quarta-feira, 3 de julho de 2013

FORA DO SCRIPT






Raphael de la Trinité





Certa vez Lênin disse: "Vou comprar da burguesia a corda para enforcá-la". 

O PT diz hoje: "Vou conseguir nas ruas a força para impor a ditadura do proletariado, via reforma política".

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Não são poucos os que imaginam que a Revolução desfruta, em nossos dias, de um poder incontrastável sobre a mente humana. Graças a esse mito, é imenso o número dos que cruzam os braços, à míngua de esperança. Há nisso grave engano e sutil manipulação.

A Revolução vive de ocultar o seu termo último. Por isso habitualmente atua de forma velada e gradual. É uma hidra de várias cabeças, cujo ímpeto nunca pode refrear, caso contrário, sofreria irreparável revés. Impera por meio de arroubos, mentiras, insolências e exibicionismos. Quando depara com alguém que a enfrenta de viseira erguida, encolhe-se, metamorfoseia-se, e, antes de mergulhar num vexatório silêncio, move sanhuda campanha de detração e calúnias contra os que se lhe opõem.

O fio da meada está em denunciar os conluios e ardis dessa Hidra de Lerna. Por quê?

Dado que a Revolução age de forma camuflada e (aparentemente) fragmentária, a cada vez que é desmascarada, vê-se compelida a um recuo estratégico.

Por vezes, a mais bem sucedida tática dos fautores da Revolução reside precisamente em promover recuos premeditados e bem calculados, conjugados com a difusão de visões panorâmicas distorcidas e falsas soluções para problemas mal explicados.

É de praxe que a Revolução avance como se oposição não existisse. Contudo, ao fazê-lo, corre o risco de cindir a opinião pública, suscitando polarizações — algo sumamente indesejável para quem urde nos bastidores e no embuste, orquestrando as notas do engodo e da ruína da ordem social.

Em plena França atual, que se ergue com galhardia contra as imposições do governo socialista, presenciamos aspectos dessa balbúrdia e desconcerto nas hostes revolucionárias. Multidões descontentes, sucedendo-se sem parar, proclamaram em altos brados a sua recusa do ideário socialista, particularmente, da Lei Taubira, que, a um país atônito e ludibriado, impôs a equiparação das “uniões homossexuais” ao matrimônio legítimo. Desconcertado pela pujança e amplitude da reação popular, o diktat socialista valeu-se da perseguição policial, lançando às masmorras alguns heroicos protagonistas do grandioso levante nacional. Do debate e da controvérsia é que fogem, assim como o diabo da Cruz...

No tocante às manifestações em solo brasileiro, essas considerações assumem colorido mais intenso. Em sã consciência, haverá quem não se pergunte acerca dos efeitos que advirão desse súbito pulular de protestos? Em última análise, cumpre saber se o Brasil “acordou” (consoante propagam, um pouco por toda parte, faixas e prospectos de propaganda), ou se o nosso organismo social foi atacado por uma terrível erisipela, de matiz anárquico, espraiando-se de norte a sul do país. A pergunta tem toda a razão de ser. Estaremos, ou não, entrando num enigmático “novo” país, levado pelo bojo de uma incontida efervescência social?

Embora seja ainda prematuro alinhar hipóteses mais nítidas ou prever desfechos nesta ou naquela direção, não faltam indicações preliminares sugeridas pelos fatos.

Após analisar o espírito e a mentalidade dos movimentos insurrecionais, ao longo dos séculos, o clássico pensador francês Gustave Le Bon, já em fins do século XIX, elaborou um quadro explicativo, perfeitamente válido para todas as épocas e contextos sociais diversos, a fortiori, para os dias de hoje. De modo especial, o célebre sociólogo deixa clara a técnica empregada para fazer com que os elementos mais arrojados estejam sempre na dianteira do movimento contestatário, que se requinta a cada lance. Eis a sua sentença lapidar: “De forma quase invariável, os revoltosos de ontem se tornam os opressores do dia de amanhã”.

Quando percorremos os anais das revoluções, ao longo da história, tal máxima se reproduz quase de forma maquinal ou mecânica, fazendo presumir que uma mão invisível, por assim dizer, esteja sempre a nortear os passos dessas (mais ou menos) bem articuladas insurgências. Com efeito, a par de peripécias de toda índole, as sucessivas etapas do processo revolucionário têm o seu frequente desenlace na conquista do Poder por parte dos extremamente audazes, ou seja, daqueles que ousam sustentar as posições mais paroxísticas. Claro, desenrola-se a trama num contexto tão repleto de artimanhas e reviravoltas, que nem sempre a maioria se dá conta do artifício utilizado. Sempre foi assim. No momento atual, por exemplo, as redes sociais são um exemplo patente e irretorquível da confusão reinante em grande parte das mentes mais lúcidas do Brasil. – Who is who em toda essa barafunda? Mais ou menos é o que cada um se pergunta.

