segunda-feira, 14 de outubro de 2013

SENTIR COM A IGREJA É SENTIR COM O VATICANO II ?










Dados básicos de uma questão de consciência

A]  Como uma das razões da intervenção da Congregação dos Religiosos no Instituto dos Franciscanos da Imaculada em 11 de julho último, o comissário, Pe. Fidenzio Volpi, O.F.M.Cap., referiu-se a problemas na aceitação do Magistério e no “sentir com a Igreja”.

B]  Por outro lado, os numerosos comentários sobre o assunto publicados nas redes sociais antimodernistas indicam que o fundador e superior geral, Pe. Stefano Manelli, vinha orientando o Instituto no sentido da Tradição. A intervenção, portanto, não visaria apenas afastar os frades da celebração da Missa de São Pio V, mas também, ou sobretudo, pôr fim às resistências de muitos deles às doutrinas controvertidas do Vaticano II e às novidades inauditas do pós-Concílio.
              
C] Segundo deflui do decreto de intervenção da Congregação dos Religiosos e dos documentos de lavra do interventor, recusar tais doutrinas e a Missa de 1969, ou manifestar restrições em relação a elas, seria não ter o “sentir com a Igreja”, em cuja definição, por Santo Inácio de Loyola, se lê:

1ª regra - Renunciando a todo juízo próprio, devemos estar dispostos e prontos a obedecer em tudo à verdadeira esposa de Cristo Nosso Senhor, isto é, à Santa Igreja hierárquica, nossa mãe.

9ª regra - Louvar todos os preceitos da Santa Igreja, e estar disposto a procurar razões em sua defesa, e nunca para os criticar”.

13ª regra - Para em tudo acertar, devemos estar sempre dispostos a crer que o que nos parece branco é negro, se assim o determina a Igreja hierárquica; persuadidos de que entre Cristo Nosso Senhor - o Esposo - e a Igreja - sua Esposa – não há senão um mesmo Espírito, que nos governa e dirige para a salvação das nossas almas. Porque é pelo mesmo Espírito e mesmo Senhor, autor dos dez mandamentos, que se dirige e governa a Santa Igreja, nossa Mãe”.

D]  Com base nos estudos antimodernistas dos últimos cinquenta anos, pode-se atribuir ao Vaticano II o rótulo de “heretizante” ([1]). Seus documentos estão prenhes de proposições próximas da heresia modernista, dela favorecedoras, escandalosas, etc. Assim, é intolerável que o “sentir com a Igreja” seja identificado ao sentir com o Vaticano II. Na raiz dessa falsa identificação está uma noção errônea do Magistério da Igreja.

Falsa concepção da infalibilidade do Magistério

1]  Nosso Senhor prometeu que as portas do inferno não prevaleceriam contra a Igreja ([2]). Mas não foi só isso. Prometeu igualmente que estaria com os apóstolos “todos os dias até a consumação dos séculos” ([3]). Note-se bem, “todos os dias”. Logo, segundo a doutrina clássica de papas e grandes doutores, o ensinamento da Hierarquia em cada época é assistido por Nosso Senhor. Surge aqui a grande questão: o Papa e os bispos hoje vivos podem errar? O católico fiel é obrigado a aceitar incondicionalmente tudo que eles ensinam, como parecem determinar as regras do “sentir com a Igreja” de Santo Inácio de Loyola?

2]  Para muitas figuras representativas da teologia atual que acolhem o Vaticano II como regra absoluta da Fé, o Magistério, tanto pontifício quanto conciliar, jamais pode errar, mesmo quando fala sem preencher as cinco condições necessárias para gozar do carisma da infalibilidade. O Vaticano I definiu essas condições quanto à infalibilidade papal, as quais valem também, mutatis mutandis, para a infalibilidade conciliar. No texto dessa definição dogmática, a seguir transcrito, vêm ressaltadas as cinco referidas condições:

Ensinamos e definimos como dogma divinamente revelado que o Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando,
[1ª condição]  no desempenho do ministério de pastor e doutor de todos os cristãos,
[2ª condição]  define,
[3ª condição]  com sua suprema autoridade apostólica,
[4ª condição]  alguma doutrina referente à fé e à moral
[5ª condição]  para toda a Igreja,
goza, em virtude da assistência divina a ele prometida na pessoa de São Pedro, daquela infalibilidade com a qual Cristo quis dotar a sua Igreja quando define alguma doutrina sobre fé e moral; e que portanto tais declarações do Romano Pontífice são irreformáveis por si mesmas, e não apenas em virtude do consentimento da Igreja”.

3]  Estudos antimodernistas dos últimos decênios já demonstraram amplamente a falsidade da concepção da uma infalibilidade absoluta e omnímoda, que tenho chamado de monolítica ([4]). Prevalece hoje, tanto em relação aos Papas quanto aos concílios ecumênicos, uma doutrina matizada e sólida, segundo a qual o Magistério pode cair em erro e mesmo heresia, quando não preenche as condições da infalibilidade.

