Em 1982, uma
sondagem do instituto Gallup revelava um fenômeno impressionante da mentalidade
ocidental. Um em cada quatro europeus declarava ser adepto da teoria da
reencarnação. O fenômeno tinha todas as oportunidades para se expandir, uma vez
que, no mesmo ano, 28% dos britânicos apoiavam esta doutrina enquanto, dez anos
antes, não eram mais de 18%.
As cifras crescem
sem parar nos últimos 12 anos. Mostram de modo evidente que essa crença não se
limita às margens do Ganges, mas que exerce uma real força de sedução nas
mentalidades ocidentais. A multiplicação dos livros, artigos, programas
televisivos, filmes, que se prestam a gravá-la na inteligência, convida-nos a
examiná-la atentamente.
Apresentação geral
A reencarnação, ou
metempsicose, é uma doutrina filosófica que prega a transmigração da alma, ao
considerá-la suficientemente independente do corpo para que não esteja ligada a
ele de modo exclusivo. Depois da morte, ela une-se a outro corpo para começar
nova vida. A alma é semelhante a um homem que tem de mudar-se regularmente. Em
uma determinada data, deixa necessariamente uma morada para ir habitar em
outra. A metempsicose distingue-se da reencarnação no que admite a migração das
almas nos animais e nas plantas, enquanto esta última a restringe ao gênero
humano.
Uma breve exposição
nos ajudará a conhecer melhor tais doutrinas1. As tribos animistas
da África conservaram a religião das hordas ancestrais. Na morte, a alma
lamenta pelo seu corpo, desejando assim unir-se seja aos objetos a que era
apegada, seja aos animais ou mesmo aos seres humanos. As coisas ou animais
tornavam-se protetores da família dos descendentes. A metempsicose encontra-se
aqui mais próxima da superstição que da religião. Ainda que de modo secundário,
essa crença ressurge em uma forma mais elaborada no Egito das pirâmides. Para
os egípcios, a alma, depois da morte, vai juntar-se às estrelas incontáveis
(versão mais antiga), ou fundir-se na alma universal que habita o sol (versão
panteísta mais tardia). Por vezes, todavia, a alma do pecador pode ser
constrangida a entrar no corpo de um porco para que ali leve uma vida miserável
sobre a terra.
Tal doutrina aparece
na Grécia por volta do século VI a.C.. Desconhecida até então, logo adota um
novo formato, elaborado através do mito de Orfeu. Composto de um elemento mal e
outro divino, o homem deve se libertar do princípio maligno que quer
governá-lo, para permitir o triunfo da força divina. Logra-o por purificações
sucessivas, reiteradas ao longo de uma série de existências terrestres, até o
ponto em que se escuta dizer esta sentença liberadora: Bem-aventurado e
feliz, serás deus e não mais mortal2.
Pitágoras faz sua a
teoria. Mais ainda, afirma lembrar-se de todas as vidas anteriores, que faz
começar em Aitalides, filho de Hermes. Platão é mais prudente em seus
escritos: Em tal matéria, é impossível, ou pelo menos dificílimo, chegar a
uma evidência. (Fédon, 85) Contudo, sua concepção da metempsicose não é
menos precisa. Na morte, a alma passa uma estada no inferno para um tempo de
provações, depois do que se une por iniciativa própria aos seres que se lhe
assemelham. Se a alma se encontra pura no momento da morte, isto é, isenta de
todas as máculas do corpo, é-lhe imposta não obstante uma provação de três mil
anos, em meio de que precisará sofrer três outras vidas terrestres, conservando
a inocência. Só então será fundida para sempre em um espírito divino, imortal e
cheio de sabedoria. Por outro lado, a alma dos tiranos e dos incorrigíveis
viverá em uma eterna infelicidade, unida aos seres corrompidos que se lhe
assemelham. Quanto àqueles cuja malícia não é invencível, podem reencarnar para
se purificar e avançar até à sabedoria. A despeito disso, mil anos de provação
separam duas encarnações sucessivas. Aristóteles considera com desdém o que
chama de “fábulas pitagóricas”3 Recusa-as
baseado em graves razões filosóficas, que iremos examinar. A alma não é
estranha ao corpo. Constitui, com o corpo, um todo substancial, uma só
realidade concreta. Uma alma determinada dá o ser e aperfeiçoa um determinado
corpo: “Uma alma não pode entrar num corpo qualquer”4
No final do século
II antes de nossa era, a metempsicose passou da Grécia para Roma por intermédio
do poeta Ênio (239-169 a.C.). Aí parece ter sido admirada, já que descobrimos
menções a seu respeito em Horácio, Ovídio e Virgílio.
Mas é na Índia e no
Oriente Distante que a teoria da reencarnação encontrou sua terra de predileção,
conhecendo sucesso prodigioso. Notemos, antes de tudo, que os livros védicos,
levados pelos Arianos ao norte do país (2000 anos a.C.), não davam qualquer
sinal da metempsicose. Essa só aparece com os Upanishads (700 anos a.C.). Tal
moral está subtendida por um princípio primordial: a felicidade das almas
consiste na fusão com a alma universal do tudo. A boa ação é a que favorece o
aniquilamento da personalidade, dos apetites, da atividade própria. E, já que a
fonte de todo mal é a sede de existência, o ato mal é o que a alimenta.
