DESTAQUE
Sobre um cálice
descoberto nas Catacumbas, se lê esta inscrição em letras douradas: “Vito, vive
em nome de Lourenço”; em outro, no mesmo sentido, se lê: “Eliano, vive em Jesus
Cristo e São Lourenço”, ou seja, vive na graça de Jesus Cristo, pela intercessão
de São Lourenço.
O culto público
dado aos santos está doravante provado pelo fato incontestável que davam aos
mártires mais ilustres, por um tipo de canonização, títulos honoríficos em uso
na Igreja, por exemplo: “Senhor, Poderoso intercessor diante do trono de
Deus, DOMINVS, DOMNVS ou simplesmente D.”
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Os monumentos que possibilitarão que façamos uma ideia exata da Igreja primitiva são os monumentos fúnebres.
Esta circunstância
vai determinar a direção de nossas pesquisas. Estas pesquisas estarão
naturalmente circunscritas pelo dogma que tem maior relação com a
destinação das Catacumbas, a saber, a comunhão dos santos, ou seja, a Igreja triunfante, a Igreja padecente e
a Igreja militante.
As almas dos mortos
que morreram na graça divina estão, segundo o ensino da Igreja católica, juntas
de Deus; sua morada foi estabelecida na paz do céu; elas gozam da glória e da
felicidade eternas. Os túmulos das Catacumbas nos oferecem os mesmos ensinos?
Iremos interrogá-los, restaurar as inscrições sepulcrais e a iconografia dos
três primeiros séculos, que poderá vir em nosso socorro. Como o nosso espaço é
curto, faremos apenas as citações que se justificam por sua importância
dogmática.
Percorramos então
os seguintes epitáfios:
“Prima, você vive na glória de Deus e na paz de
N.S.J.C. VIVIS IN GLORIA DEI ET IN PACE”.
“Cheio de graça e
de inocência, Severiano repousa aqui no sono da paz; sua alma foi recebida na
luz do Senhor. IN LVCE DOMINI SVSCEPTVS”.
“À merecedora Saxonia: ela repousa em paz na casa eterna
de Deus”.
“Lourenço nasceu para a eternidade com a idade de
vinte anos; ele descansa em paz. NATVS EST IN ETERNVM”.
“Ursina – Agape – Alogia – Felicíssima – Fortunada,
etc.., vivem na paz – em Deus – sempre – eternamente”.
“Hermaniscus, minha luz, vives em nosso Deus e
Senhor J.C.”.
“Marciano, neófito, os céus estão abertos para ti,
tu viverás na paz. CELI. TIBI. PATENT. BIBES. IN. PACE”.
Enfim:
“Alexandre não morreu; mas ele vive além dos
astros; após uma brevíssima vida, ele brilha no céu. IN COELO CORVSCAT”.
Assim, aqueles que
dormiram na paz de Deus, os justos repatriados, vivem eternamente. Eles foram
admitidos na plenitude da luz de Deus, na casa do Senhor, na glória do Cristo.
Eles nasceram para a eternidade; os céus se abriram diante deles; eles brilham
aí com uma luminosidade parecida àquela dos astros. Eis a melodia ao mesmo
tempo doce e forte que escapa, com um perfeito acordo, do meio dos túmulos
subterrâneos, e que traz a consolação nos corações daqueles que esperam ainda o
fim de seu exílio. Que protestação solene não há nesta alegre e triunfante
harmonia, nesta santa confiança da Igreja apostólica, contra estas opiniões
lamentáveis e pretensamente primitivas do século XVII, que não querem saber de
nada da Igreja triunfante, que só admitem a entrada no céu para Jesus Cristo, e
que declaram que é temerário examinar se as almas dos justos estão na
felicidade; que condenam mesmo os mortos a uma espécie de dormição invencível
da inteligência e da vontade, a um exílio de vários milhares de anos no
vestíbulo do céu, onde eles esperam até o julgamento último a felicidade
prometida!
A fé católica não
se limita a esta doutrina consoladora que abre o céu às almas dos justos. Ela
admite também entre o mundo terreno e o outro mundo, entre a Igreja militante e
a Igreja triunfante, uma troca de relações. Todos os homens resgatados são membros
de um único corpo em Jesus Cristo, formam uma sociedade, uma família imensa,
unida pelo laço da caridade. Esta união espiritual ocorre por meio da oração.
Os bem-aventurados nos prestam o socorro de sua intercessão e de sua
assistência; do nosso lado, nós lhes pedimos este socorro na veneração e na
afeição.
Tal é a doutrina da
Comunhão dos santos. Examinemos se ela se revela nas Catacumbas. Aqui, o olhar
encontra, sobretudo, acima dos arcosolia, um grande
número de imagens de mártires ou de fiéis mortos. Elas estão frequentemente
cercadas de símbolos do paraíso, flores, aves, palmas, e sempre na atitude da
oração. Estes braços elevados, esta relação cheia de fervor diz em demasia que,
lá no alto, os eleitos não são simples espectadores que se contentam em gozar,
mas fiéis associados de seus irmãos ainda em luta sobre a terra.