4]  Em aprofundado estudo recente sobre essa matéria, o Pe. Daniel Pinheiro, do Instituto Bom Pastor, mostra que “o Magistério desse segundo tipo – não infalível – pode (...) conter erros porque, ao contrário do primeiro grau estudado, não se encontra garantido na verdade por Deus. (...). A possiblidade de erro nesse grau de Magistério é, praticamente, unanimidade entre os teólogos. É incompreensível que alguns afirmem a impossibilidade de erros em atos do Magistério não-infalível. Negar a possiblidade de erro desse Magistério seria torná-lo infalível (...). Deve ser assimilado a esse Magistério o magistério de um Concílio Ecumênico que não possui a voluntas definiendi/obligandi. Trata-se da autoridade suprema que ensina, mas sem a intenção de engajar toda a sua autoridade e revesti-la inteiramente da assistência divina infalível” ([5]).

5]  Para compreender que tal possibilidade de falha magisterial não se opõe às promessas de Nosso Senhor, é importante observar que, segundo a doutrina verdadeira do Magistério ordinário ([6]), uma condição essencial para a infalibilidade de seus ensinamentos é que estes sejam aceitos pacificamente pela Igreja universal, dentro de um tempo suficiente para serem tidos como pertencentes à Fé, e portanto como devendo ser professados pelos fiéis.

6]  E é manifesto que as novidades heretizantes do Vaticano II, mesmo após cinquenta anos de aggiornamento conciliar, jamais contaram com o consenso na Santa Igreja, tanto no corpo docente quanto no discente. Na Carta Apostólica Tuas Libenter, de 1863, Pio IX ressalta a importância fundamental desse consenso, declarando que a sujeição a ser prestada à fé divina “deve ser estendida também ao que é transmitido pelo Magistério Ordinário de toda a Igreja, dispersa pelo orbe, como divinamente revelado, e por isso é tido como pertencente à fé pelo consenso universal e constante dos teólogos católicos”. Adiante, Pio IX afirma que os fiéis devem também submeter-se “aos pontos de doutrina que pelo consenso comum e constante dos católicos são tidos como verdades teológicas e conclusões a tal ponto certas que as opiniões a estas doutrinas opostas, embora não possam dizer-se heréticas, merecem no entanto alguma outra censura teológica” ([7]).

7]  É chocante que, para muitos teólogos modernos, o “sentir com a Igreja” não permite rejeitar ensinamentos do Magistério atual mesmo quando não envolvem a infalibilidade; mas permite negar ensinamentos do passado, mesmo quando garantidos incontestavelmente pela infalibilidade do Magistério Extraordinário ou do Magistério Ordinário universal.

Bento XVI e a continuidade do Concílio com a Tradição

8]  A questão da compatibilidade entre o “sentir com a Igreja” e o sentir com o Vaticano II leva necessariamente ao problema suscitado pelo Santo Padre Bento XVI em dezembro de 2005, ao convocar os católicos a interpretarem o Vaticano II como uma “reforma na continuidade” da Tradição. Ele reprovou a hermenêutica de ruptura segundo a qual os progressistas declaram abertamente que o Concílio se opõe de modo formal às doutrinas de sempre; e reprovou também, como sendo igualmente de ruptura a hermenêutica dos defensores da Tradição, segundo os quais o Concílio contém novidades inconciliáveis com o Magistério anterior.  Que os progressistas rompem com dogmas católicos de todos os séculos é patente e incontestado, de modo que eles se calaram diante do dito de Bento XVI. Os antimodernistas, entretanto, se dedicaram a estudos aprofundados, mostrando cabalmente que não há como interpretar o Vaticano II na linha da “reforma na continuidade”.

9]  Já se tornou tranquilo para os teólogos antimodernistas, únicos que contam ([8]), que o Vaticano II não pode ser entendido como “reforma na continuidade”, mas carrega em seu bojo desvios graves em relação à doutrina tradicional. Essa posição foi recentemente exposta pelo Padre Jean-Michel Gleize, da Fraternidade São Pio X, numa fórmula cortante e concisa: “A hermenêutica da continuidade proposta pelo Papa Bento XVI é um esforço louvável mas vão, um a mais depois de cinquenta anos do Vaticano II. Esforço vão, porque incapaz de superar uma ruptura inscrita nos textos do Concílio” ([9]).

O Cardeal Kasper e a reforma na continuidade

10]  Artigo recente do Cardeal Walter Kasper ([10]), que comentei neste site ([11]), relata fatos fundamentais para a comprovação de que, numa hermenêutica séria e objetiva, não há como interpretar certos textos do Vaticano II na continuidade da Tradição. Depreende-se desse artigo que o Concílio se inspirou na nouvelle théologie. Expõe o Cardeal que Paulo VI, não desejando aprovar formulações às quais os tradicionalistas se opusessem em definitivo, “engajou” a minoria tradicionalista com alterações de redação que atenuavam ou confundiam o sentido das passagens modernizantes. Para isso, diz o Cardeal Kasper, “pagou-se um preço” com “fórmulas de compromisso” em que “as posições da maioria figuram imediatamente ao lado daquelas da minoria, pensadas para delimitá-las”. Essas limitações não tornavam ortodoxos os textos modernistas originais, mas debilitavam seu sentido, afastando ou dificultando as censuras teológicas mais graves, e bloqueando as reações sadias que pudessem surgir.

