Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags
Casa da U.P.C.
Pouso Alegre
18
de Novembro
O ATO HERÓICO
Que
é o “ato heróico”?
“É
o ato que consiste em oferecer à Divina Majestade, em proveito das almas do
purgatório, todas as obras satisfatórias que fizermos durante a vida e todos os
sufrágios que forem aplicados pela nossa alma depois da nossa morte”.
Tal
é a definição autêntica deste ato aprovado oficialmente pela Igreja e
indulgenciado. Chama-se heróico, porque realmente
exige uma abnegação de todos os tesouros que possamos lucrar com nossas boas
obras e contém uma renúncia de todos os sufrágios que oferecerem por nossa alma
depois da nossa morte, em favor das almas do purgatório. Este ato há de ser
feito, para ser válido, em perpétuo. É irrevogável na intenção de quem o faz.
Não obriga sob pena de pecado. Se alguém, a quem faltou generosidade ou teve
receio de se privar de sufrágios depois da morte, quis de novo adquirir para
si as suas obras satisfatórias, renunciou ao voto heróico, não comete pecado
nem mortal nem venial.
Pelo
ato heróico não renunciamos o mérito de nossas boas obras, isto é, o que nos dá
nesta vida um acréscimo da graça e a glória no paraíso. Este merecimento é
nosso e não o podemos perder nem dá-lo aos
outros. O ato heróico é uma obra muito meritória, e este mérito de uma obra
tão bela e heroica não o podemos perder. Só o mérito do ato heróico quanto não
vale para nossa alma! Este mérito não o perdemos. Depois desta obra
satisfatória, tudo o mais que fizermos será das almas do purgatório. Desde que
fazemos o ato heróico, todas as indulgências que lucramos são das almas. Tudo
que de bom possamos fazer e ter mérito e lucrar alguma coisa será do purgatório,
direito e propriedade das almas. É uma renúncia total. Só a indulgência
plenária da hora da morte não pode ser oferecida para as almas e será nossa,
porque não é aplicável aos defuntos.
O
ato heróico não impede de rezar nas próprias intenções e pelos mortos. Quando
fazemos um ato de penitência e de oração, por exemplo, recitando um terço de
joelhos, há neste ato, para falar uma linguagem teológica, três frutos
diferentes: um fruto meritório que não o podemos perder é o mérito pessoal de
quem o pratica — o valor satisfatório do ato que é a penitência, o sacrifício
feito, e este é para as almas é do ato heróico — e finalmente, uma força
impetratória que é da oração como oração. A oração é uma força e Deus prometeu
ouvi-la. O ato heróico não nos impede utilizar a força impetratória da oração.
Quem
faz o ato heróico é como um religioso que fez o voto de pobreza: tudo o que
ganha não lhe pertence. A diferença é que o voto de pobreza obriga em consciência
e o ato não. O abandono que a alma generosa faz em favor das almas do
purgatório é feito, em geral, por todas e nunca em favor de uma ou outra alma.
O ato heróico não impede que se ore por esta ou aquela alma em particular e se
ofereça a Nosso Senhor muito sufrágio pelos nossos mortos queridos.
Não
pode tudo isto ser feito na oferenda geral que fizermos a Deus?
Origem
do ato heróico
O
ato heróico em si, não é uma devoção nova na Igreja, como pretendem alguns. Em
séculos passados, muitos homens de grande santidade e grandes almas generosas
ofereceram a Deus seus tesouros de obras satisfatórias em favor das pobres
almas do purgatório. Santa Gertrudes, Santa Catarina de
Sena, Santa Liduina e muitos outros santos tiveram esta
generosidade. Santa Teresa fez este ato em favor
de um mestre espiritual, o Provincial dos Carmelitas, falecido, e ela
libertou-o do purgatório com suas orações. Todavia, consideramos como fundador
e apóstolo do ato heróico o Pe. Gaspar Olinden, clérigo regular
dos Teatinos. Este sacerdote piedoso tinha uma devoção muito grande pelo
Purgatório e sua grande preocupação e todo seu zelo ardente o empregava em
favor das pobres almas. Lembrou-se deste ato heróico, desta oferenda generosa a
Deus em favor do purgatório e apresentou-o ao Santo Padre Bento XIII, que não só o
aprovou, mas o enriqueceu de indulgências e privilégios. Depois, todos os
Pontífices confirmaram a aprovação e estimularam e abençoaram tão belo ato.
