Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
15 de Novembro
PENITÊNCIA PELOS
MORTOS
Um meio de socorrer
as almas
Somos obrigados a
fazer penitência se quisermos salvar nossa alma. Só há dois caminhos para entrar
no céu: o da inocência e o da penitência. Nosso Senhor dos adverte: “Se não
fizerdes penitência, todos vós igualmente perecereis”. Ora, a penitência, além
de nos ser necessária, é muito meritória, e a podemos aplicar em sufrágio das
pobres almas do purgatório. Tiraremos duplo proveito: nossa santificação e o
alívio das almas sofredoras.
O sofrimento junto
com a prece tem uma eficácia extraordinária para alcançar de Deus todas as
graças. Outrora, vemos na Escritura, quando os Profetas e o povo de Deus
desejavam obter do céu misericórdia ou graças, entregavam-se aos jejuns,
cilícios e austeridades. Nossa penitência aqui é muito meritória. Soframos
pelos mortos!
“Aliviemos as almas
do purgatório, diz São João Crisóstomo, aliviemo-las por tudo o que nos penaliza,
porque Deus tem cuidado em aplicar aos mortos os méritos dos vivos”. Escreve Berlioux: “O sofrimento é a
grande satisfação que o Senhor pede aos devedores da Justiça. Logo, soframos pelos
nossos mortos, a fim de que eles sofram menos. Oh! Se tivéssemos uma fé mais
viva, uma caridade mais ardente, que mortificações nos imporíamos a nós mesmos
para libertar nossos parentes e amigos do purgatório, eles que tanto nos amaram,
que sofreram talvez por nós e estão agora sofrendo de uma maneira tão horrível!
Já que não somos capazes de tamanhas penitências como os santos, tenhamos
generosidade para alguns pequenos sacrifícios. O sacrifício de um prazer, de
uma afeição perigosa, de uma leitura má, de uma vaidade, etc”. “Escolhei a melhor
vítima, aconselha o Pe. Felix, S.J., escolhei-a, sobretudo, no fundo de vosso
coração”. “Por aqueles que amais, sacrificai o que tendes de mais caro.
Sacrificai-vos a vós mesmos, e que o preço do sacrifício pessoal se torne o
resgate do sofrimento”. “Ah! vejo, acrescenta o Padre Berlioux, vejo essas
almas felizes elevarem-se para o céu, nas asas de nossos sacrifícios, de nossas
austeridades e sofrimentos!”.
Que objeto de
consolação e de esperança! Ó, meu Deus! Ó, Jesus Crucificado, fazei-nos
compreender o valor do sofrimento!
Aceitação da cruz
pelas almas
A idéia da penitência
dos Santos e das grandes austeridades nos assustam, mas não podemos oferecer a
Nosso Senhor a cruz de cada dia pelos nossos mortos? Quem não tem a sua cruz?
O sofrimento é
fecundo e vai frutificar além das fronteiras da vida, vai aliviar as chamas do
purgatório. Nesta vida faz tanto bem e repercute tanto nas almas! Pois devemos
crer que também na outra vida o sofrimento salva e
resgata a dívida das pobres almas da Igreja padecente. Ouvi esta página de uma
grande alma: “O sofrimento, escreve a admirável Elizabeth Leseur, o
sofrimento atua de um modo impetuoso em nós, primeiro, por uma espécie de
renovamento íntimo, em outros também, talvez muito longe e sem que saibamos
neste mundo o trabalho que fazemos por eles. O sofrimento é um ato. Cristo fez
mais na cruz pela humanidade do que falando e trabalhando na Galiléia ou em Jerusalém.
O sofrimento faz a vida: ele transforma tudo o que toca e tudo o que atinge”.
“O sofrimento é um
ato”.
Que fórmula impressionante! Convém guardá-la. Trabalha quem sofre bem. Pode
salvar almas como o apóstolo da palavra, como o sacerdote missionário mais
ativo e ardente. A grande missionária dos últimos tempos, o Anjo do Carmelo de Lisieux, pôde dizer e
experimentou o valor do sofrimento pela salvação das almas. “Pelo sofrimento e a
perseguição,
disse ela, muito mais que por brilhantes pregações, Deus
quer firmar o Seu Reino nas almas. Nossos sacrifícios,
nossos esforços e os mais obscuros de nossos atos não estão perdidos, é minha
opinião absoluta: todos têm repercussão longínqua e profunda”.
