segunda-feira, 10 de junho de 2013

Têm os índios brasileiros o direito de praticar o infanticídio?









Era o de que precisávamos: um caso quente que envolve ética, antropologia, direito, política… Em última instância: filosofia…

Em discussão estão principalmente estas duas questões:

1) A diversidade e o relativismo cultural

Se a cultura indígena aprova, ou mesmo determina, que bebês com deficiência física sejam sacrificados (isto é, que sejam deixados sem assistência para que morram, ou mesmo que sejam ativamente matados), nós que temos uma cultura diferente vamos ficar apenas olhando?

Afinal de contas, a diversidade cultural, como há muito se alega, não é um bem?

O relativismo cultural não é apregoado aos quatro cantos, afirmando que nenhuma cultura é superior a outra, e que todas têm o direito de ter seus próprios sistemas éticos, que são igualmente bons, ou, pelo menos, incomensuráveis?

O multiculturalismo não é ensinado em nossas escolas como um valor a ser preservado?

Não é isso que prega, aos quatro ventos, a FUNAI?

2) A questão das “nações indígenas”

Os indígenas brasileiros estão de fora da nação brasileira, constituindo uma outra nação, ou um conjunto de outras nações, com seu próprio território, suas próprias leis, seus próprios costumes, seus próprios valores?

O presidente da FUNAI não é uma espécie de Secretário Geral do equivalente da ONU dessas nações indígenas brasileiras — e é assim que elas se denominam e a FUNAI freqüentemente a designa?

Não é isso que prega a FUNAI e os seus antropólogos de plantão?

A questão não é só cultural, antropológica, ética: é também política e de direito (quiçá internacional…)

*** * ***

Por fim, a FUNAI mistura tudo, trazendo para o mexilhão até mesmo a religião: ter um filho defeituoso é, para os índios, um grave "pecado", diz a nota da FUNAI.

A nota da preclara instituição não esclarece, no caso, de quem seria o "pecado": seria dos pais? Da comunidade? Da tribo? Da própria criança que nasce defeituosa? E esse "pecado" justificaria o sacrifício da criança?

A FUNAI parece pensar (se é que pensa) que, no mínimo, são os índios que devem decidir isso, não as leis e o sistema judiciário do país… – e que a cultura predominante do país pensa sobre a questão é absolutamente irrelevante.

A FUNAI alega estar tentando proteger os direitos dos pais da menina. E os direitos da menina com hidrocefalia, quem protege?

As questões do aborto e da eutanásia aqui reaparecem em um contexto multicultural… A cultura aqui faz as vezes da religião (como a nota da FUNAI deixa claro), misturando esse caso com a postura dos Testemunhas de Jeová que se recusam a, por exemplo, fazer transfusão de sangue e a permitir que ela seja feita em seus filhos, ainda que morram…

*** * ***

Institucionalmente, essa é uma questão da Justiça Estadual ou da Justiça Federal? Ou seria da Justiça Internacional, visto que os Ianomânis são, como se apregoa, uma nação autônoma?

Ainda institucionalmente, a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) estão em pé de guerra. Quando duas Fundações do Executivo Federal discordam, quem resolve? O Presidente? E o Conselho Tutelar, onde fica, institucionalmente, nessa briga entre as diversas Justiças e as diversas Fundações? E o Ministério Público Federal?

E as Igrejas, que vivem tentando salvar os índios de sua cultura, levando-os a aceitar o Cristianismo, como ficam? E as ONGs, que vivem tentando salvar os índios do Cristianismo e de toda cultura não-indígena, que apito vão apitar?

Numa questão marginal, mas importante, será que nós, agindo na contra-mão da recomendação contida no princípio da Navalha de Ockham, não estamos multiplicando entidades além da necessidade — e além do bom senso?

*** * ***

De repente descobrimos que o infanticídio é praticado no Brasil impunemente e que os índios matam não só crianças que nascem defeituosas, mas também gêmeos e filhos de mãe solteira… E isso com o conhecimento e sob a proteção da FUNAI!!!

Que país é esse?

Que belo cardápio para um curso transdisciplinar que discuta o que hoje seria objeto de cursos de filosofia, antropologia, direito, ciência política, para não mencionar a teologia, a regina scientiarum?

O UOL ataca com suas próprias armas de alta tecnologia: Enquetes e Grupos de Discussão… Enquete: A bebê ianomâmi deficiente deve ser entregue aos pais? Vote! Grupo de discussão: Em casos de vida ou morte, a Justiça deveria interferir em questões culturais? Opine!