Bento
XIII,
não contente de aprovar o ato heróico, ainda fez publicamente, e do púlpito, a
entrega de todos os seus bens espirituais pelos mortos, como se pode ver nos
sessenta sermões que pregou sobre este assunto.
Naquela
época viram-se Ordens inteiras recomendarem o ato heróico. O Superior Geral da
Companhia de Jesus mandou recomendá-lo a todos os seus súditos. O Pe.
Ribadanera piedoso hagiógrafo propagou muito o ato heróico e o Pe. Nierenberg. O Pe. de Montroy, no leito de morte,
não só deu às almas o mérito de todas as obras satisfatórias feitas em vida,
mas a sua caridade se estendeu além. Fez um testamento sublime, diz o Pe. Faber “que não sei de outro
igual”: cedeu sem exceção para as almas do purgatório todos os méritos,
orações, Missas, indulgências que a Companhia de Jesus costuma aplicar aos
seus membros defuntos, todos os sufrágios que seus amigos pudessem oferecer por
ele e tudo enfim, pelas almas.
Há
muitos exemplos admiráveis de atos heróicos pelo purgatório.
Finalmente,
nos últimos tempos Nosso Senhor suscitou uma grande alma devotíssima do purgatório
e fundadora de uma Congregação religiosa especialmente destinada a sufragar as
santas almas e entregue toda a serviço do purgatório num ato heróico de
caridade. Foi a Madre Maria da Providência. Desde pequenina,
esta serva de Deus sentia grande compaixão pelas almas sofredoras. Um dia a
encontraram muito pensativa e grave em meio dos brinquedos da criançada. —
Que esta pensando? — Sabem no que penso? Disse Eugênia (tal era o seu nome no século),
eu penso numa prisão de fogo de onde não se pode sair e da qual com uma palavra
se podem tirar os prisioneiros.
As
companheiras a olharam surpreendidas. “Esta prisão de fogo é o purgatório e
com uma palavra, com a oração, podemos libertar as almas”.
Mais
tarde foi a fundadora de uma Congregação, única na Igreja, cujos membros se
oferecem a Deus pelas almas e vivem o voto heróico.
Eis
como se desenvolveu, nos últimos tempos, a bela prática do ato heróico.
Vantagens
do ato heróico
Um
ato tão generoso e que nos despoja de tantas riquezas e nos deixa até sem
sufrágios depois da morte, poderá ter vantagens, lucra muito, porventura, quem
o fez? Sim, mil vezes sim! É um engano pensar que se perde muito com o ato
heróico. Ao invés, lucra-se mil vezes mais. Deus se deixa vencer em
generosidade? Não há gratidão nas almas salvas por tão grande socorro?
O
ato heróico é um ato cheio de mérito, é um ato perfeito que nos faz esquecer de
nós mesmos para cuidar de nossos irmãos e da glória de Deus. Quem faz o ato
heróico aumenta por este ato seu grau de graça neste mundo e o grau de gloria
no outro. E o ato de caridade que pratica, não há de atrair a misericórdia
daquele Senhor que prometeu cem por um e o reino do céu ao menor bem que se faz
neste mundo por amor de Deus? “A caridade cobre a multidão dos
pecados”,
diz a Escritura, e este gesto de caridade heroica não há de obter perdão e
descontar muitos pecados de quem o faz? E a indulgência plenária que se ganha
com o ato heróico? E a indulgência plenária da hora da morte que nos pertence
e não podemos aplicá-la para ninguém? E Nosso Senhor se deixará vencer em
generosidade? Não tenha receio de sair prejudicado quem faz o ato heróico em
favor das almas do purgatório. Este heroísmo de caridade será recompensado com
superabundância de graças neste mundo e de glória no outro. Não nos preocupemos
porque não podemos dispor de nossos tesouros em favor de nossos mortos
queridos como bem entendemos. Nosso Senhor cuidará deles muito mais, e nossa caridade
lhes há de ser um refrigério tão grande no purgatório e talvez concorra para
libertá-los do purgatório muito mais depressa do que se estivessem dependendo
de nossos pobres sufrágios muita vez até esquecidos.