Sim, o sofrimento tem
uma repercussão tão longínqua e profunda que vai até o purgatório, vai aliviar
os tormentos das pobres almas, vai ajudá-las a pagar a dívida que contraíram
com a Justiça Divina, vai abrir-lhes as portas do céu! Há em família tantas
cruzes cotidianas, doenças, aborrecimentos, revezes, tanta coisa que nos vai
crucificando todo dia! Por que não aproveitar tudo isto pelas almas? Ó, meu
Deus, digamos na hora da dor, seja tudo por vosso amor e para o alívio das
pobres almas! Se não temos coragem para grandes penitências, pelo menos aceitemos
a de cada dia pelo purgatório.
Vítimas pelas almas
Há muitas almas
generosas que chegam ao heroísmo de se oferecerem como vítimas pelas almas do
purgatório. É um ato heroico e um meio extraordinário que não podemos
aconselhar a todos, mas que só algumas almas generosas com aprovação do confessor
e em circunstâncias especiais o poderiam fazer.
Pertencemos a família
cristã, somos membros de Cristo, somos um com Cristo e em Cristo. Ele é a cabeça
e somos os membros. Ora, em uma família um irmão não pode se oferecer para
pagar a dívida de outro irmão? É o que faz a alma vítima que se oferece para sofrer
pelas almas do purgatório.
Temos tocantes
exemplos desta oferta generosa entre os Santos. Quando Santa Catarina de Sena perdeu o pai,
que era um homem de uma piedade edificante, pediu a Nosso Senhor que o levasse
logo, sem demora, para o céu e que ela se oferecia para sofrer tudo quanto
tivesse ele de padecer no purgatório. “Enviai-me, Senhor, os sofrimentos que
deveria padecer meu pai; eu os suportarei por ele!” Este ato generoso e
heroico obteve o céu para Giacomo — conta Joergensen[1]. Todos soluçavam na morte do velho e uma alegria imensa
invadia a alma da Santa. Ela mesma colocou no caixão o corpo do pai e, inclinada
sobre aquela face pálida, murmurava: “Ó, se eu pudesse estar agora onde
estás!”.
Um sofrimento
horrível invadiu a alma de Santa Catarina de Sena. Era uma dor terrível, acompanhada
de uma doce paz. Compreendeu ela que seria a dor das almas do purgatório.
Outro exemplo de
vítima pelas almas nos deu esta Santinha ainda há pouco canonizada, Santa Gema
Galgani. Ofereceu-se pela conversão dos pecadores e pelas almas do purgatório.
Um dia, diz ela, sofri durante duas horas em favor de uma alma do purgatório. Tinha
a cabeça dolorida, que o menor movimento me era insuportável. Era terrível!
Gema soube que uma religiosa Passionista do Mosteiro de Corneto estava para morrer.
Ela pediu a Nosso Senhor que desejaria pagar a dívida da Divina Justiça por
aquela alma, a fim de que entrasse logo no céu. O Senhor ouviu-a. A Irmã
faleceu e pouco depois apareceu a Gema, dizendo estar sofrendo muito no
purgatório. A Santa não teve sossego. Fez toda sorte de penitência e
clamava: Jesus, salvai-a! Jesus, mandai logo
para o céu nossa Irmã!
Durante dezesseis
dias consecutivos os sofrimentos de Gema foram incríveis. Finalmente, chegou
a hora da libertação. A Irmãzinha aparece a Gema, livre do purgatório: Sou feliz, vou para
meu Jesus para sempre! Agradeceu e partiu para o céu[2].
Contam-se inúmeros
fatos de penitências extraordinárias dos Santos pela libertação das almas do
purgatório. São Nicolau de Tolentino, o Anjo do
purgatório,
jejuava e tomava sangrentas disciplinas pelo purgatório. Santa Margarida Maria fazia o mesmo com
uma grande generosidade e heroísmo. Que disciplinas sangrentas e que
sofrimentos pelas almas!
Se não podemos imitar
o heroísmo dos Santos, saibamos pelo menos oferecer algum sacrifício pelas
pobres almas, pelos nossos defuntos queridos.