11]  Continua o artigo explicando que, em razão dessas “fórmulas de compromisso”, “os textos conciliares têm em si um enorme potencial de conflito, abrem a porta a uma recepção seletiva numa ou noutra direção”. 

12]  No mencionado artigo, o Cardeal declara que “a recepção oficial não permaneceu estática, mas, em parte, ultrapassou o Concílio”; “o primeiro passo oficial da recepção foi a reforma litúrgica; foi sobretudo a introdução do novo Missal”; “tudo isso transformou positivamente, sob muitos aspectos, o rosto da Igreja tanto interna quanto externamente”. Essa afirmação, que pelo menos beira o escândalo, permite entender melhor o alcance do título dado pelo purpurado ao artigo: Um Concílio ainda em caminho.

13]  Vê-se pois que o artigo do Cardeal Kasper revela patente descontinuidade do Concílio em face da Tradição. Somente uma hermenêutica a fórceps, e portanto falsa, poderia interpretar o Vaticano II como uma “reforma na continuidade”. Para poder prevalecer, essa hermenêutica haveria de partir do pressuposto de que jamais um Concílio poderia opor-se à Tradição. Haveria de ver nesse pressuposto um dogma de fé, que inexiste. A fórceps, haveria de interpretar as passagens modernistas e modernizantes originais do Vaticano II como se houvessem sido de todo corrigidas por “fórmulas de compromisso”, as quais entretanto, como diz com razão o Cardeal Kasper,  apenas se justapõem às posições da maioria, de modo tal que “os textos conciliares têm em si um enorme potencial de conflito, abrem a porta a uma recepção seletiva numa ou noutra direção”. Isto é, são textos heretizantes.

Modernismo e nouvelle théologie

14]  Como observado no item 13 retro, o mencionado artigo do Cardeal Kasper torna claro que o Vaticano II constituiu grande vitória da nouvelle théologie, condenada por Pio XII na Encíclica Humani Generis, de 1950. Nela está o elemento dinâmico dos textos conciliares, tudo confluindo para o vórtice do modernismo, que, em suas diversas correntes, ainda hoje se pavoneia como se fosse a doutrina católica verdadeira.

15]  O eminente teólogo dominicano Pe. Garrigou-Lagrange se perguntava, já bem antes do Vaticano II, para onde ia a nouvelle théologie, e respondia: “Ela redunda no próprio modernismo, porque aceitou a proposta que este lhe fazia: substituir, como se fosse quimérica, a definição tradicional da verdade, ‘adaequatio rei et intellectus’, pela definição subjetiva, ‘adaequatio realis mentis et vitae’. A verdade já não é a conformidade do juízo com o real extramental e suas leis imutáveis, mas a conformidade do juízo com as exigências da ação e da vida humana sempre em evolução. A filosofia do ser ou ontologia é substituída pela filosofia da ação que define a verdade não já em função do ser mas da ação. Retorna-se, pois, à posição modernista (...). Assim, Pio X dizia dos modernistas: ‘eles pervertem o conceito eterno da verdade’ (...). Ora, deixar de defender a definição tradicional da verdade, permitir seja ela tida como quimérica, dizer que é necessário substituí-la por outra, vitalista e evolucionista, isso leva ao relativismo completo e é um erro  muito grave” ([12]).

Conclusão: “sentir com a Igreja” não pode ser sentir com um Concílio heretizante

16]  Como se vê, os modernistas de hoje pretendem utilizar-se dos conceitos mais sagrados e das doutrinas mais santas da Tradição em favor de seus desvios na fé. Assim é que deturpam e degradam a noção do Magistério, atribuindo-lhe uma infalibilidade que discrepa das definições do Vaticano I. Entendem o “sentir com a Igreja” de forma errônea, levando muitos a interpretá-lo em sentido diverso do ensinamento de Santo Inácio. Valem-se da autoridade suprema de um Concílio Ecumênico para a propagação de suas novidades opostas à fé.

17]  A identificação pelos progressistas do “sentir com a Igreja” ao sentir com o Vaticano II transcende a questão dos Franciscanos da Imaculada, cujo desenrolar os fieis verdadeiros aguardam com extrema preocupação e orações ardentes. De todo modo deve-se proclamar, alto e bom som, que tal identificação não pode prevalecer, porque o Vaticano II foi um Concílio heretizante, insuscetível de uma interpretação como “reforma na continuidade”.

18]  Que Nossa Senhora das Vitórias dê forças ao fundador dos Franciscanos da Imaculada, a seus seguidores e a todos os católicos fiéis, mantendo-os firmes na mais pura ortodoxia em doutrina como na prática; e que Ela abrevie os dias de glória falaz e necessariamente transitória do modernismo.