Vote!!! Opine!!! A sociedade deve se envolver na discussão da questão, excitar-se toda, ler mais o site do UOL…

Os ativistas devem organizar seus exércitos, fazer demonstrações, elaborar piquetes, conseguir seus 15 segundos de fama…

*** * ***

No meio disso tudo, há as curiosidades e as figuras ridículas… Nesse primeiro assalto claramente se destaca a figura do administrador regional da Funai em Manaus, Edgar Fernandes. Colocando-se no lugar da Corte Suprema brasileira ela já sentencia: "Ela (Justiça Estadual) não tem prerrogativa para julgar esse caso. Questões envolvendo índios têm de ser resolvidas na Justiça Federal." Colocando-se na posição de Antropólogo Mor da Nação ele determina: "Os povos indígenas têm direito às suas próprias crenças. Os pais da menina não acreditam mais na medicina ocidental e querem que ela tenha os seus últimos dias na aldeia". Será que os pais da menina acreditaram um dia na medicina ocidental e agora não acreditam mais???

Well, é isso. Boa discussão no fim de semana…


 Abaixo, a matéria do UOL.


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Caso de índia ianomâmi deficiente gera crise institucional no Amazonas

Fonte: UOL

Enfermeira cuida de bebê ianomâmi 
que está internada com hidrocefalia, 
tuberculose e pneumonia em hospital
 infantil de Manaus. O Conselho Tutelar 
da capital amazonense vai protocolar 
no Ministério Público Estadual pedido
 de suspensão dos direitos dos pais da
 criança, depois que três indígenas
 teriam tentado levá-la de volta à 
aldeia sem autorização médica
A internação de uma índia da etnia ianomâmi em um hospital de Manaus está criando uma crise institucional no Amazonas. Os pais da criança querem retirá-la do hospital e levá-la para a aldeia. Nesta quinta-feira (16), porém, a Justiça Estadual concedeu uma ordem para que a menina, vítima de hidrocefalia (condição na qual há líquido cérebro-espinhal em excesso ao redor do cérebro e da medula espinhal), permaneça no hospital até ter alta. De outro lado, a Fundação Nacional do Índio (Funai) ameaça recorrer da decisão para garantir os direitos dos pais da menina. E em meio a tudo isso está o Conselho Tutelar, que teme que a criança seja sacrificada pelos pais quando retornar à aldeia, como parte de um ritual da etnia.

A criança chegou ao hospital levada pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e da ONG Serviço e Cooperação com o povo Yanomami (Secoya), que faz serviço de atendimento em saúde para os índios desta etnia.

A crise em torno da menina começou no início desta semana. Na última terça-feira (14), os pais da pequena ianomâmi de um ano e meio de idade foram ao Hospital Infantil Drº Fajardo, em Manaus, para tentar retirá-la do local. Ela está internada desde março com hidrocefalia, pneumonia, tuberculose e desnutrição.

A direção do hospital acionou o Conselho Tutelar que, diante das suspeitas de que a criança seria sacrificada por ser portadora de deficiência física, acionou o Ministério Público Estadual (MPE) pedindo a permanência da criança no hospital. Nesta quinta-feira (16), a juíza Carla Reis, da 2º Vara da Infância e da Juventude, concedeu pedido de providências ordenando que a menina fique onde está até que seu quadro clínico seja considerado satisfatório.

A decisão causou indignação do administrador regional da Funai em Manaus, Edgar Fernandes. "Ela (Justiça Estadual) não tem prerrogativa para julgar esse caso. Questões envolvendo índios têm de ser resolvidas na Justiça Federal. Vamos recorrer ao MPF (Ministério Público Federal) para interceder a favor da família", disse Edgar.

Para a diretora do hospital, Glória Chíxaro, o estado clínico da menina é estável, mas a interrupção de seu tratamento pode leva-la à morte. "O quadro dela, hoje, é estável, mas se for retirada do hospital, seu tratamento será seriamente comprometido e ela pode morrer na aldeia", disse completando que a menina será submetida a uma cirurgia para drenar o líquido de sua cabeça.

Edgar Fernandes discorda do entendimento da diretora e diz que o desejo dos pais da menina de levá-la para sua aldeia é legítimo e amparado pela Constituição Federal. "Os povos indígenas têm direito às suas próprias crenças. Os pais da menina não acreditam mais na medicina ocidental e querem que ela tenha os seus últimos dias na aldeia", explicou.

Para Fábio Menezes, conselheiro tutelar que acompanha o caso, retirar a menina do hospital é sentencia-la à morte. "Na cultura deles, quem tem deficiências deve ser sacrificado. Eles já disseram à Funai que irão fazer isso. A própria Funai já admitiu que isso pode acontecer", disse Menezes.
Sobre o possível ‘sacrifício’ da índia, a Funai divulgou uma nota explicando que esse tipo de ritual faz parte da cultura da etnia ianomâmi. "Gerar um filho defeituoso, que não terá serventia numa aldeia que precisa necessariamente de gente sadia (…) é um grave ‘pecado’, pois este não poderá cumprir o seu destino ancestral", diz a nota.

Ainda de acordo com o documento, para evitar o transtorno de ter um integrante deficiente na aldeia, quando a criança nasce, a mãe realiza um cuidadoso exame e se constatar que a mesma é portadora de deformidade, a mesma é ‘descartada’.

