Fonte: Almas Devotas
Retirado do livro
Pe. de La Colombière
Excertos
Livro de 1934 - 54 págs
(Em breve este livro estará no Alexandria Católica)
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Das Adversidades
(De como são úteis aos justos e necessárias aos pecadores)
Vede essa terna mãe que por mil
carícias trata de acalmar os gritos do filho, que o rega com suas lágrimas,
enquanto lhe aplicam o ferro e o fogo; desde que aquela dolorosa operação se
faz a seus olhos e por sua ordem, quem pode duvidar de que aquele remédio
violento não deva ser extremamente útil àquela criança, e que ela não deva
encontrar nele uma saúde perfeita, ou ao menos o alívio duma dor mais viva e
mais longa?
Faço o mesmo
raciocínio quando vos vejo na adversidade. Vós vos queixais de que vos
maltratam, de que vos ultrajam, de que vos mortificam por calúnias, de que vos
despojam injustamente dos vossos bens: o vosso Redentor (este nome é ainda mais
terno do que o nome de pai e de mãe), o vosso Redentor é testemunha de tudo o
que sofreis; Ele que vos traz no seio, Ele que declarou altamente que quem quer
que vos toca, O toca na pupila dos olhos, Ele próprio, não obstante, permite
que sejais atribulados, embora pudesse impedi-lo, e duvidais de que essa
provação passageira vos deva proporcionar as mais sólidas vantagens?
Acrescentai a isso que, quando se tratou de nos poupar penas que visivelmente nos teriam sido inúteis, Ele nada esqueceu, forçou as leis da natureza para nos garantir contra elas. Tudo quanto se atura após a morte, seja nas chamas do purgatório, tudo isso é computado como nada; não se pode esperar daí nem glória nem recompensa; só se sofre então por sofrer. Que não fez Jesus Cristo para nos preservar desses tormentos infrutíferos? Pôs tudo em uso, até o atraí-los sobre sua pessoa inocente. Foi neste intuito que ele derramou todo o seu sangue e expirou na cruz. Sim, Jesus Cristo abandonou-se a si próprio à cólera de seu Pai e à fúria dos judeus, para impedir não só que fôssemos entregues ao fogo eterno, mas ainda que fôssemos um só momento detidos no purgatório; satisfez por nossas culpas, mesmo as mais leves, não deixou nada por pagar; muito mais, deixou um tesouro inesgotável de méritos à sua Igreja para os novos crimes em que incidimos todos os dias. Esta razão única me faz às vezes de mil demonstrações. Quando o Espírito Santo não tivesse chamado bem-aventurados aos que sofrem neste mundo, quando todas as páginas da Escritura não falassem em favor das adversidades, quando não víssemos que elas são o quinhão mais comum dos amigos de Deus, eu não deixaria de crer que estas nos são infinitamente vantajosas. Para me persuadir disto, basta eu saber que um Deus que preferiu sofrer tudo o que a sanha dos homens pode inventar de mais horríveis torturas, a me ver condenar aos mais leves suplícios da outra vida; basta-me, digo, saber que é esse Deus que me prepara, que me apresenta o cálice de amargura que eu devo beber neste mundo. Um Deus que sofreu tanto para me impedir de sofrer, não me faria sofrer hoje para dar A si um prazer cruel e inútil.