[1]  Ver, neste site Bonum Certamen,  o artigo “Da qualificação teológica extrínseca do Vaticano II”.
[2]  Mt 16,18.
[3]  Mt 28.20.
[4] Ver, neste site Bonum Certamen, os artigos: “Infalibilidade monolítica e as divergências entre os antimodernistas” e “Grave lapso teológico de Mons. Ocáriz”.
[5]  “Assentimento ao Magistério”, parte I, item 3.2.2, no blog Scutum Fideiwww.scutumfidei.org.
[6]  Ver, neste site Bonum Certamen, o artigo “O caráter orgânico do magistério ordinário”.
[7]  Denzinger-Hünermann, 2875-2880.
[8]  Com efeito, para a finalidade aqui indicada, não se haverá de considerar os teólogos que notoriamente se distanciam da ortodoxia católica. A mesma ideia vem expressa nos itens 9 e 34-c do artigo “Da qualificação teológica extrínseca do Vaticano II”, publicado neste site Bonum Certamen.
[9]  Abbé Jean-Michel Gleize, “Vatican II en débat”, Courrier de Rome, maio 2013, p. 220.
[10]  “Um concílio ainda em caminho”, publicado em L’Osservatore Romano de 12 de abril último.
[11]  Ver, neste site Bonum Certamen,  o artigo “Da qualificação teológica extrínseca do Vaticano II.

[12]  Garrigou-Lagrange, “La nouvelle théologie, ou va-t-elle?”, Angelicum, 1946, vol. 23, p.126-145.


Cinco Cardeais e a nouvelle théologie


Walter Kasper

Paulo Evaristo Arns














Henri de Lubac


Yves Congar
Jean Guénolé Louis Marie Daniélou








1] Em artigos recentes publicados neste site, expus o caráter heretizante do Vaticano II (1) e sua ruptura com a Tradição (2). Em ambos os casos, ficava claro que o Concílio se inspirou na nouvelle théologie, corrente de orientação inconfundivelmente modernista, condenada por Pio XII em 1950 na EncíclicaHumani Generis. Minha argumentação nesse sentido fundava-se, em parte, em artigo publicado em 12 de abril último no Osservatore Romano pelo Cardeal Walter Kasper, intitulado “Um Concílio ainda em Caminho”.

2] Amigos e leitores me pedem que esclareça melhor o papel da nouvelle théologie na atual crise da fé. Nas presentes linhas não pretendo esgotar a matéria sob o ponto de vista doutrinário, histórico ou qualquer outro. Quero apenas pôr em realce o modernismo extremado que imperava em certos círculos teológicos quando da publicação da Encíclica Humani Generis, bem como o seu desenvolvimento nas décadas seguintes, e até nossos dias. Para isso me valho de depoimento do Cardeal franciscano Paulo Evaristo Arns, Arcebispo de São Paulo por mais de 27 anos, de 1970 até 1998, em seu livro “Da Esperança à Utopia – Testemunho de uma Vida” que veio a lume em 2001 (3).

Um frade franciscano estuda em Paris

3] Nesse livro, o autor relata que, em fins de 1947, já ordenado sacerdote, foi estudar em Paris, onde permaneceu até 1952, quando se doutorou na Sorbonne. Dentre os escritores da época, refere Sartre, de quem diz que era “considerado” [sic!] de esquerda ou comunista (p. 80); e refere também os futuros cardeais Daniélou e de Lubac, e ainda “grandes autores dominicanos, entre eles o futuro cardeal Yves Congar” (p. 80).

4] O purpurado prossegue: “A única coisa que nos feriu profundamente foi a intervenção do Papa Pio XII, ou seja [sic!], da Cúria Romana, na chamada nouvelle théologie. Eu frequentava, sem inscrever-me, todos os cursos e conferências de Daniélou, de Congar e dos demais dominicanos. Devo dizer que os admirava, pensando até em imitá-los ao voltar para a pátria” (p. 80).

5] “Um dia se contou – narra ele – (...) que o mestre Daniélou e os demais colegas da Nova Teologia haviam sofrido rude admoestação e até restrições em suas publicações, porque a nouvelle théologie estava sob suspeita. Assisti à reunião dos alunos (...) e verifiquei que a maioria iria abandonar o estudo sistemático da teologia para consagrar-se a outras tarefas, ou simplesmente à pastoral, que vinha sendo renovada aos poucos na França” (pp. 80-81).

6] “Também os padres operários e as Missões da França – escreve o Cardeal Arns – receberam diversas admoestações que feriram nosso espírito de jovem e diminuíram nosso entusiasmo, que era grande, pela ação de Roma no pós-guerra. Só mais tarde, no Brasil, quando foi posta em discussão a Teologia da Libertação, é que (...) vim a sentir o mesmo temor e a manifestar a mesma apreensão ao secretário de estado de Sua Santidade João Paulo II, cardeal Agostinho Casaroli” (p. 81).

