, psicológicos
e assassinatos. Foi o que ocorreu especialmente na prisão de Ramnicu Sarat, a
150 quilômetros de Bucareste, reservada a presos políticos. Visinescu dirigiu-a
de 1956 a 1963.
"O mal tem um rosto na
Romênia", disse Vladimir Tismaneanu, professor da Universidade de Maryland
que liderou uma comissão, criada em 2006 pelo governo romeno, para examinar os
crimes cometidos na era comunista. "Uma coisa é o mal no sentido abstrato,
mas a sociedade precisa vê-lo representado num indivíduo."
Aurora Dumitrescu, detida em 1951,
aos 16 anos, e levada a uma prisão feminina dirigida por Vinisescu, lembra dele
como "um monstro". Ela disse que ele tinha prazer em enviar os presos
para a "câmara escura", um quarto úmido de concreto sem janelas usado
para espancamentos e tortura psicológica. "Para ele, éramos animais",
afirmou Aurora.
O ex-comandante, acusado de
envolvimento em seis mortes, disse a jornalistas romenos que não pode ser
responsabilizado por decisões tomadas por seus superiores. "Nunca matei
nem mesmo uma galinha", disse Vinisescu à TV romena, completando que
"apenas" cumpriu ordens. "Sim, pessoas morreram. Mas outras
também morreram em outros lugares. Morreram aqui, lá, em todo lugar."
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
Fonte: ESP
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