E
para terminar, vejamos as condições e as indulgências do ato heróico:
Para
fazer o ato heróico é mister consultar o diretor espiritual ou um prudente
confessor, procurar conhecer bem o que vai fazer e saber a responsabilidade
que assume. Não se deve fazê-lo levianamente e num momento de fervor
irrefletido. É muito sério e é preciso lembrar que é heróico! Não é prescrita
nenhuma fórmula especial. Poder-se-ia usar uma como esta: “Para vossa glória, ó
meu Deus, e para imitar o melhor possível o Coração generoso de Jesus, meu
Redentor, a fim de mostrar também minha dedicação para com a Santíssima Virgem
Maria, minha Mãe e Mãe das almas do purgatório, entrego em suas mãos todas as
minhas obras satisfatórias assim como o fruto de todas as que, porventura, se
venham a fazer por minha intenção depois de minha morte, a fim de que Ela faça
a aplicação às almas do purgatório segundo a sua sabedoria e como melhor lhe
aprouver”.
Quem faz o ato heróico pode lucrar as seguintes indulgências, aplicáveis aos
defuntos: uma indulgência plenária cada vez que
se aproxima da Comunhão nas condições do costume; visita à
igreja e oração pelo Papa. Outra indulgência plenária cada segunda-feira, ao
ouvir Missa pelos mortos. Os sacerdotes que fizerem o ato heróico
gozam do altar privilegiado pessoal em todos os dias do ano (P. P. O. 547.).
Exemplo
Um
voto heróico
Uma
donzela chamada Gertrudes, acostumara-se desde os mais tenros anos, a oferecer
por intenção das almas do purgatório todas as suas boas obras. Era tão bem
aceita esta devota prática no purgatório e no céu, que muitas vezes, o
Salvador se comprazia em designar-lhe as almas mais necessitadas. Estas,
libertadas pela sua piedosa caridade, se lhe mostravam gloriosas, para lhe
agradecerem e prometiam-lhe não esquecê-la no paraíso. Passava a vida neste
santo exercício e, cheia de confiança, via em paz aproximar-se a morte, quando
o infernal inimigo, que de tudo sabe fazer ocasião para tentar os homens,
começou a representar-lhe que ela se havia despojado de tudo e de todo mérito
satisfatório de cada boa obra e ia cair no purgatório para nele expiar em longas
penas todas as suas culpas.
Este
tormento de espírito a lançara em tal desolação, que seu Esposo celeste
dignou-se de vir consolá-la. “Por que, disse ele, ó Gertrudes, estás tão
triste e pensativa? Tu que outrora gozavas da mais perfeita serenidade?”. Ah!
Senhor, respondeu ela, em que deplorável situação me encontro! Vede, a morte se
aproxima, achando-me eu privada da satisfação das minhas boas obras, que
apliquei pelos defuntos; com que poderei pagar a dívida que contraí para com a
divina Justiça? Replicou-lhe com ternura o Senhor: “Não temas, ó querida
minha, porque ao contrário, aumentastes pela tua caridade a soma de teus
merecimentos, e não só tens bastantes para expiares as tuas leves culpas, mas
adquiristes altíssimo grau de glória na bem-aventurança eterna. É assim que
minha clemência reconhecerá com uma generosa recompensa, que cedo virás receber
no paraíso a tua dedicação pelos defuntos”.
Desapareceu a estas palavras, e a alma de Gertrudes foi incendiada de um novo fervor e de um ardente desejo de socorrer as almas dos defuntos.
Desapareceu a estas palavras, e a alma de Gertrudes foi incendiada de um novo fervor e de um ardente desejo de socorrer as almas dos defuntos.
Enchamo-nos
também de zelo e caridade para com essas almas, que rico galardão está
prometido nos céus aos nossos esforços (Dyon, Cart. de nonviss. apud P. Mart.
de Rox de statu animarum, cap. 20.).
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