Comunismo e Teologia da Libertação

7] A visão do mundo e da Igreja que o Cardeal Arns revela tem uma lógica interna pela qual se estende a todos os campos do pensar e do agir humanos. Assim, não é de admirar que ele qualifique como “jovens idealistas” (pág. 302), e como “a juventude idealista e a intelectualidade mais esclarecida” (pág. 436), os comunistas e comunistóides que em 1964 preparavam confessadamente um golpe para tomar o poder no Brasil, e que posteriormente passaram à clandestinidade, praticando assaltos a bancos, sequestros, assassinatos.

8] E, igualmente, não é de admirar que em 1984, em Roma, ele haja defendido o frade franciscano Leonardo Boff, paladino da Teologia da Libertação, perante a Congregação para a Doutrina da Fé, fato que teve grande repercussão na imprensa mundial. Qualificando o acusado como “um de meus mais queridos ex-alunos”, “cuja ação só favorecia o nosso trabalho pastoral em São Paulo e na América Latina”, o Cardeal Arns informa o resultado do que chama de “diálogo” então havido com o Cardeal Ratzinger, Prefeito da Congregação, com um lamento profundo: “infelizmente o silêncio foi imposto a Leonardo Boff” (pág. 253). 

Cardeal Kasper, nouvelle théologie e Vaticano II

9] Não se pode deixar de relacionar o que diz o Cardeal Arns sobre a nouvelle théologie, com passagens do Cardeal Kasper no Osservatore Romano de 12 de abril, manancial inesgotável de sugestões para análise do Concílio. Ali se lê que a grande maioria dos Padres conciliares abraçou o otimismo do aggiornamento de João XXIII, e “quis acolher as demandas dos movimentos de renovação bíblica, litúrgica, patrística, pastoral e ecumênica, surgidos entre as duas guerras mundiais”. Ora, os textos do Cardeal Arns retro citados mostram à farta o que é sabido por todos os estudiosos da matéria, e por ninguém negado: que o principal desses movimentos de entre-guerras é a nouvelle théologie, condenada por Pio XII.

10] Lê-se ainda naquele artigo do Cardeal Kasper que a maioria dos Padres Conciliares, acolhendo as “demandas” dos referidos movimentos de renovação, quis “entrar em diálogo com a cultura moderna”, o que constituiu “o projeto de uma modernização, que não queria nem podia ser modernismo”. Ora, é igualmente sabido e incontestado, à luz da Tradição católica, que a nouvelle théologie nada mais é do que uma das versões do modernismo. É o que mostra o ínclito Pe. Garrigou-Lagrange no texto sobre o conceito modernista de verdade transcrito em anterior artigo deste site (4), onde fica claro que a nouvelle théologieredunda no próprio modernismo”. Portanto, o chamado “projeto de modernização” do Concílio, que conta com viva aprovação do Cardeal Kasper, é pleno modernismo.

Dos cinco referidos Purpurados

11] O padre jesuíta francês Jean Guénolé Louis Marie Daniélou (1905-1974) foi perito conciliar, criado Cardeal por Paulo VI em 1969.

12] O frade franciscano brasileiro Paulo Evaristo Arns nasceu em 1921. É Arcebispo emérito de São Paulo. Foi elevado ao Cardinalato em 1973, pelo Papa Paulo VI.

13] O padre jesuíta francês Henri de Lubac (1896-1991) difundia suas doutrinas novas já antes da segunda guerra mundial. Teve sua atividade docente restringida por Roma nas vésperas da publicação da Encíclica Humani Generis, com sanções mais graves em seguida. Sob João XXIII, foi perito na preparação do Vaticano II, e depois perito conciliar. Foi elevado ao cardinalato por João Paulo II em 1983. O Papa Francisco o tem como um de seus pensadores franceses contemporâneos prediletos (5).

14] O frade dominicano francês Yves Congar (1904-1995) defendia, logo depois da segunda guerra mundial, doutrinas novas sobre o ecumenismo, a colegialidade e outras matérias, o que levou o Vaticano a impor-lhe, em 1947, restrições na atuação docente. Seu livro “Verdadeira e Falsa Reforma na Igreja” foi proibido por Roma em 1952. Foi afastado do ensino em 1954. Em 1960, João XXIII o convidou para perito da comissão teológica preparatória do Vaticano II. Foi, depois, perito conciliar. De 1969 a 1985 fez parte da Comissão Teológica Internacional. Foi nomeado Cardeal em 1994, por João Paulo II.

15] O sacerdote Walter Kasper nasceu em 1933 na Alemanha. Foi assistente de Hans Küng. João Paulo II o nomeou Bispo de Rottenburg-Stuttgart em 1989, e Cardeal em 2001. Em 2010 foi aceito seu pedido de renúncia, por limite de idade.