Enquanto a soma dos atos maus não for compensada pela dos atos bons, a alma
deverá renascer à vida terrestre. Ela será liberada dessa fatalidade quando
tiver apagado todo desejo de existir, quando tiver atingido a inação absoluta,
o vazio completo. É a absorção na alma universal (o brahma) ou nirvana.
O budismo na China
retoma o mesmo pensamento, radicalizando-o. Como seu predecessor, segue a
destruição da personalidade, mas parece ignorar a alma suprema, a ponto de só
se interessar pelo nirvana em si mesmo. Acentua, destarte, o niilismo hindu.
Métodos ascéticos mui austeros são estabelecidos, a fim de se realizar o nada,
não mais obstando a reminiscência das vidas passadas.
No Oriente assim
como no Ocidente, a metempsicose nos parece como um fenômeno em contínua
expansão. Nada parece deter sua progressão. Nada, salvo o cristianismo. Com
efeito, só o formidável esforço da Igreja nos dois primeiros séculos de nossa
era pôde estancar tal doutrina. Em todo lugar onde o Evangelho foi pregado, ela
caiu no esquecimento ou teve de se esconder. No Ocidente, vemo-la refugiar-se
na cabala do século II. Qualquer alma, ensina, possui em si o princípio de seu
próprio aperfeiçoamento, devendo conduzi-la até à substância divina, onde entrará
depois de uma ou várias vidas terrestres.
Os gnósticos retomam
a mesma concepção dinâmica da reencarnação. Esta não é tão-somente punição
pelas faltas de vidas passadas, mas uma etapa da ascensão da alma à divindade
pelo impulso de seu próprio dinamismo interior.
Veiculada pela
cabala e pela gnose, tal pensamento é retomado, no século XVI, pelo matemático
Jerome Cardan (1501-1576) e pelo filósofo Giordano Bruno (1548-1600). O século
XIX fornece vários adeptos notórios desse pensamento, mas é contudo com a
teosofia e a antroposofia, no século XX, que o movimento toma um formidável
alcance.
Tal é, por exemplo,
o vaticínio de Rudolf Steiner5, fundador da
antroposofia: “Quando superamos a ilusão do EU terrestre habitual, escreve ele,
quando logramos a visão espiritual, podemos reconhecer o EU tal como atravessou
o mundo espiritual entre a morte e um novo nascimento, e como no seio desse
mundo dotado de impulsos morais, ele se comporta em função de sua vida
terrestre precedente, e como introduz na vida terrestre atual tudo o que vimos
exprimir-se nas inclinações do ser humano (...). “Quando observo uma planta, me
é possível perceber que ela tem em si um impulso vital durável, que reaparecerá
em uma outra planta quando a primeira já estiver, muito tempo depois, reduzida
a cinzas.”6
Nos anos 60, com a
fascinação pela Índia, a expansão toma aspecto de um grande contágio.
Assistimos a uma verdadeira campanha orquestrada por todos os meios de
comunicação. Os livros se multiplicam, os testemunhos mais perturbadores são
transmitidos pelas ondas e telas7. Logo, a
“Nova Era” faz disso um de seus temas favoritos, dando a ele a eficaz
sustentação de sua organização e finanças. A propaganda alcançou um formidável
sucesso, o que constatamos até à hora presente.
Concluamos este
sobrevôo de séculos e civilizações por um comentário geral. O cônego Vernette
observa, com justeza, que a teoria da reencarnação não aparece nas diversas
religiões, nem no seu nascimento nem à sua idade de ouro, mormente em seu
declínio. Denuncia certo desgaste, marca o fim de uma era. “A crença na
reencarnação parece surgir no momento das grandes crises de sentido: quando
buscamos uma nova resposta religiosa às questões metafísicas a respeito da
origem e do fim do homem, sobre o mal e o sofrimento”. A religião é
sufocada e torna-se impotente para responder as inquietudes do homem. Este,
pois, se refugia na metempsicose. Graças a ela, em primeiro lugar, nossos
mortos não nos deixam mais, porém continuam a viver entre nós. Ela também nos
vem consolar de nossos fracassos e de nossa impotência em fazer o bem,
fazendo-nos crer que outra vida nos tornará melhores. Nada está definitivamente
decidido. O sofrimento toma um novo sentido. Não é mais um escândalo revoltante
para aqueles que não são cristãos, mas a justa expiação de uma vida
anterior. Enfim, essa doutrina nos dá serenidade para enfrentar os males do
tempo presente. Os cataclismos e a morte são apenas passagens obrigatórias para
uma nova existência mais feliz. O “paraíso terrestre” permanece sempre
possível. Compreendemos melhor a força de sedução que essa doutrina exerce
sobre os espíritos deste fim de século XX. Mas a metempsicose cumpre suas
promessas? Tem alguma possibilidade de conduzir o homem à felicidade? É crível?
É verdadeira?
Para responder,
devemos examinar tal doutrina de um duplo ponto de vista: o da fé e o da razão
natural.