[…] Do mal que padece a religião não há ninguém, animado pelo
zelo da glória divina, que não investigue as causas e razões, sucedendo porém
que, como cada qual as encontra diferentes, propõe diferentes meios, segundo a
sua opinião pessoal, para defender e restaurar o reinado de Deus na terra.
Não prescrevemos, Veneráveis Irmãos, outros juízos, mas estamos
com os que pensam que a atual depressão e debilidade das almas, de que resultam
os maiores males, provêm, principalmente, da ignorância das coisas divinas.
[...] Necessidade
de instrução. Citando Bento XIV: “Afirmamos que a maior parte dos
condenados às penas eterna padecem sua perpétua desgraça por ignorar os
mistérios da fé, que necessariamente se devem saber e crer para que alguém se
conte entre os eleitos. (Instit. 27,18).
[...] Efeitos
da doutrina. A
doutrina cristã nos faz conhecer a Deus e o que chamamos suas infinitas
perfeições, muito mais profundamente que as faculdades naturais. Mais: ao mesmo
tempo, manda-nos reverenciar a Deus por obrigação de fé, que se refere à razão;
por dever de esperança, que se refere à vontade; e por dever de caridade, que
se refere ao coração, com o que deixa todo o homem submetido a Deus, seu
Criador e moderador. Da mesma maneira, só a doutrina de Jesus Cristo põe o
homem de posse da sua verdadeira e nobre dignidade, como filho que é do Pai
Celestial, que está no céu, e que o fez à sua imagem e semelhança para viver
com Ele eternamente feliz. Mas, desta mesma dignidade e do conhecimento que
delas se há de ter, infere Cristo que os homens devem amar-se mutuamente como
irmãos e viver na terra como convém aos filhos da luz: não
em glutonarias e na embriaguez, não em desonestidades, não em contendas e
emulações [Rom. 13,13]. Manda, igualmente, que nos
entreguemos nas mãos de Deus, que cuida de nós; que socorramos o pobre, façamos
bem aos nossos inimigos e prefiramos os bens eternos da alma aos perecedouros
do tempo. E, ainda que não tratemos tudo pormenorizadamente, não é por acaso
doutrina de Cristo a que recomenda e prescreve ao homem soberbo a humildade,
origem da verdadeira glória? Todo aquele, pois, que se fizer pequeno, esse será o maior no
reino dos céus [Mat.18,4]. Nesta celestial doutrina,
ensina-se-nos a prudência do espírito, para que nos guardemos da prudência da
carne; a justiça, para dar a cada um o que é seu de direito; a fortaleza, que
nos dispõe a sofrer e padecer tudo generosamente por Deus e pela eterna
bem-aventurança enfim, a temperança, que não só nos torna amável a pobreza por
amor de Deus, mas, em meio a nossas humilhações, faz com que nos gloriemos na
cruz. Depois, graças à sabedoria cristã, não só nossa inteligência recebe a luz
que nos permite alcançar a verdade, mas também a própria vontade se enche
daquele ardor que nos conduz a Deus e nos une a Ele pela prática da virtude.
Longe estamos de afirmar que a malícia da alma e a corrupção dos costumes não
possam coexistir com o conhecimento da religião. Quisera Deus que a experiência
não o demonstrasse [o contrário] com tanta freqüência. Mas entendemos que,
quando ao espírito envolvem as espessas trevas da ignorância, nem a vontade
pode ser reta, nem são os costumes. Aquele que caminha de olhos abertos poderá
afastar-se, não se nega, do rumo reto e seguro; mas o cego está em perigo de
perder-se. Ademais, quando não se está inteiramente apagada a chama da fé, ainda
resta a esperança de que se elimine a corrupção dos costumes; mas quando à
depravação se junta a ignorância da fé, já não resta lugar a remédio, e
permanece aberto o caminho da ruína.
O
primeiro ministério. [...] Apascentar é, antes de tudo, doutrinar: Eu
vos darei pastores segundo o meu coração, os quais vos apascentarão [Jer.
3,15]. E
por isso, dizia também o apóstolo São Paulo: Cristo não me enviou a batizar, mas a pregar [1Cor. 1,17], advertindo
assim que o principal ministério de quantos exercem de alguma maneira o
governo da Igreja consiste em ensinar aos fiéis as coisas sagradas.
[...] Importa muito,
irmãos, assentar bem aqui – e insistir nisso – que para
todo e qualquer sacerdote é este o dever mais grave, mais estrito, a que está
obrigado. Porque quem negará que, no sacerdote, à santidade de vida deve
estar unida a ciência? Os lábios do sacerdote serão os guardas da ciência [Mal. 2,7]. E, com efeito,a Igreja rigorosamente a exige de quantos aspiram a ordenar-se
sacerdotes. E por quê? Porque o povo cristão espera receber dos sacerdotes
o ensino da divina lei, e porque Deus os destina a propagá-la. Da
sua boca se há de aprender a lei, porque ele é o anjo do Senhor dos exércitos
[Ibid.].Por isso, no momento da ordenação, diz o bispo, dirigindo-se aos
que vão ser consagrados sacerdotes: Que vossa doutrina seja o remédio espiritual para o povo de Deus;
que todos sejam previdentes colaboradores de nosso encargo, de modo que,
meditando dia e noite acerca da santa lei, creiam naquilo que leram e ensinem
aquilo em que creram [Pontif. Rom.].
Disposições
da Igreja. Por isso, o
sacrossanto Concílio de Trento, falando aos pastores de almas, declara que a
primeira e maior de suas obrigações é a de ensinar o povo cristão.
Instrução
popular. [...] Não ignoramos, em verdade, que este método de ensinar a doutrina
cristã não é grato a muitos, que o estimam insuficiente e talvez impróprio para
atrair o louvor popular; mas Nós declaramos que semelhante juízo pertence aos
que se deixam levar pela ligeireza mais que pela verdade.
[...] o ensino catequético,
conquanto simples e humilde, merece que se lhe apliquem estas palavras que
disse Deus por Isaías: E assim como desce do céu a chuva e a neve, e não voltam mais para
lá, mas embebem a terra, e fecundam-na e fazem-na germinar, a fim de que dê
semente ao que semeia, e pão ao que come; assim será a minha palavra que sair
da minha boca; não tornará para mim vazia, mas fará tudo o que eu quero, e
produzirá os efeitos para os quais a enviei [Is. 55,10,11]. [...] Mas
o ensino da doutrina cristã, bem feito, jamais deixa de aproveitar aos que o
escutam.
Se
é coisa vã esperar colheita em terra não semeada, como esperar gerações
adornadas de boas obras se oportunamente não foram instruídas na doutrina
cristã? Donde
justamente concluímos que, se a fé enlanguesce em nossos dias até quase parecer morta em uma
grande maioria, é porque se cumpriu descuidadamente, ou se descumpriu de todo,
a obrigação de ensinar as verdades contidas no Catecismo.
[...] Observai, rogamo-vos
e pedimos, quão grandes estragos produz nas almas a ignorância das coisas
divinas. Talvez tenhais estabelecido em vossas dioceses, muitas obras úteis e
dignas de louvor, para o bem de vossa grei; mas com preferência a todas elas, e
com todo o empenho, afã e constância que vos sejam possíveis, buscai
esmeradamente que o conhecimento da Doutrina cristã penetre por completo na
mente e no coração de todos. Comunique cada um ao próximo – repetimos com o
apóstolo São Pedro – o dom que recebeu, como bons dispensadores da multiforme graça de
Deus [1Pet. 4,10].
Fonte: Communio et Traditio
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