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Utilíssimas em períodos críticos da História da Igreja
Vimos como as revelações particulares e profecias têm sido convenientes e utilíssimas para a salvação das almas, produzindo grandes movimentos de piedade. Possivelmente, em artigos posteriores poderemos mostrar como elas têm sido muito úteis e benéficas sob outros aspectos, como orientar os fiéis a atravessarem períodos históricos críticos.
Ademais estão na origem de grande número de fundações religiosas, e até tiveram uma influência salutar na explicitação do dogma contido nas verdades reveladas.
Eventualmente poder-se-ão reproduzir revelações e profecias de Santos e bem-aventurados -- alguns deles tendo vivido em períodos relativamente recentes -- que servem, por exemplo, para compreender a enorme crise pela qual atravessa a Cristandade.
Alcance da aprovação da Igreja
As revelações e outros fenômenos místicos extraordinários, acima aludidos, receberam a aprovação da Igreja após longas e exaustivas investigações.
Qual o significado dessa aprovação? Explica o ilustre teólogo espanhol Pe. Antonio Royo Marín OP: “Quando a Igreja aprova uma revelação privada, não tenciona garantir sua autenticidade; declara simplesmente que nada contém que seja contrário à Sagrada Escritura e à doutrina católica e que se possa propor como provável à piedosa crença dos fiéis”.
Mas, de outro lado, o mencionado teólogo adverte que “seria muito repreensível contradizê-las ou pô-las em ridículo depois da aprovação da Igreja” (10).
São Pio V e a visão da vitória de Lepanto, Lyon |
O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, baseado também em conceituados autores, explica que “tendo se encerrado com a morte do último Apóstolo o ciclo das revelações oficiais, as revelações de Fátima, como as de Lourdes e tantas outras, se incluem definidamente na categoria das revelações privadas”.
E que, portanto, “se às primeiras o católico deve dar assentimento sob pena de pecar contra a Fé, às últimas ele pode livremente dar ou recusar crédito, segundo seu prudente critério” (11).
Lembra o Pe. Tanquerey a “prudente reserva da Igreja e dos Santos” ao examinar a autenticidade das revelações privadas, e acrescenta:
“A Igreja não admite revelações senão quando são bem e devidamente verificadas e, ainda então, não as impõe à crença dos fiéis. Além disso, quando se trata da instituição de uma festa ou de alguma fundação exterior, espera longos anos antes de se pronunciar, e não se decide senão depois de haver examinado maduramente a coisa em si mesma e nas suas relações com o Dogma e a Liturgia” (12).
Os critérios da Igreja
Como é que a Igreja faz esse maduro exame a que se refere esse destacado teólogo? Quais as regras de discernimento? É o que veremos, resumidamente, a seguir.
A algum leitor as normas abaixo poderão parecer demasiado árduas, exigentes e até excessivas.
Mas lembre, caro leitor, que por esse sapiencial crivo passaram Santa Bernardette, vidente de Lourdes, os pastorinhos de Fátima e tantos Santos e bem-aventurados que receberam revelações divinas, tiveram o dom da profecia, etc.
Mas isso não é excessivo; na realidade indica a seriedade com que a Igreja procede nesse terreno, assim como uma mãe terrena verifica a fidelidade e a veracidade de um filho para melhor cumulá-lo de maternal afeto e benquerença. E tudo isto redunda, em suma, na maior glória de Deus, no bem da Igreja e no incremento da saúde espiritual dos fiéis.
Quanto à pessoa -- O Pe. Tanquerey explica que as regras de discernimento sobre a autenticidade das revelações dizem respeito, em primeiro lugar, à pessoa que afirma receber revelações.
Deve-se estudar suas qualidades naturais: se possui equilíbrio psicológico, bom senso, juízo reto, sinceridade, ou se tem uma imaginação exaltada, a saúde debilitada por doença, tendência a amplificar a verdade ou até a inventar, etc.
São Domingos de Gusmão recebeu o terço de Nossa Senhora |
E as sobrenaturais: se é dotada de virtude sólida, de humildade sincera, se dá a conhecer as revelações a seu diretor espiritual, e segue os conselhos com docilidade (13).
