O padre Jean-Marie Humeau, pároco de Taverny (Val-d’Oise), responsável
diocesano da pastoral dos funerais, não titubeia em dizer que, em Essonne, “os
funerais civis já são 50%”, acrescentando: “Quando a Igreja propõe, a proposta
é acolhida”.
Para Patricia Duchesne, leiga católica, encarregada por Dom Pascal Delannoy (bispo
de Saint-Denis) de ‘administrar’ esse trabalho, “estamos no extremo limite da
diminuição do cristianismo na França”. Por isso, paradoxalmente, ela vê a sua ‘capelania’
como “uma porta de entrada na Igreja” [sic! sic! sic!].
Mathieu, conservador do ”Jardim da Recordação”, constata a “substituição
do princípio da imortalidade da alma pelo nosso próprio princípio de
imortalidade”. Segundo ele, com o cancelamento das concessões perpétuas,
passamos da ‘última morada’ para o ‘último hotel’...
Mais uma pavorosa faceta da autodemolição da Igreja.
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Cemitérios da França se adaptam à laicização da morte. Em cada cova de
cinzas de cremação, uma árvore, e nenhum símbolo religioso
Cemitérios da França se adaptam à laicização da morte. Em cada cova de cinzas de cremação, uma árvore, e nenhum símbolo religioso (Reprodução) |
As cinzas humanas estão lá, espalhadas ao pé das árvores. A poucos passos da entrada do cemitério intermunicipal de Joncherolles (Seine-Saint-Denis), na França, perto do crematório, que recebendo 1.200 corpos por ano, o “Jardim da Recordação” tem uma atmosfera de tranquilidade.
A reportagem é de Frédérique Mounier, publicada no jornal La Croix, 29-10-2013. A
tradução é de Moisés Sbardelotto.
Desejado em todos os municípios de mais de 2.000 habitantes pela lei de
19 de dezembro de 2008, relativa à cremação, já como parte preponderante das
exéquias, o "Jardim da Recordação" de
Joncherolles conheceu uma evolução interessante.MathieuLegrand, seu
conservador, a explica: “Teoricamente, as cinzas devem ser derramadas no ‘poço
das cinzas’”.
O poço, fechado por uma plataforma de pedras, é cercado por um memorial
composto por placas nominativas que lembram a identidade dos falecidos. Mas eis
que “as árvores se tornaram sepulturas. É um modo diferente de viver o luto”,
constata o conservador. Como explica Annie Paggetti, diretora do crematório, “a
cremação não significa nem o desaparecimento do vínculo, nem do lugar”. Ela não
acredita na “privatização das cinzas”, muitas vezes denunciada.
O cemitério de Joncherolles, com seus 25 hectares, com 14 mil lugares,
pulmão verde prensado entre as oficinas de conserto ferroviário, armazéns e uma
zona industrial, é uma vitrine as mudanças ignoradas por muitos da paisagem
funerária francesa. Estando situado no
departamento 93 (Seine-Saint Denis), a primeira religião dos “seus” defuntos é
o Islã. E das 9.000 sepulturas não muçulmanos e não judias, 7.500 não
apresentam nenhum sinal religioso.
O cálculo foi realizada por
Patricia Duchesne, responsável pela ‘capelania’ do cemitério, única na França. O seu escritório,
sóbrio e sem símbolos religiosos, fica ao lado do de Annie Paggetti. A sua
constatação: “Realizamos 300 cerimônias religiosas por ano. Ou seja, 25% do
total. Para as pessoas que vêm aqui, as palavras ‘paróquia’, ‘padre’,
‘sacramento’ não têm nenhum sentido. Muitas vezes, estão abatidos, destruídos,
feridos. Elas nos dizem: ‘Ajudem-me apesar de tudo, salvem-me embora eu não
creia’. Nesse sentido, estamos aqui como a Igreja fora da Igreja, como missionários
às margens”.
Evidentemente, ela acha muito importante o convite do Papa Francisco de
ir às periferias. Para essa leiga encarregada por Dom Pascal Delannoy, bispo de
Saint-Denis, “estamos no extremo limite da diminuição do cristianismo na
França”. Por isso, paradoxalmente, ela vê a sua capelania como “uma porta de
entrada na Igreja”.