E esta fé, que
expressão poderosa não encontra nas inscrições!
“Sutius, reze por nós, afim que sejamos salvos.
PETE PRO NOS (sic) VT SALVI SIMVS”.
“Augenda, vive no Senhor e intercede por nós.
EPΩTA”.
“Anatolius, ore por nós. EYXOY”.
“Filho, que teu espírito descanse em Deus;
interceda por tua irmã. PETAS”.
“Matronata Matrona, ore por teus pais Ela viveu um
ano e cinquenta e dois dias. PETE”.
“Atticus, teu espírito vive no Bem: implore por
teus pais”.
“Joviano, viva em Deus e seja nosso intercessor”.
“Sabatius, doce coração, ore e implore por teus
irmãos e teus companheiros. PETE ET ROGA”.
“Aqui descansa Ancilladei. Ore pelo único filho que
te sobreviveu, porque tua morada está na paz e na felicidade eternas”.
“À minha digníssima filha adotiva Felicidade, que
viveu trinta e seis anos”. “Dignai-se em orar por teu esposo Celsiniano”.
“Gentiano, o fiel, em paz. Ele viveu 21 anos… em
tuas orações interceda por nós, porque sabemos que está em J.C.”.
Enfim, para
concluir a série dos exemplos que citamos:
“À nossa dulcíssima e trabalhadora mãe Catianilla:
que ela reze por nós EYXOITO”.
É assim que os
olhos e o coração dos sobreviventes atravessam o sepulcro e penetram até ao
céu. É assim que o olhar e o amor procuram e encontram os eleitos, os assaltam
com orações ferventes, lhes fazem participantes de suas penas com uma confiança
infantil e lhes fazem piedosas recomendações. Não está aí a verdadeiro espírito
católico na plenitude da caridade e na infalibilidade da certeza?
Mas, dirão alguns,
estas invocações piedosas, estas orações dirigidas aos santos, não são, talvez,
apenas homenagens privadas, que não supõem nem determinam um culto público,
oficial, litúrgico?
A isto
responderemos: A partir do momento em que se trata de uma prática litúrgica,
relativa ao culto dos santos, trata-se de um princípio católico que não é
legado ao arbítrio individual; não obstante, não faltam monumentos que
testemunham as homenagens dadas pela Igreja aos bem-aventurados. Há nas
Catacumbas dois tipos de inscrições que tem feição com o culto, ambas
caracterizadas liturgicamente pela expressão ainda em uso: Em nome de… IN
NOMINE.
Elas compreendem:
1º votos suplicativos em nome de Deus, do Cristo ou de Deus Cristo. Por
exemplo:
“Zózimo, vive em nome do Cristo”.
“À SeliaVictorina, que descansa na paz em nome do
Cristo”.
Nestes casos, a
invocação se dirige diretamente a Deus, único adorável, único onipotente, único
dispensador das graças. Mas há também em segundo outras invocações em nome de
um santo; e então a oração se dirige indiretamente a Deus, diretamente ao poder
de intercessão do santo. Um túmulo, entre outros, fala assim:
“Rufa, viverá na paz do Cristo, em nome de São
Pedro”.
Ou seja, por meio
de sua intercessão. Sobre um cálice descoberto nas Catacumbas, se lê esta
inscrição em letras douradas: “Vito, vive em nome de Lourenço”; em outro, no
mesmo sentido, se lê: “Eliano, vive em Jesus Cristo e São Lourenço”, ou seja,
vive na graça de Jesus Cristo, pela intercessão de São Lourenço.
O culto público
dado aos santos está doravante provado pelo fato incontestável que davam aos
mártires mais ilustres, por um tipo de canonização, títulos honoríficos em uso
na Igreja, por exemplo: “Senhor, Poderoso intercessor diante do trono de
Deus, DOMINVS, DOMNVS ou simplesmente D.”
A partir do século
III já se observa o título de Santo (dominus), Sanctus. É assim que encontramos
saudações no gênero destas aqui: “Senhor Pedro, Paulo, Estevão, Sisto,
etc.; Senhora, DominaBasila”, etc.. Mais tarde lemos: “Ao santo mártir Máximo”;
“Ao Pai onipotente, ao seu Cristo e aos santos mártires Taurinus e Herculanus,
eternas ações de graças da parte de Nevius, Diaristus e Constantino”.
Não pretendemos
acumular as provas epigráficas, mas buscar a luz ainda em outras partes, nas
pinturas e nas imagens.
Dom
MaurusWolter. Les Catacombes de Rome et la doctrine catholique.
Paris, G. Téqui, 1872.
Tradução: Robson
Carvalho
Fonte: A Fé Explicada
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