Quanto ao conteúdo -- O mesmo autor aconselha prestar especialmente atenção na matéria das revelações, para discernir se elas são ou não de origem divina: “Toda revelação contrária à fé ou aos bons costumes deve ser implacavelmente rejeitada, conforme a doutrina unânime dos Doutores, fundada nestas palavras de São Paulo: 'Ainda que nós mesmos ou um anjo descido do céu vos anunciasse outro Evangelho diverso daquele que vos anunciamos, seja anátema' (Gal. 1, 8). É que, efetivamente, Deus não se pode contradizer, nem revelar coisas contrárias ao que nos ensina pela sua Igreja” (14).
Quanto aos efeitos -- Por sua vez, o Pe. Antonio Royo Marin OP acrescenta que “a principal regra de discernimento -- nisto como em tudo -- serão sempre os efeitos que produzem na alma as pretensas revelações: 'A árvore boa não pode dar frutos maus, nem a árvore má dar bons frutos' (Mt 7, 18)” (15).
O Pe. Tanquerey afirma a esse respeito: “As verdadeiras revelações confirmam a alma nas virtudes da humildade, obediência, paciência, conformidade com a vontade divina; as falsas geram orgulho, presunção, desobediência”.
“O contrario -- esclarece -- sucede nas visões diabólicas; se no princípio causam alegria, bem depressa produzem perturbações, tristezas, desalento; é por esse caminho, efetivamente, que o demônio faz cair as almas” (16).
Evitar três erros
O Pe. Adolfo de la Madre de Dios OCD (17) menciona três atitudes de alma erradas, que devem ser evitadas pelos fiéis, em relação aos fenômenos místicos extraordinários:
1) a dos “colecionadores do maravilhoso, que de qualquer histérica trivial que pretende receber mensagens divinas, tomarão suas notas e sua informação gráfica, e pressurosos proclamarão que viram uma santa”;
2) a dos que assumem uma “atitude negativa” em relação às revelações, com medo de “serem tidos por crédulos”, se não tomarem essa atitude;
3) a dos “que se valem dos progressos da ciência para combater tudo que seja maravilhoso”, tentando desse modo desprestigiar as revelações divinas.
Equilíbrio, cautela e abertura de alma
Santa Bernadette Soubirous, vidente de Lourdes. Corpo incorrupto em Nevers. |
O Pe. Adolfo condena estas três atitudes como “daninhas à religião e à fé”; e, em oposição a elas, apresenta a posição que considera correta: uma atitude “ao mesmo tempo de equilíbrio, de cautela e abertura de alma face às visões e revelações” (18).
O conselho do Apóstolo São Paulo sintetiza eximiamente essa verdadeira atitude em relação às revelações e outros fenômenos místicos extraordinários como as profecias: “Não extingais o Espírito (Santo). Não desprezeis as profecias. Examinai tudo; retende o que for bom” (I Tes. 5, 19-21). Ou seja, é preciso evitar de pecar por demasiada credulidade como por ceticismo excessivo.
Aplicação às profecias do século XX
As revelações e profecias de Nossa Senhora de Fátima em 1917, com sua severa Mensagem de advertência sobre os males do mundo contemporâneo, suscitaram, como era de esperar, antipatias e rejeições nos ambientes comunistas e socialistas, e mesmo entre elementos da chamada esquerda católica.
Ainda hoje, nesses meios, se procura desprestigiar de todos os modos essa Mensagem. Sem embargo, o católico que acredita nas revelações de Fátima está longe de poder ser acoimado de crédulo ou leviano, tão grande tem sido o apreço manifestado pelos Romanos Pontífices, inclusive S.S. João Paulo II, bem como por incontáveis Prelados do mundo inteiro, ao culto de Nossa Senhora de Fátima (19).
O Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, grande devoto de Nossa Senhora de Fátima e propagador de sua celestial Mensagem, afirmou que a Providência suscitou grandes Santos para anunciar certas catástrofes ocorridas na história da Cristandade: Santo Agostinho, São Vicente Ferrer, São Luís Maria Grignion de Montfort...