Acrescentai a isso que, quando se tratou de nos poupar penas que visivelmente nos teriam sido inúteis, Ele nada esqueceu, forçou as leis da natureza para nos garantir contra elas. Tudo quanto se atura após a morte, seja nas chamas do purgatório, tudo isso é computado como nada; não se pode esperar daí nem glória nem recompensa; só se sofre então por sofrer. Que não fez Jesus Cristo para nos preservar desses tormentos infrutíferos? Pôs tudo em uso, até o atraí-los sobre sua pessoa inocente. Foi neste intuito que ele derramou todo o seu sangue e expirou na cruz. Sim, Jesus Cristo abandonou-se a si próprio à cólera de seu Pai e à fúria dos judeus, para impedir não só que fôssemos entregues ao fogo eterno, mas ainda que fôssemos um só momento detidos no purgatório; satisfez por nossas culpas, mesmo as mais leves, não deixou nada por pagar; muito mais, deixou um tesouro inesgotável de méritos à sua Igreja para os novos crimes em que incidimos todos os dias. Esta razão única me faz às vezes de mil demonstrações. Quando o Espírito Santo não tivesse chamado bem-aventurados aos que sofrem neste mundo, quando todas as páginas da Escritura não falassem em favor das adversidades, quando não víssemos que elas são o quinhão mais comum dos amigos de Deus, eu não deixaria de crer que estas nos são infinitamente vantajosas. Para me persuadir disto, basta eu saber que um Deus que preferiu sofrer tudo o que a sanha dos homens pode inventar de mais horríveis torturas, a me ver condenar aos mais leves suplícios da outra vida; basta-me, digo, saber que é esse Deus que me prepara, que me apresenta o cálice de amargura que eu devo beber neste mundo. Um Deus que sofreu tanto para me impedir de sofrer, não me faria sofrer hoje para dar A si um prazer cruel e inútil.
Quanto a mim, senhores, quando vejo
um cristão abandonar-se à dor nas penas que Deus lhe envia, eu digo primeiro:
Aí está um homem que se aflige com a sua felicidade; pede a Deus que o livre da
indigência em que se acha, e deveria dar-lhe graças de o haver reduzido a ela.
Estou certo de que nada lhe podia suceder de mais vantajoso do que isso que faz
o motivo da sua desolação; tenho para crer nisso mil razões sem réplica. Mas se
eu visse tudo o que Deus vê, se eu pudesse ler no futuro as consequências
felizes com que Ele coroará essas tristes aventuras, quanto mais confirmado me
sentiria no meu pensamento.
Com efeito, se pudéssemos descobrir
quais são os desígnios da Providência, é certo que desejaríamos com ardor os
males que sofremos com tanta repugnância. Toda gente sabe a história célebre de
José. Quando os irmãos o despojaram; quando, para se desfazer dele, o venderam
aos ismaelitas, quem poderia dizer quantas lágrimas derramou ele, quantas
súplicas fez para curvar os irmãos desnaturados, quantas vezes lhes abraçou os
joelhos, com que dor desaprovou tudo o que os pudesse ter desgostado no seu proceder?
Pode-se duvidar de que ao mesmo tempo ele tivesse feito mil votos para obter
algum socorro do céu num extremo tão premente? Filho da Providência, inocente
vítima, como Deus vos amaria pouco se vos escutasse! Como faríeis votos bem
diversos se ele vos fizesse conhecer aonde vos devem conduzir o exílio e a
servidão que temeis! O acontecimento fez ver, cristãos ouvintes, que ele tinha
mais motivo de se alegrar do que de se queixar, do indigno tratamento que
recebia. Sabeis que Deus o levava ao trono por esse caminho. Meu Deus, se
tivéssemos um pouco de fé; se soubéssemos quanto nos amais, quanto tendes a
peito os nossos interesses, com que olhos encararíamos as adversidades?
Ir-lhes-íamos ao encontro com solicitude, bendiríamos mil vezes a mão que nos
ferisse.