Do outro lado da França, o arquiteto Marc Barani, prêmio nacional de
arquitetura de 2013, se apaixonou pelos cemitérios: “Eu poderia construí-los
por toda a vida!”, diz ele hoje. Por quê? Porque, retornando de um ano no
Nepal, ele renovou em 1992 o cemitério de Roquebrune-Cap Martin
(Alpes-Maritimes), justamente onde está enterrado o seu grande “colega” Le
Corbusier.
Impressionado pela continuidade oriental entre a morte e a vida, o
arquiteto lamenta, no Ocidente, “a dificuldade de se estabelecer em um tempo
longo”, “a aceleração do tempo ligada à negação da morte, que se tornou inominável”
e “o abandono da arte funerária”.
Ele constata a “substituição do princípio da imortalidade da alma pelo
nosso próprio princípio de imortalidade: com o cancelamento das concessões
perpétuas, passamos da ‘última morada’ para o ‘último hotel’”. Ele nota que “a
desagregação das famílias não favorece a unidade de tempo e de lugar”. E vê na
explosão da cremação “um modo de matar a morte mais rapidamente, simplesmente
porque a decomposição dos corpos dá medo”.
Ainda em 2002, o sociólogo
Jean-HuguesDechaux tinha entrevisto o “processo de intimização” do funeral: “A
morte, desritualizada, diz respeito cada vez mais à subjetividade de cada um.
Ela não encontra outro modo para se expressar socialmente do que a partir da
experiência íntima. Daí deriva a regressão dos ritos antigos, que afiliam e
celebram uma passagem, regulando socialmente uma expressão da dor”.
O padre Jean-Marie Humeau, pároco de Taverny (Val-d’Oise), responsável
diocesano da pastoral dos funerais, não compartilha essa severidade. Certamente,
de acordo com a doutrina da Igreja, que, depois do Concílio Vaticano II, não
condena mais a cremação, mas não a favorece, ele explica: “Destruir o corpo que
foi o templo do Espírito com um ato voluntário não é a mesma coisa que pô-lo na
terra, continuando assim a obra da criação”. No entanto, constatando que em
Essonne “os funerais civis já são 50%”, ele continua: “Quando a Igreja propõe,
a proposta é acolhida”.[SIC! SIC! SIC!]
Ele vê nisso duas condições: “Tudo depende da iniciativa deixada aos
leigos formados e responsáveis pela pastoral dos funerais”, que hoje são cerca
de uma centena em cada diocese. E, acima de tudo, da presença da Igreja nos
crematórios, sabendo que alguns bispos e alguns responsáveis desses locais de
incineração manifestam uma oposição real a tal presença.
Em Joncherolles, MathieuLegrand, não está preocupado: “Os cemitérios não
vão desaparecer. Eles vão se transformar, vão se adaptar à demanda de cremação, às cerimônias civis, tornando-se mais
‘paisagísticos’”. Uma constatação compartilhada pela sua “capelã”,
PatriciaDuchesne, que já constata essa transformação.
Os profissionais do ato fúnebre, atentos à evolução desse que também é
um mercado, além disso, não estão isentos de sentido espiritual. Prova disso é
a qualidade formal das “salas de
apresentação”, das “salas de entrega da urna” ou das “salas conviviais”
(abertas às famílias durante a cremação) oferecidas às famílias, aos
parentes e amigos dos falecidos no cemitério de Joncherolles. A equipe dos
gestores enfatiza a “acolhida vivida como cuidado”, observaAnnie Paggetti. Discursos, projeção de fotos e vídeos, e
música já pontuam as cerimônias civis, que são as mais numerosas.
Daí deriva a insistência do padre Humeau: “Muitas vezes, essas
lembranças sevoltaram ao passado. Quando nos pedem uma celebração católica, nós
propomos às famílias que façam essas lembranças no início do rito, porque ele
tem o objetivo de abrir para o futuro”.
Tradução: Moisés Sbardelotto, IHU On-line
Fonte: Pragmatismo Político
Fonte: Pragmatismo Político
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