Porém, os tempos contemporâneos -- que parecem na iminência de um novo castigo, de um grande perdão para os pecadores sinceramente arrependidos e de triunfo dos mais gloriosos para a Santa Igreja -- têm um grande privilégio: foi a própria Mãe de Deus que veio falar advertindo os homens e prometendo sua vitória final!
__________________Notas:1) Eventualmente, em posteriores edições poderemos abordar outros aspectos de tão importante matéria.2) Cfr. José Ma. Navalpotro, Cómo distinguir cuándo es una aparición de la Virgen -- La Iglesia, prudente ante la proliferación de estos fenómenos”, “Palabra”, nº 361, Madri, 1-95 (36), pp. 60 ss.3) Dictionnaire de Spiritualité, verbete Révélations privées, Beauchesne, Paris, vol. XIII, col. 491.4) Cônego Auguste Saudreau, L'état mystique, sa nature, ses phases et les faits extraordinaires de la vie spirituelle, Paris, Charles Amat Ed./ Arras, Brunet Ed./ Angers, G. Grassin, Richou Frères, Ed., 2ª ed. 1921, capítulo “Avantages des Révélations privées”, itens “Faits historiques” e “Responsabilité de ceux qui dédaignent les révélations privées”, pp. 216 e ss. A essas belas páginas remetemos desde já -- a título exemplificativo -- o leitor interessado em aprofundar o tema.5) Pe. J.-H. Nicolas OP, Les révélations privées: La foi et les signes, VVS, t. 7, 15-5-53, p. 139; Dictionnaire de Spiritualité, verbete Révélations privées, vol. XIII, col. 491.6) Pe. Augustin Poulain, Des Grâces d'Oraison -- Traité de Théologie Mystique, Beauchesne, Paris, 1909, p. 337.7) Pe. Juan G. Arintero OP, La evolución mística, Madrid, BAC, 1952, pp. 678-679; Pe. Jordan Aumann, OP, La credibilidad de las revelaciones privadas, Teología Espiritual -- Revista cuatrimestral de los estudios generales dominicanos de España, nº 7, Valencia, vol. 3, 1/4-59, vol. III, p. 44.8) Pe. Daniel Iturrioz SJ, Revelaciones privadas, Estudios Eclesiásticos, nº 145, Madri, vol. 38, 4/6-63, p. 181.9) Pe. J. Forget, Dictionnaire de Théologie Catholique, verbete Apparitions, vol. I, 2ème partie, cols. 1691-1692.10) Pe. Antonio Royo Marín, Teología de la Perfección Cristiana, BAC, Madrid, 1958, p. 916.11) Plinio Corrêa de Oliveira, Guerreiros da Virgem -- A réplica da autenticidade, Editora Vera Cruz, São Paulo, 12-85, p. 167.12) Pe. Ad. Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1961, p. 722.13) Op. cit., idem, pp. 717-718.14) Op. cit., idem, p. 719.15) Pe. Antonio Royo Marin, OP, Teología de la Perfección Cristiana, pp. 823-824.16) Pe. Tanquerey, op. cit., idem, p. 720.17) O sacerdote carmelita se baseia na classificação do Dr. Alain Assailly sobre o homem moderno face ao “merveilleux”, na obra Medicine et Merveilleux, Paris, 1956, capítulo 2, “L'homme d'aujourd'hui face au problème du merveilleux”, pp. 49-69.18) Pe. Adolfo de la Madre de Dios OCD, Aportaciones de la psicología al problema de las visiones y revelaciones, revista “Salmanticensis”, Salamanca, 1958, vol. 5, p. 608.19) Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, Guerreiros da Virgem -- A réplica da autenticidade, Editora Vera Cruz, 12-85, pp. 167-169, onde o autor transcreve uma relação de manifestações de apôio da Santa Sé e de altos Prelados romanos à devoção a Nossa Senhora de Fátima.
(Fonte: Gonçalo Guimaraes Acquistapace, CATOLICISMO, Agosto de 1997)
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