Exemplo
O Padre Mateus
Leconte, O.P., e o purgatório
Em 1887 morreu, em
Jerusalém, o célebre Padre Dominicano, Frei Mateus Leconte, homem de grande
talento e de uma virtude admirável. Foi um missionário que converteu muita
gente em pregações pelas principais cidades da Europa. Quis, depois de uma vida
apostólica cheia de méritos, recolher-se na Cidade Santa e fundar lá um
convento da sua Ordem rio lugar onde foi martirizado o protomártir Santo Estevão.
Caiu gravemente enfermo e foi transportado para um hospital, onde esteve sob os
cuidados de uma santa religiosa que fora sua dirigida espiritual longos anos,
outrora. O piedoso Frei Mateus se assustava com as
contas que havia de dar a Deus no tribunal do Juízo.
– Meu padre,
consolava-o a enfermeira, fizestes tanto bem com vossa pregações e salvastes
tantas almas! Que podeis temer?
— Ó, minha filha,
respondia o bom padre, não basta fazer boas obras, é mister fazê-las bem feitas
e com muita pureza de intenção! Quando eu morrer, reze muito e muito por mim...
— Rezarei, sim, meu
padre, e se um dia não precisar mais, venha me avisar.
— Minha filha,
responde sorrindo o Padre Mateus da simplicidade da Irmã, não é assim tão
fácil voltar a este mundo. Em todo caso, prometo ajudá-la quando estiver no céu
pela misericórdia de Deus. Ajude-me muito a entrar no céu, socorrendo-me no
purgatório.
Poucos dias depois
falecia santamente o bom padre. Durante uma semana mais ou menos a religiosa orou muito pela alma
do Padre Mateus. Depois, ou por ocupações, ou porque pensasse que o padre tão
santo não precisasse mais de orações e sufrágios, deixou de orar por ele.
Um dia a boa
religiosa estava na cela, em trabalho, quando sentiu de repente um forte
cheiro de fumaça e alguma coisa que se queimava e muita fumaça insuportável. Em
meio do fumo ouviu um gemido angustioso e terrível, que a gelou toda de horror.
— Minha filha! Minha
filha! Reze muito por mim, reze muito por mim!
E tudo desapareceu
num instante. Quinze dias depois, o mesmo fenômeno se repete, mas já não com
tanta intensidade. A religiosa, neste espaço de tempo, rezou e sofreu muito
pela alma que lhe pedira orações. Desta vez, a voz misteriosa lhe disse: muito
agradecido, minha filha, as tuas orações me aliviaram muito, foram um
refrigerante orvalho nas chamas do purgatório que estou padecendo. Eu te peço
uma caridade: a de dizer ao Prior do Convento que fundei, mande celebrar uma
novena de Missas pela minha alma.
A religiosa, sem
hesitar, foi transmitir o recado ao Superior. Este recebeu-a com certa desconfiança,
julgando se tratasse de uma visionária. Em todo caso, pensou ele, uma novena de
Missas por alma do Padre Mateus não lhe fará mal. E sem demora mandou
celebrar as Santas Missas.
No último dia da
novena, depois de celebrada a última Santa Missa, o Padre Guardião e os religiosos,
após as últimas orações da noite, se retiraram para suas celas. Um Irmão
Leigo, homem muito equilibrado e de um temperamento positivo, nada sujeito a
ilusões, sentiu que lhe batiam à porta da cela.
— Entre! Gritou logo.
Qual não foi o seu
espanto ao ver entrar o Padre Mateus, todo resplandecente e belo, cheio de alegria.
O defunto se adiantou para o Irmão e tal como o fazia em vida, sorriu e
perguntou com iam as coisas pelo convento.
— Tudo vai bem, Padre
Mateus, só as saudades de V. Revma. e a falta que nos faz...
— Coragem, diz o
defunto, eu agora parto para o céu e lá vos serei mais útil do que neste mundo.
E estendeu a mão,
apertando a mão do leigo com tanta força, que este sentiu por muitos dias este
aperto. E Frei Mateus desapareceu num halo de luz.
O Irmão, comovido,
quis acordar o Superior e a Comunidade àquela hora. O Superior ouviu-o e conferindo
as datas e as circunstâncias, e atendendo ao espírito equilibrado do Irmão
leigo, viu que se tratava de uma verdadeira aparição. Louvou a misericórdia
de Deus por ter mandado sufragar a alma do santo sacerdote, segundo o pedido
da Irmã. — (Il purgatorio — I nostri morti — Luigi Falletti, S.M.).
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