O nome é Jorge Mario Bergoglio, conhecido como papa
Francisco desde 13 de março de 2013, mas podem começar a chamá-lo de Mikhail Gorbachev…
É uma ironia? Claro que é. Alguns entenderam de primeira. Outros terão de
refletir um pouco. Um liderava uma construção humana, de vocação maligna. O
outro comanda o que os crentes consideram uma construção divina, de vocação
benigna. O meu gracejo, por óbvio, não nasce da diferença, mas do risco da
semelhança.
Repararam, leitores? Há
muito tempo um papa não chamava tanto a atenção da imprensa mundial e não
recebia tantos elogios, muito especialmente daqueles, vejam que curioso!, que
odeiam a Igreja Católica — e, de maneira mais genérica, o cristianismo. “Se até
o papa está dizendo que a Igreja é essa porcaria, então deve ser mesmo verdade;
eu sempre soube!”
Ai daquele que alimentar a vaidade de
despertar a simpatia de quem o detesta!
Não gosto, e já deixei
isso claro aqui,
dos primeiros passos de Francisco. Fazer o quê? Chega a hora em que é preciso
discordar até do papa. Então que seja. Considerei, e não mudei de ideia, um
tanto atrapalhada a sua entrevista à revista jesuíta La Civiltà Cattolica.
Ainda que não tenha dito a barbaridade que lhe atribuíram sobre o aborto
(escrevi um post
sobre a mentira), a
fala não foi clara o bastante. Do pastor máximo da Igreja Católica,
espera-se, como queria Paulo, que flauta soe como flauta, e cítara, como
cítara.
Ao jornal “La Repubblica”, chamou a Igreja de
“introspectiva e vaticanocêntrica”, além de classificar a Cúria romana de
“lepra do papado”. Nesta quarta, em audiência da Praça São Pedro, lembrou o
óbvio, mas num contexto, a esta altura, já contaminado pela tentação do
falastrão: “Somos uma igreja de pecadores, e nós, pecadores, somos chamados
para nos renovar, santificar por Deus”. E criticou: “Existiu na história a tentação
daqueles que afirmavam que a Igreja é apenas dos puros, daqueles que são
totalmente crentes, e os outros são afastados. [A Igreja] não é a casa de
poucos, mas de todos”.
Por certo é a “casa de todos”, mas de todos que
estejam dispostos a aceitar os fundamentos que fazem da Igreja a Igreja.
Afinal, o que é realmente de todo mundo é a República, não é isso? É o estado
democrático. E, ainda assim, que cabe notar: é de todos até mesmo para punir
aqueles que violam as suas regras.
Alguns amigos católicos estão um tanto descontentes
com a minha pressa em censurar a fala do papa. Acham que eu deveria esperar um
pouco mais para ver para onde caminham as coisas. Talvez eu pudesse fazê-lo se
fosse apenas católico. Como sou também jornalista, não posso deixar de analisar
essa questão com os olhos e, vá lá, algum método com que vejo todo o resto.
A ironia que fiz com Gorbachev faz sentido. Eu
sempre o admirei muito porque tinha a certeza, desde o primeiro momento — e
quem me conhece desde aqueles tempos sabe disto — que ele aceleraria o fim da
URSS. Gorbachev atuava, vamos dizer assim, no mesmo sentido em que caminhavam
os meus anseios naquele particular: o desmoronamento do império soviético. Mas
eu me divertia me colocando, às vezes, na pele de um comuna pró-Moscou e
concluía: é uma besta ao quadrado! “Mas ele não fez um bem imenso à humanidade,
pondo fim àquele horror?” Claro que sim! Ocorre que ele tinha sido escolhido
para manter o império. Vivo torcendo para que apareça um “reformador” chinês,
entendem? Deng Xiaoping foi esperto e maligno. Pôs fim ao comunismo chinês sem
pôr fim à tirania…
Ocorre que a Igreja Católica não é um
império do mal, não é? E, desta feita, não vejo graça nos primeiros passos de
um candidato a Gorbachev de mitra. Não acho que Francisco vá acabar com a
Igreja. Ela é um pouco mais antiga e enraizada na cultura do que era o
comunismo. Mas eu o vejo, por enquanto, produzindo falas bombásticas em
excesso, a maioria voltada para o público externo, muito em particular para os
que veem na instituição não mais do que um amontoado de obsolescências, com o
que, obviamente, não concordo.
Daqui a pouco vai haver gente achando
que, nos corredores do Vaticano e na Cúria (a tal “lepra”), circulam alguns
daqueles celerados da imaginação de Dan Brown, o autor do delirante “O Código
Da Vinci”.
Seria melhor que primeiro conhecêssemos o papa por suas ações. As palavras bem
que poderiam vir depois. Os jesuítas têm, é verdade, uma certa tradição
falastrona, de confronto com a hierarquia, que já gerou maravilhas como Padre
Vieira, por exemplo. Mas Bergoglio não é Vieira.
Eis um tipo de consideração, meus caros, que não
terá como ser confrontada com os fatos amanhã, depois de amanhã, daqui a dois
ou três meses, como acontece com frequência na política. É matéria de muitos
anos. As primeiras afirmações de Francisco estão gerando mais calor do que luz.
E, como não poderia deixar de ser, têm despertado a simpatia dos que o veem não
como um reformador que vai fortalecer a Igreja Católica, mas como um crítico
que, finalmente, pode desestruturá-la.
Boa parte dos não católicos que hoje aprovam
Francisco o aplaude como eu aplaudia… Gorbachev: “Dessa vez aquele troço
desaba!”. E, felizmente, desabou.
Por
Reinaldo Azevedo
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