Nouvelle théologie e Vaticano II

16]  A influência profunda da nouvelle théologie no Concílio Vaticano II é pacificamente admitida pelos autores. Jurgen Mettepenningen, por exemplo, da Faculdade de Teologia e Estudos Religiosos da Universidade Católica de Louvain, cujos trabalhos sobre o assunto, de orientação progressista, têm tido ampla divulgação internacional, declara: “nouvelle théologie (...) foi o nome de um dos movimentos mais dinâmicos e fascinantes na teologia católica no século XX. Embora inicialmente condenada pelo Papa Pio XII em 1946, e posteriormente em sua Encíclica Humani generis, de 1950, tornou-se influente na preparação do Concílio Vaticano II”. Esse texto consta em livro cujo título já fala por si, indicando que a nouvelle théologie é herdeira do modernismo e precursora do Vaticano II:“Nouvelle Théologie - New Theology - Inheritor of Modernism, Precursor of Vatican II” (6).

17] O papel dos peritos da nouvelle théologie no Concílio foi decisivo, especialmente o do Pe. Congar. Segundo a revista progressista francesaInformations Catholiques Internationales , ele inspirou diretamente dez dos dezesseis textos” (7).

18] O eminente historiador Roberto de Mattei escreve que, em seu Diário, “Congar reivindicou a paternidade da redação parcial ou total de muitos documentos: Lumen Gentium, De Revelatione, De ecumenismo, Dichiarazione sulle religioni non cristiane, Schema XIII [Gaudium et Spes], De Missionibus, De Libertate religiosa, de presbyteris” (8).

A técnica nada escolástica das insinuações e silêncios favorecedores da heresia

19] O Pe. José Francisco Hernández Medina, E.P., publicou artigo intitulado “La nouvelle théologie” (9), em que confirma plenamente o panorama geral dos fatos aqui relatados. O trabalho, com graves insinuações e silêncios favorecedores danouvelle théologie, é aqui analisado porque caracteriza bem a posição de muitos que, mantendo as aparências de fidelidade à boa doutrina, querem entretanto sintonizar-se com o modernismo dominante.

20] O Pe. Hernández Medina ali escreve que “o período entre as duas grandes guerras foi assinalado na França e também na Alemanha por um notável desenvolvimento da teologia, particularmente da católica”. Se é de estranhar essa alusão ao que seria um “notável desenvolvimento” da teologia não católica, a perplexidade cresce quando se lê, a seguir, que “a crise modernista e a publicação da Encíclica Pascendi (...) ‘impuseram’, por assim dizer, a ‘reforma da teologia’”, de modo a “‘renovar a teologia’ depois da crise modernista, procurando superar a dialética, história e dogma, ‘dialogando’ com a ciência, em continuidade com a teologia clássica”. Nessa passagem, o autor insinua que anouvelle théologie estaria na continuidade da Tradição, isto é, da “teologia clássica”; ora, é patente que tanto a nouvelle théologie quanto o Concílio em suas novidades e o chamado pós-Concílio, não se situam na continuidade da Tradição(10).

21] Adiante se lê que “a primeira reação dos meios eclesiásticos em confronto com essa nova teologia foi considerá-la semimodernista, tendente ao relativismo filosófico e dogmático e ao subjetivismo, em nome da experiência religiosa”. O Pe. Hernández Medina relata ─ sempre evitando emitir qualquer censura ─ que o Pe. Chenu, O.P., outro grande expoente da nouvelle théologie, assim lamentou a condenação desta por Pio XII: “Ao nosso pequeno colégio de trabalho nada restava senão fechar as portas”. E informa ainda que o Pe. Chenu registrou a asfixia dos seus partidários, ao falar na  “atmosfera que se tornara irrespirável”; e que só com João XXIII a nouvelle théologie teria voltado a sentir o ar oxigenado. Diz o Pe. Hernández Medina: “Com a subida de Ângelo Roncalli ao sólio pontifício (1958-1963), muitas coisas mudaram”, e a seguir cita o Pe. Congar: “João XXIII, em menos de algumas semanas, e em seguida o Concílio, criaram um clima eclesial novo. A abertura maior veio do alto. De um golpe, forças de renovação que tinham dificuldade para se manifestar abertamente podiam agora desenvolver-se”.

22] Note-se que o articulista não acusa a nouvelle théologie de heterodoxia, como um teólogo católico teria obrigação de fazer. Nem sequer insinua a mais leve censura a ela. E ─ nisso coerente consigo mesmo ─, também não louva as zelosas atitudes de São Pio X e de Pio XII ao condenarem erros de que a nouvelle théologie está encharcada. Diz apenas que, após as acusações da “primeira reação” dos meios eclesiásticos (ou da Santa Sé?), “muitas coisas mudaram”, com João XXIII e o Concílio. Ademais, as citações sem reservas do Pe. Congar e do Pe. Chenu deixam ver pelo menos a simpatia larvada pelo “clima eclesial novo”, de “abertura” vinda do alto, que afinal liberou as “forças de renovação” da nouvelle théologie.