Que bem me pode, pois, advir dessa
moléstia que me obriga a interromper todos os meus exercícios de piedade? Dirá
talvez alguém; que vantagem posso esperar dessa perda de todos os meus bens,
que me lança no desespero, dessa confusão que me abate a coragem e me traz a
perturbação ao espírito? É verdade que esses golpes imprevistos, no momento que
ferem, acabrunham às vezes aqueles sobre quem caem, e os põem fora de estado de
aproveitar na mesma hora da sua desdita; esperai porém, e logo vereis que é por
esse meio que Deus vos dispõe a receber os mais insignes favores. Se não fosse
aquele acidente, não vos teríeis tornado mais malvado, porém nunca teríeis sido
tão santo. E não é verdade que, desde que vos havíeis dado a Deus, ainda vos
não tínheis podido resolver a desprezar não sei que glória fundada em algum
agrado do corpo, ou qualquer talento do espírito, que vos atraía a estima dos
homens? Não é verdade que ainda vos restava algum amor ao jogo, à vaidade, ao
luxo? Não é verdade que o desejo de adquirir riquezas, de elevar vossos filhos
às honras do mundo, ainda não vos havia abandonado inteiramente? Talvez mesmo
que algum apego, alguma amizade pouco espiritual, disputava ainda o vosso
coração a Deus? Não vos era preciso mais que aquilo para entrardes numa
liberdade perfeita; é pouco, mas afinal ainda não tínheis podido fazer esse
sacrifício; a quantas graças, entretanto, esse obstáculo detinha o curso. Era
pouco, mas não há nada que custe tanto à alma cristã quanto romper esse
derradeiro laço que a prende ao mundo e a si mesma. Não é que nessa situação
ela não sinta uma parte da sua enfermidade; mas o só pensamento do remédio a
espanta, porque o mal está tão perto do coração que, sem o socorro duma
operação violenta e dolorosa, não se pode curá-lo; foi por isto que se tornou
mister surpreender-vos, que se fez preciso que uma mão hábil, quando menos o
pensáveis, tenha levado o ferro bem a dentro na carne viva, para furar essa
úlcera oculta no fundo das entranhas; não fora esse golpe, e o vosso langor duraria
ainda. Essa moléstia que vos detém, essa bancarrota que vos arruína, essa
afronta que vos cobre de vergonha, a morte daquela pessoa que chorais, todas
essas desditas farão em breve aquilo que todas as vossas meditações não terão
podido fazer, o que todos os vossos diretores teriam tentado inutilmente.
E, se a adversidade em que estais
tiver o efeito que Deus pretende, se vos desgostar inteiramente das criaturas,
se vos obrigar a vos dardes sem reserva ao vosso Criador, certo estou que de
que lhe dareis mais agradecimentos por aquilo que Ele vos houver infligido, do
que lhe oferecestes de votos para desviar a aflição: todos os demais benefícios
que haveis recebido Dele, todos esses benefícios comparados àquela desdita não
passarão aos vossos olhos de favores ligeiros. Havíeis sempre considerado as
bênçãos temporais que até aqui Ele derramara sobre vossa família com os efeitos
da sua bondade para convosco; mas então vereis claramente, sentireis no fundo
d’alma que Ele nunca vos amou tanto como quando derribou tudo o que tinha feito
pela vossa prosperidade, e que, se Ele tinha sido liberal dando-vos riquezas,
honras, filhos, saúde, foi pródigo retirando-vos todos esses bens.
Não falo dos
méritos que a gente adquire pela paciência; é certo que, geralmente, a gente
ganha mais para o céu num dia de adversidade do que durante vários anos
passados na alegria, por mais santo o uso que deles se faça; e para acabar de
vos dizer francamente o meu pensamento, eu desconfio extremamente de todo bem
que fazemos na prosperidade, e não creio que a gente se deva fiar lá muito nas
virtudes que nela se praticam.
O grande apóstolo
só se glorifica das suas cadeias, dos seus naufrágios e dos injustos suplícios
a que o condenaram. Não faz menção alguma nem das suas orações nem das suas
pregações apostólicas, porque, nessa espécie de obras santas, raramente a gente
se defende das surpresas do amor próprio sem o socorro de um longo estudo, duma
extrema vigilância, duma graça extraordinária.
Todos sabemos que a prosperidade nos amolenta, e muito é quando um homem
feliz segundo o mundo se dá o trabalho de pensar no Senhor uma ou duas vezes
por dia: as ideias dos bens sensíveis que o rodeiam ocupam-lhe tão
agradavelmente o espírito, que ele se esquece facilmente de tudo o mais. A adversidade,
ao contrário, só dando por si mesma pensamentos tristes, leva-nos como
naturalmente a levantar os olhos para o céu, para amenizar por essa vista a
impressão amarga dos nossos males. Sei que se pode
glorificar a Deus em toda a sorte de estados, e que a vida dum cristão que o
serve numa fortuna risonha, não deixa de lhe fazer honra; bem longe, porém, que
esse homem o honre tanto como o homem que o bendiz nos sofrimentos! Pode-se dizer que o primeiro é semelhante a
um cortesão assíduo e regular que não abandona o seu príncipe, que o segue ao
conselho, que é de todos os seus prazeres, que lhe faz honra a todas as festas;
mas que o segundo é como um valente capitão que toma cidades para seu rei, que
lhe ganha batalhas através de mil perigos e à custa do seu sangue, que leva bem
longe a glória das armas de seu amo e os limites do seu império.