Fábio Menezes diz que, apesar da decisão da Justiça Estadual, vai tentar impedir que ela seja levada de volta à aldeia. "Vou tentar uma reanálise do caso. Ela não pode voltar pra lá", disse.

Para o antropólogo Ademir Ramos, o caso mostra, de forma emblemática, o choque entre as culturas indígenas e a ocidental. "O não índio não está discutindo hoje a eutanásia? Essa é uma questão já resolvida para os ianomâmis. Eles precisam de gente saudável na aldeia. Uma criança com deficiência gera uma série de transtornos aos integrantes da tribo", disse o antropólogo.

A juíza Carla Reis defendeu sua decisão ordenando a manutenção da menina no hospital. "Eu estou analisando apenas o fato de ela se tratar de uma criança. Não entrei no mérito de ela ser indígena ou não. Pra mim, ela é apenas uma criança", disse.

A magistrada admite, porém, que a Funai tem argumentos para recorrer de sua decisão. "Se eles quiserem, podem argumentar que a Justiça Estadual não tem autoridade para decidir em casos envolvendo índios. Vai depender deles", disse.

Uma reunião entre Conselho Tutelar, Funai e o Ministério Público Federal (MPF) está sendo realizada na noite desta quinta-feira. O MPF ainda não se manifestou sobre o caso.



Polêmica sobre infanticídio indígena mistura leis, valores culturais e saúde pública

Fonte: UOL

Muwaji (à dir.) segura sua filha que nasceu 
com paralisia cerebral em cena do documentário
"Hakani" do cineasta norte-americano David 
Cunningham, sobre o infanticídio indígena 
no Brasil; a luta da índia Muwaji contra sua tribo
inspirou a criação da Lei Muwaji, que tramita 
na Câmara, que visa combater "práticas 
tradicionais que atentem contra a vida"
O infanticídio entre indígenas é um tema que já gerou documentários, projetos de leis e muita polêmica em torno de saúde pública, cultura, religião e legislação. Ainda utilizado por volta de 20 etnias entre as mais de 200 do Brasil, esse princípio tribal leva à morte não apenas gêmeos, mas também filhos de mães solteiras, crianças com problema mental ou físico, ou doença não identificada pela tribo.

A quantidade de índios mortos por infanticídio no país é uma incógnita. Nos dados da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) sobre mortalidade infantil indígena, esse número aparece somado a óbitos causados por "lesões, envenenamento e outras consequências de causas externas". Esse grupo responde por 0,4% do total das mortes de menores de um ano de idade, segundo os últimos dados disponíveis da Funasa, de 2006.

Tramitando no Congresso, a Lei Muwaji (em homenagem à índia que enfrentou a tribo para salvar sua filha com paralisia cerebral) estabelece que "qualquer pessoa" que saiba de casos de uma criança em situação de risco e não informe às autoridades responderá por crime de omissão de socorro. A pena vai de um a seis meses de detenção ou multa.

Esse projeto se inspirou no caso da indígena Muwaji Suruwahá que lutou pela sobrevivência de sua filha Iganani, que tem paralisia cerebral – por isso, estava condenada à morte por envenenamento em sua própria comunidade. O caso alcançou repercussão nacional em outubro de 2005.

A proposta é polêmica entre índios e não índios. Há quem argumente que o infanticídio é parte da cultura indígena. Outros afirmam que o direito à vida, previsto no artigo 5º da Constituição, está acima de qualquer questão.

O antropólogo Mércio Pereira Gomes, que foi presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio) nos quatro primeiros anos do governo Lula, admitiu que sofreu "um dilema muito grande" no órgão diante da questão do infanticídio. Como cidadão, é contrário à prática, mas como antropólogo e presidente do órgão, discorda de uma política intervencionista – segundo ele, há de cinco a dez mortes por infanticídio no Brasil por ano.

Em 2004, o governo brasileiro promulgou, por meio de decreto presidencial, a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que determina que os povos indígenas e tribais "deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos".

Antes disso, em 1990, o Brasil já havia promulgado a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, que reconhece "que toda criança tem o direito inerente à vida" e que os signatários devem adotar "todas as medidas eficazes e adequadas" para abolir práticas prejudiciais à saúde da criança.

O infanticídio voltou a criar polêmica com o lançamento do filme "Hakani", dirigido David Cunningham, filho do fundador de uma organização missionária norte-americana. A ONG Survival International, sediada em Londres, divulgou no começo do ano uma nota em que acusa os autores do controverso filme de incitar o ódio racial contra os índios brasileiros. A produção mostra cena protagonizada por supostos sobreviventes e parentes encenando pais enterrando viva uma criança deficiente.

Outra ONG que atua na área é a Atini, sediada em Brasília, atua na defesa do direito das crianças indígenas. Formada por líderes indígenas, antropólogos, lingüistas, advogados, religiosos, políticos e educadores, a organização trabalha para erradicar o infanticídio nas comunidades indígenas, promovendo a conscientização.

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