23] No conjunto do sibilino artigo, inçado de silêncios tristemente eloquentes, o leitor recolhe a impressão de que o autor se afasta da clara posição de Pio XII e admiteque a nouvelle théologie não é semimodernismo, e que portanto sua condenação pela Santa Sé teria decorrido de um equívoco, posteriormente corrigido por João XXIII e pelo Concílio.

24] Permito-me aqui repetir que tem interesse especial esse artigo do Pe. Hernández Medina por mostrar até onde chegam certos círculos na origem claramente antimodernistas, que contudo não resistiram à tentação de aderir ao Vaticano II. Não renegam explicitamente suas posições anteriores, fundadas em São Pio X e Pio XII ─ talvez porque suas bases não o tolerariam. Dentro da contradição intrínseca à orientação que abraçaram, é logicamente inevitável que adotem linguagem não escolástica, escorregadia, simpática à nouvelle théologie, carregada de ambiguidades, insinuações e estranhos silêncios. Seus textos, claramente favorecedores de más doutrinas, sujeitam muitos católicos à tentação dabaldeação ideológica inadvertida (11), em direção ao vórtice modernista que hoje tudo atrai.

Conclusão: o modernismo triunfante

25] Os fatos aqui expostos põem em relevo as dimensões apocalípticas da infiltração do modernismo nos meios católicos, até mesmo na alta hierarquia, bem como seu surpreendente favorecimento ao longo de mais de meio século. Diante disso, não pode o fiel calar-se, segundo ensina Dom Guéranger: "Quando o pastor se transforma em lobo, é ao rebanho que, em primeiro lugar, cabe defender-se. Normalmente, sem dúvida, a doutrina desce dos Bispos para o povo fiel, e os súditos, no domínio da Fé, não devem julgar seus chefes. Mas há, no tesouro da revelação, pontos essenciais, que todo cristão, em vista de seu próprio título de cristão, necessariamente conhece e obrigatoriamente há de defender. O princípio não muda, quer se trate de crença ou procedimento, de moral ou de dogma . [...]Os verdadeiros fiéis são os homens que extraem de seu Batismo, em tais circunstâncias, a inspiração de uma linha de conduta; não os pusilânimes(12).

26] Que, na situação de extrema confusão doutrinária dos dias de hoje, Nossa Senhora das Vitórias conceda aos “verdadeiros fiéis” a que se refere D. Guéranger, Suas mais escolhidas graças de discernimento sobrenatural, para que possam defender-se do modernismo triunfante e contra ele lutar.
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NOTAS

1  Ver neste site Bonum Certamen o artigo “Da qualificação teológica extrínseca do Vaticano II”, postado em 29.06.2013.
2  Ver neste site Bonum Certamen o artigo “Sentir com a Igreja é sentir com o Vaticano II?”, postado em 02.09.2013.
3  Editora Sextante, São Paulo, 2001, 480 pp.
4    Ver neste site Bonum Certamen o item 15 do artigo “Sentir com a Igreja é sentir com o Vaticano II?”, postado em 02.09.2013.
5    Cf. Civiltà Cattolica nº 3.918, ano 164, 19.09.2013, Entrevista com o Papa Francisco, pp. 449/477.
6  T&T ClarkLondon/New York, 2010.
7  N. 336 - May 15, 1969, p. 9.
8  “Il Concilio Vaticano II, Una Storia mai scritta”, Lindau, Torino, 2010, p. 522.
9   Hernández Medina, José Francisco, La «Nouvelle Théologie», Università Gregoriana, postado em 17.10.2009 in www.presbiteros.arautos.org, em italiano.
10  Ver neste site Bonum Certamen o artigo “Sentir com a Igreja é sentir com o Vaticano II?”,02.09.2013.   
11  Cf. Plinio Corrêa de Oliveira, “Baldeação Ideológica Inadvertida e Diálogo”, Catolicismo, nos178/179, out-nov/1965, Campos/RJ, Brasil.
12 D. Prosper Guéranger, “L'année liturgique, Le temps de la Septuagésime, fête de Saint Cyrille d’Alexandriep. 321.


No tribunal, Romênia reencontra passado sombrio




Andrew Higgins
O Estado de S.Paulo
The New York Times


Alexandru Visinescu, ex-comandante do partido comunista romeno, aos 88 anos.