Assim, senhores, um homem que goza de
saúde robusta, que possui grandes riquezas, que vive na honra, que tem a estima
do mundo, esse homem, se usa como deve das suas vantagens, se as recebe com
gratidão, se as refere a Deus que lhes é a fonte, certamente não se pode
duvidar de que glorifique seu divino Mestre por um procedimento tão cristão:
mas se a Providência o destitui de todos esses bens, se o cobre de dores e de
misérias, e se, no meio de tantos males, ele persevera nos mesmos sentimentos,
nas mesmas ações de graças, se segue o Senhor com a mesma prontidão, com a
mesma docilidade, por uma senda tão difícil, tão oposta às suas inclinações, é
então que ele publica a grandeza de Deus e a eficiência da sua graça, da
maneira mais generosa e a mais retumbante.
Daí, cristãos ouvintes, julgai que
glória não devem esperar de Jesus Cristo as pessoas que o tiverem glorificado
em trilha tão espinhosa; julgai com que aplausos não há de ser recebido no céu
um cristão cuja vida não tiver passado de uma série de desventuras, de um
exercício contínuo de paciência; um cristão que se apresentar, por assim dizer,
coberto de sangue e de feridas, que tiver seguido seu Mestre em todas as suas
penosas empresas, que lhe tiver sido o companheiro fiel dos sofrimentos. Será
então, cristãos ouvintes, que havemos de reconhecer o quanto Deus nos terá
amado dando-nos as ocasiões de merecer recompensa tão abundante; será então que
censuraremos a nós mesmos o nos termos queixado daquilo que nos devia aumentar
a felicidade, de havermos gemido, de termos suspirado quando tínhamos motivo
para nos alegrarmos, de termos duvidado da bondade de Deus, quando Ele nos dava
dessa bondade as mais sólidas provas. Se tais devem ser um dia os nossos
sentimentos, por que não entrarmos desde hoje em tão feliz disposição? Por que
desde esta vida não bendizermos a Deus no meio dos males, pelos quais estou certo
de lhe render um dia no céu eternas ações de graças? Por que hei de invejar a
sorte dos que vivem na prosperidade, quando eles próprios me invejarão um dia
as adversidades que eu tiver padecido?
Santo Agostinho não
pode admirar bastante que um senhor tão poderoso como nosso Deus, tão feliz,
tão independente das suas criaturas, tenha querido obrigá-las, por um
mandamento expresso, a lhe terem amor, isto é, a proporcionarem, a si próprias,
a vantagem maior que possam fruir. Eis aqui, porém, a meu ver, um traço de
bondade ainda mais admirável: e é que Ele não se contente de impor aos seus
inimigos uma obrigação tão vantajosa para eles, e os force de alguma sorte a
cumprir essa feliz obrigação.
É pela adversidade,
cristãos ouvintes, que Ele coage os homens mais perversos a reentrarem nas suas
boas graças; e que outra via mais eficaz para os levar a isso? A palavra de
Deus, o uso dos sacramentos, as graças comuns podem manter na prática do bem os
que se obrigam a eles, mas um homem sobrecarregado do peso dos negócios
públicos e domésticos, uma mulher que vive nos prazeres, que é escrava da
vaidade, um cristão, numa palavra, que envelheceu na sua impiedade e nas suas
desordens, é mister, senhores, é mister que sofra ou que pereça.