Em linguagem mais apropriada, pode-se falar na tática conhecida como “cortina de fumaça”. Quando se emparelham, num mesmo barco, navegantes de procedência diversa, como falar numa voz uníssona? É possível aglutinar, numa mesma linha, opiniões e anseios tão diametralmente opostos, sem um entrechoque de diagnósticos e objetivos díspares? Um nevoeiro induzido dificulta a correta apreensão dos fatos.  

Em termos mais diretos, a Revolução apresenta-se como um gatuno que, diante da denúncia de um terceiro, é pilhado em flagrante delito. Feita na hora certa e com os meios apropriados, a denúncia abre os olhos de quem está sendo fraudado. Assim é que, no panorama turbulento do Brasil contemporâneo, intenta-se apresentar o conjunto dos que saem às ruas como um magma pastoso, disposto a assumir os contornos daquilo que a direção totalitária do PT julgar oportuno imprimir aos acontecimentos. Seja, então, por via de um plebiscito “com cartas marcadas”,  mediante o recurso de perguntas capciosamente elaboradas, seja por intermédio de outros ardis, essa impostura não arreda pé. Eis uma ocasião propícia para que a hidra revolucionária ostente nova fachada. Estará ao alcance do homem da rua capar tão cavorteira armadilha?

Tarimbados pela cruel experiência da vida, nossos ancestrais não titubeavam em dizer: “o seguro morreu de velho”. Ao que a proverbial sagacidade mineira havia por bem acrescentar: “E o desconfiado ainda vive”. Sem dúvida, embrenhar-se candidamente no coro desafinado dos que se manifestam nas ruas, bem pode ser sintoma de imaturidade e precipitação tosca. É o que desponta no contexto das agitações que, em torno de nós, irrompem e se avolumam em profusão.

Por outro lado, será mesmo tão forte a presença do ingrediente anárquico-revolucionário no cerne dessas manifestações? Só poderia dar uma resposta cabal a tal interpelação aquele que conseguisse avaliar qual o nível de dosagem revolucionária que, sem grandes sobressaltos, camadas inteiras da opinião pública seriam capazes de digerir. Num ou noutro caso, aos olhos de muitos observadores imparciais, descortina-se um perigoso balão de ensaio.

A história está repleta de exemplos de regimes francamente totalitários que foram capazes de escravizar nações inteiras, por largo espaço de tempo. Jamais, porém, conseguiram jugular as almas, sem o livre consentimento destas. Não fora por outro motivo, ao Leviatã totalitário podemos qualificá-lo de um gigante com pés de barros. Entre este a e autodeterminação humana, com efeito, ergue-se a inexpugnável muralha de nosso livre arbítrio.

À vista do quadro presente, um primeiro passo, portanto, é munir-se de extrema prudência. Realmente, quando há ebulição social, “aproveitadores de águas turvas”, capitaneados por adestrados líderes, são capazes de pôr um país em chamas. E não há como negar: um frenesi noticioso, que timbra em fazer uma cobertura exacerbada e tendenciosa dos fatos, logo vai colocando em polvorosa qualquer espírito menos crítico. O inevitável jorro informativo transmite uma viva impressão de que vicejaria no Brasil de hoje uma refrescante sensação de alívio: saímos agora, com num estrépito, duma grossa letargia, rumo a uma empolgante e esperançosa reviravolta. Oxalá tais expectativas não se vejam frustradas em seu nascedouro...

Em realidade, a cada dia aflora a orientação ambígua e obscura de certas lideranças, que parecem dispostas a tudo levar de roldão. Questões complexas e inconfessáveis metas vêm à baila, como num estalar de dedos. Em presença disso, seria ingenuidade excessiva pressupor que, por via de tais movimentos, o país esteja a caminho de uma decisiva e radical “depuração” de suas mazelas. Bem mais admissível pressupor o contrário: assistimos a mais uma gigantesca fraude em princípio de execução — só que em escala muito mais ampla e destrutiva do que a infinidade de “mensalões” e “estelionatos” de cunho eleitoral que, sobretudo nos últimos anos, escancaram-se aos olhos de todos.  

Nunca é supérfluo frisar que, em face dessa mudança muito intensa no palco dos acontecimentos, compete aos católicos manter-se de orelha em pé e de sobreaviso — única postura verdadeiramente cabível. Noutras palavras, adotar uma atitude que esteja a léguas de engrossar fileiras em prol daquilo que não se conhece a fundo.

Muito foi propalado sobre a presença indesejável das bandeiras de partidos políticos em tais explosivas manifestações de rua. Tal inconformidade popular não espanta. Daria mostras de petulância máxima qualquer partido que pretendesse, de forma legítima e coerente, aparecer como porta-voz de determinados e insuspeitados anseios nacionais. Como vivemos num arremedo de democracia, resulta inaceitável que, à testa dos manifestantes, tremulem bandeiras ou siglas partidárias, que em nada exprimem a vontade da maioria. É indubitável, nesse sentido, que enquanto turbas tomam as avenidas e logradouros, legiões de “silenciosos preocupados” continuem em seus fazeres diários, ensimesmados, a falar com os seus botões... Destes, sem dúvida, a mídia não se ocupa no presente — por enquanto, estão sem voz nem vez.