Lembrado como um sádico brutal pelos que conseguiram sobreviver na prisão que comandava, Alexandru Visinescu ainda espuma violência. "Saia da minha porta ou quer que eu pegue um pau e o espanque?", berrou o ex-comandante, hoje aos 88 anos, quando um jornalista bateu à porta do seu apartamento no centro de Bucareste.
Como outros funcionários do governo comunista romeno, Visinescu, atualmente um aposentado debilitado e corcunda, não gosta de ser perturbado. Até recentemente, estava tranquilo, vivendo em paz com uma aposentadoria generosa e um apartamento confortável, cercado de fotos em preto e branco dele jovem, posando em uniforme. E passava o tempo fazendo caminhadas tranquilas num parque vizinho.
Sua paz acabou no início de setembro, quando promotores em Bucareste anunciaram que Visinescu seria levado a julgamento pela participação nos abusos cometidos na era comunista. Seria o primeiro julgamento envolvendo fatos ocorridos na Romênia desde que o ditador Nicolae Ceausescu foi derrubado e executado, em dezembro de 1989.
A abertura desse processo provocou uma enxurrada de notícias na mídia e aumentou as esperanças de vítimas e seus advogados de que a Romênia finalmente acompanhará a maioria dos seus vizinhos da Europa Central e Oriental, curando-se de uma amnésia nacional.
Aos olhos de muitas pessoas, a execução de Ceausescu representou o fim apenas do líder da mais funesta ditadura do antigo bloco comunista, mas o sistema permaneceu praticamente intacto. Essa continuidade no poder das elites comunista e pós-comunista explica porque existe uma forte resistência diante de um acerto de contas sério com os crimes do passado na Romênia, onde persiste uma nostalgia da era comunista.
"Estamos vindo de um período muito difícil e sórdido", disse Laura Stefan, do Expert Forum, grupo de Bucareste que faz campanha para o fortalecimento da ordem legal no país. "A corrupção tem uma forte relação com o fato de não discutirmos o nosso passado", disse. Laura acolheu bem o processo aberto contra Vinisescu, que considera um sinal encorajador. "Pensar que essas pessoas são culpadas e devem pagar é alguma coisa muito nova."
Um outro ex-comandante de um campo de prisioneiros, Ion Ficior, também está sendo investigado e deverá ir a julgamento. Laura, porém, tem dúvidas da "seriedade de fato" das autoridades quanto a colocar Vinisescu e outros na prisão. "Não estou otimista, de modo nenhum", afirmou.
Um fato que reforça a dúvida é que o ex-comandante é acusado de genocídio, o que normalmente aplica-se a atos que visam liquidar, em parte ou inteiramente, um grupo étnico ou religioso, e não se refere à repressão política.
Uma acusação de genocídio será difícil de ser sustentada num tribunal romeno e também n Corte Europeia de Direitos Humanos, em Estrasburgo, na França, o que preocupa aqueles que há muito tempo demandam justiça e não querem ver o caso como mais uma tentativa fracassada de o país chegar a um acordo com seu passado.
"Eles o acusaram de genocídio, de modo que poderão encerrar esse caso sem um resultado", disse Dan Voinea, professor de criminalística que foi um dos promotores no precipitado processo encenado de Ceausescu e sua mulher, Elena, em 25 de dezembro de 1989. "Entre as elites política da Romênia ainda prevalecem os antigos comunistas, seus parentes e aliados, que querem garantir que os crimes do comunismo jamais sejam revelados e julgados seriamente", disse.
Brutalidade. A Romênia, sob a ditadura de Ceausescu, foi submetida ao governo stalinista mais autoritário da Europa Oriental, um pesadelo paranoico no qual havia, em média, um informante da temida Securitate, a agência de segurança do regime, para cada 30 pessoas. A repressão a dissidentes era tão ampla que os romenos eram proibidos de possuir uma máquina de escrever sem autorização da polícia.
A Promotoria-Geral de Bucareste, chefiada por um ex-soldado que tomou parte na execução de manifestantes, chamados terroristas durante a revolta de 1989 contra Ceausescu, não quis se pronunciar sobre o caso de Vinisescu. Não explicou porque decidiu abrir processo contra ele por genocídio, crime que dificilmente será provado, mas poderá ser uma maneira de contornar a prescrição legal para crimes menos graves.
Para muitas pessoas, porém, esse julgamento é importante porque, pela primeira vez, vai mostrar até onde é possível confiar em um sistema penal que produziu abusos físicos, psicológicos e assassinatos. Foi o que ocorreu especialmente na prisão de Ramnicu Sarat, a 150 quilômetros de Bucareste, reservada a presos políticos. Visinescu dirigiu-a de 1956 a 1963.
"O mal tem um rosto na Romênia", disse Vladimir Tismaneanu, professor da Universidade de Maryland que liderou uma comissão, criada em 2006 pelo governo romeno, para examinar os crimes cometidos na era comunista. "Uma coisa é o mal no sentido abstrato, mas a sociedade precisa vê-lo representado num indivíduo."
Aurora Dumitrescu, detida em 1951, aos 16 anos, e levada a uma prisão feminina dirigida por Vinisescu, lembra dele como "um monstro". Ela disse que ele tinha prazer em enviar os presos para a "câmara escura", um quarto úmido de concreto sem janelas usado para espancamentos e tortura psicológica. "Para ele, éramos animais", afirmou Aurora.
O ex-comandante, acusado de envolvimento em seis mortes, disse a jornalistas romenos que não pode ser responsabilizado por decisões tomadas por seus superiores. "Nunca matei nem mesmo uma galinha", disse Vinisescu à TV romena, completando que "apenas" cumpriu ordens. "Sim, pessoas morreram. Mas outras também morreram em outros lugares. Morreram aqui, lá, em todo lugar."
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Fonte: ESP
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