Sei o quanto a palavra de Deus é
eficaz, sei que ela é mais penetrante do que uma espada de dois gumes; mas
todos os dias não vemos senão sobejamente que os homens lhe resistem e que ela
não pode atingir até os corações empedernidos. Que não se há dito contra esse
luxo espantoso que devora a substância assim dos pobres como dos ricos, contra
esse jogo que consome impiedosamente um bem com que se poderia comprar o céu,
esse jogo que nos arrebata um tempo que nos fora dado para ganharmos a
eternidade? Que se não diz ainda hoje em dia contra esses desregramentos? Ai!
Mas que é que produzem os nossos discursos no espírito dos jogadores de
profissão, desses que gastam o mais possível em roupas? Uns esquecem-no um
momento após, outros só se lembram deles para escarniçá-los; alguns até se
ofendem com eles, e creem ter motivo para se queixar do pregador, porque ele
disse da parte de Deus o que não podia calar sem trair a própria consciência e
sem se tornar réu de perfídia. Que cumpre então faça o Senhor para fazer essas
pessoas tornarem ao dever? Não há outro meio senão a indigência; há que
reduzi-las à necessidade de trabalhar para fazer subsistir a família, e de
revender, para viverem, aquilo que compraram para se enfeitar. Ide falar de
oração e de retiro àquela mulher enamorada da própria beleza, tão vaidosa das
atenções que se tem com ela no mundo; acreditais que ela seja capaz de apreciar
os vossos conselhos ou sequer de ouvi-los? Para salvá-la, faz-se mister que uma
moléstia a desfigure, ou que uma esmagadora confusão a faça banir para sempre
das companhias.
Que tempo escolhereis para exortar
aquele rico, aquele voluptuoso, a se converter? Não está ele disposto a ouvir a
palavra de Deus, e muito menos ainda a vos chamar a casa para tomar junto a vós
conselhos salutares. E quando o estivesse, como haveria um pensamento santo de
encontrar lugar naquele espírito abarrotado dos seus negócios temporais? A
própria graça, por insinuante que seja não acha abertura para lhe passar até o
coração. Oh! Como há então, ó meu Deus, que desesperar daquela alma? A vossa
sabedoria não tem então meio para retirá-la do precipício? O Senhor tem um
meio, cristãos ouvintes, e este meio é o que ele se serve sempre para
reconduzir os eleitos seus que a prosperidade lhe arrebatou; esse meio é a
adversidade, é a perda daquele processo, a morte daquele marido, daquele filho
único, uma paralisia, uma gota violenta, uma febre maligna, um langor
incurável, uma afronta insigne. Qual será o efeito dessa desgraça? Disporá
aqueles homens à compunção por uma dor mortal, dar-lhe-á desgosto dos prazeres
com que estava encantado, levá-lo-á a fazer reflexões sobre os desregramentos
da sua vida que lhe atraíram a cólera de Deus; sofrerá que a gente de bem se
lhe achegue, quando menos para consolá-lo. E como procurará por toda parte
remédios para o seu mal, far-lhe-ão conhecer a causa deste, prepará-lo-ão para
receber os remédios convenientes à moléstia de sua alma. Enfim, ver-se-á ele
felizmente forçado a mudar de vida, ou pela impotência de perseverar no pecado,
ou pelo desejo de deter o braço do Onipotente que pesa sobre ele.
Tudo isto nos faz ver suficientemente
que, de qualquer modo que vivamos, deveríamos sempre receber a adversidade com
alegria. Se somos bons, a adversidade nos purifica e nos faz melhores; enche-
nos de virtudes e de méritos; se somos maus, se somos viciosos, ela nos
corrige, força-nos a nos tornarmos virtuosos. Se em algum de nós não tem ela
este feliz efeito, se há alguém que ela não transforme ou que torne ainda pior,
é esse coração endurecido que tem razão de se afligir; essa resistência
inflexível é de todos os indícios de reprovação o mais certo e o mais visível.
Um cristão que vive mal e que Deus não castiga, deve tremer; e, se lhe resta
ainda algum sentimento, deverá fremir; mas um pecador que Deus castiga e que
não verga aos seus golpes, pode-se ousadamente arrolá-lo entre os réprobos e
desesperar da sua salvação.
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