Dentre as múltiplas reivindicações alardeadas, de maneira profusa e sem concatenação — muitas das quais, confusas e, em si mesmas, contraditórias —, cumpre ressaltar uma, que ainda não viu a luz do dia. Resume-se, basicamente, à interrogação seguinte: com que direito se aureola com o nome de democracia  a um regime que, nesse indigesto amálgama de siglas partidárias e denominações espúrias, efetivamente a ninguém representa?

Faz algum tempo, tratando desse tema com amigo de longa data, dele apreciei a ideia de impulsionar a criação de um partido exclusivamente voltado para a coleta e análise de informações idôneas e imparciais sobre a raiz da crise brasileira, bem como sobre os instrumentos aptos a solucioná-la. Na decidida e congruente argumentação de meu interlocutor, ficava demonstrado à saciedade faltar ao espectro político brasileiro uma agremiação sem meias-tintas. Muito antes de serem ventiladas ideias de plebiscito ou referendo, num sentido genérico e faccioso (como se faz agora), o meu amigo propôs cerrar fileiras em prol de um partido de conteúdo filosófico claramente definido, que descesse à arena para o combate destemido e intrépido. À maneira de repto, acrescentou, então o meu respeitável interlocutor: “por que não permitir que o povo se manifeste a respeito?”. Segundo fazia ver, talvez fosse esse o único meio viável para sairmos do Panteão democrático e de seu impalpável totalitarismo, no qual estamos imersos até o pescoço.

Qual a plataforma do novo partido? Plena garantia ao direito de propriedade, livre iniciativa e liberdade de contrato. Uma agremiação que saiba esgrimir, em praça pública (se necessário fosse), todas as armas da mais desassombrada polêmica contra adversários claros ou disfarçados. Sim, sem subterfúgios ou contemporizações covardes, um liga que congregue figuras eminentes da nação, em seus mais diversos setores, para, contra ventos e marés, pugnar pela restauração dos mais elementares direitos, fundamento da ordem jurídica — precisamente daqueles que, acintosa e sistematicamente, de modo direto ou indireto, foram como que escorraçados do hipócrita cenário nacional.

Na voragem da conjuntura brasileira, algo de mais imprescindível do que essa medida? É uma necessidade que urra de se fazer presente. Compete que essa exigência inadiável não seja submersa na maré montante das sugestões demagógicas, que obnubilam e adormecem a consciência nacional.

Admitamos que, em presença dessa firme resolução, e inspirado nas Sátiras de Juvenal, um objetante imaginário invocasse o consagrado dito: Quis custodiet ipsos custodes? (“Quem irá vigiar os próprios vigilantes”?). Não negamos a realidade do problema.

De fato, uma vez constituído essa escol, os integrantes do mesmo poderiam facilmente não corresponder às expectativas, abdicando de seu dever precípuo. Contudo, à margem disso, e em que pese o sem número de dificuldades inerentes à iniciativa, a pior hipótese consistiria em não levar avante o projeto. Além disso, é inconteste que muito de positivo poderia emergir de um pugilo de ínclitos homens públicos, verdadeiros magistrados, de saber comprovado e ilibada conduta — principalmente se atuarem longe dos holofotes da publicidade e dos mesquinhos interesses pessoais ou de facções políticas.  
   
Sendo a crise atual de ordem moral e religiosa, importa, acima de tudo, operar na alma nacional tão impostergável transformação.

A questão de fundo, em meu entender, passa por aí. Nesse estrepitoso clamor dos descontentes, tanto nos que clamam a céu aberto como nos que se abstém de ir às ruas, acredito estar subjacente uma aspiração profunda dessa natureza: organizemos uma democracia com ideias, um autêntico veículo da expressão de inequívocas correntes de pensamento. Fora disso, mais dia menos dia, empalmado por algum caudilho “bolivariano”, o Brasil perderá o seu rumo histórico de Terra de Santa Cruz, imergindo na mais completa ruína.   

No atual contexto, a proposta acima teria o condão de preencher o grande vazio ideológico da vida política brasileira, podendo desfechar, em prazo médio ou longo, num renovado ímpeto de regeneração de nossos costumes políticos.

Nenhum percalço de monta se interpõe no caminho — não há contra indicação nenhuma, muito menos o perigo de rejeição do paciente.

Por que, então, não pôr todas as cartas na mesa?

Melhor fazê-lo antes que o nosso país seja tomado de assalto por hordas vermelhas, deste ou daquele matiz, por via das leis ou dos fatos.


É o que, sob o fragor das armas ou a fraude das urnas, devemos evitar a todo custo.
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