Fonte: Permanência
Régine Pernoud
Como em todas as épocas, a criança da Idade Média vai à escola. Em
geral, à escola da paróquia ou do mosteiro próximo. Com efeito, todas as
igrejas possuem uma escola. O Concílio do Latrão, em 1179, torna essa obra
obrigatória, e é comum ainda hoje, na Inglaterra, país mais conservador que o
nosso, encontrar reunidas igreja, escola e cemitério. Acontecia também do
ensino ser assegurado por fundações senhoriais. Rosny, vilarejo das margens do
Sena, tinha, desde o início do século XIII, uma escola fundada em 1200 pelo
senhor local, Guy V Mauvoisin. Às vezes trata-se também de escolas simplesmente
privadas: os habitantes de uma propriedade se associam para pagar um mestre
encarregado do ensino das crianças. Um pequeno texto engraçado nos conservou a
petição de alguns pais pedindo a dispensa de um professor que, não tendo
conquistado o respeito de seus alunos, chega a ser por eles espetado com os
estiletes, com os quais se escrevia em tabuinhas cobertas de cêra – eum pugiunt grafionibus.
Mas os privilegiados são, evidentemente, os que podem freqüentar as
escolas episcopais ou monásticas, ou ainda as capitulares, pois os capítulos
das catedrais estavam também submetidos à obrigação de ensinar, pelo mesmo
Concílio do Latrão[1]. Algumas delas adquirem,
na Idade Média, um brilho particular, como a de Chartres, de Lyon, ou de Le
Mans, onde os alunos ensinavam tragédias antigas; a de Lisieux, onde, no início
do século XII, o próprio bispo gostava de vir ensinar; a de Cambrai, da qual um
texto citado pelo erudito Pithou nos faz saber que foram estabelecidas para o
bem do povo na gerência de seus negócios temporais.
As escolas monásticas tiveram, talvez, mais fama ainda, e os nomes de
Bec, de Fleury-sur-Loire, onde foi educado o rei Roberto o Piedoso, de
Saint-Géraud d'Aurillac, onde Gerbert aprendeu os primeiros rudimentos das
ciências que iria elevar a tão alta perfeição, vêm naturalmente à lembrança,
como ainda a de Marmoutier, perto de Tours, de Saint-Bénigne, de Dijon, etc. Em
Paris encontra-se, desde o século XII, três séries de estabelecimentos
escolares: a Escola Notre-Dame, ou grupo de escolas do bispado, cujo cantor da scola assume a direção para as classes
menores e o chanceler do bispado para as classes avançadas; as escolas das
abadias como Sainte-Geneviève, Saint-Victor ou Saint-Germain des Prés; e as
instituições particulares abertas por mestres que obtiveram licença para
ensinar, como Abelardo.
A criança era admitida com sete ou oito anos, prolongando-se os estudos
preparatórios para a Universidade por cerca de dez anos, como hoje. São os
dados registrados pelo Pe. Gilles Muisit. Os meninos estudavam separados das
meninas que, em geral, tinham escolas à parte, em menor número, talvez, mas
onde os estudos eram, em muitos casos, de nível elevado. A abadia de
Argenteuil, onde foi educada Heloisa, ensinava às meninas as Sagradas
Escrituras, letras, medicina e até cirurgia, sem falar no grego e hebreu
ensinados aí por Abelardo. Em geral, as pequenas escolas davam a seus alunos
noções de gramática, aritmética, geometria, música, teologia, que lhes permitia
alcançar os estudos universitários. Parece também que algumas davam também
algum estudo técnico. A Histoire
Literaire cita, por exemplo, a escola de Vassor, na dioceses de Metz, onde,
além de aprender as Sagradas Escrituras e as letras, trabalhava-se o ouro, a
prata e o cobre[2]. Os mestres eram quase
sempre ajudados pelos mais velhos e pelos melhores alunos, como acontece ainda
hoje no «ensino mútuo»:
C'étoit ce belle chose de plenté d'écoliers:
Ils manoient ensemble par
loges, par soliers,
Enfants de riches hommes et
enfants de toiliers
|
Como era bonito todos aqueles escolares
Juntos em suas classes, nas salas
Filhos de ricos com filhos de pobres
|
Quem escreve isso é Gilles le Muisit, em suas lembranças de infância; de
fato, nesta época, as crianças de todas as «classes» da sociedade eram
instruídas juntas, como mostra a célebre história de Carlos Magno castigando os
filhos dos barões que eram preguiçosos, ao contrário dos filhos de servos e dos
pobres. A única distinção estabelecida era no custo do ensino, sendo ele
gratuito para os pobres e pago para os ricos. A isenção de taxa de estudo podia
prolongar-se por toda a duração da época escolar, incluindo o acesso ao
mestrado, como mostra o Concílio do Latrão, já citado, que proibia aos
dirigentes das escolas de «exigir dos candidatos ao professorado remuneração
para conceder a licença».
Aliás, na Idade Média, quase não há diferenças na educação das crianças
de diversas condições. O filho de qualquer pequeno vassalo são educados na sede
senhorial com os filhos do suserano; os dos ricos burgueses passam pelo mesmo
aprendizado que os do último artesão, se pretendem assumir um dia a loja
paterna. É por isso, sem dúvida, que se multiplicam os exemplos de grandes
personagens saídos de famílias humildes: Suger, que governou a França durante a
Cruzada de Luiz VII, é filho de servo; Maurice de Sully, bispo de Paris que fez
construir Notre-Dame, era nascido de um mendigo; São Pedro Damião, em sua
infância, cuidava de porcos, e uma das mais brilhantes luzes da ciência
medieval, Gerbert d'Aurillac, também era pastor; o Papa Urbano VI era filho de
um pequeno sapateiro de Troyes, e Gregório VII, o grande Papa da Idade Média,
filho de um pastor de cabras.
Por outro lado, muitos dos grandes senhores foram letrados e tiveram
educação como a dos clérigos: Roberto o Piedoso compunha hinos e seqüências
latinas; Guillaume IX, príncipe da Aquitania, foi o primeiro trovador
conhecido; Ricardo Coração de Leão nos deixou poemas, como também os senhores
de Ussel, de Baux, e muitos outros. Isso sem falar dos casos excepcionais, como
o do rei de Espanha, Alfonso X, o Astrônomo, que escreveu poesias, obras de
Direito, estabeleceu progresso notável nas ciências astronômicas da época,
redigindo suas Tábuas Alfonsianas, deixando também vasta crônica sobre as
origens da História da Espanha e uma compilação de Direito Canônico e de
Direito Romano que formaram o primeiro Código de Direito de seu país.
Os alunos mais capazes seguem, naturalmente, para a Universidade. Eles a
escolhem segundo sua especialidade. Em Montpellier, medicina: desde 1181,
Guilheme VII, senhor da cidade, conferiu a qualquer pessoa, de qualquer lugar
que viesse, a liberdade de ensinar esta arte, desde que apresentasse garantias
de seu saber. Orléans se especializou em Direito Canônico, como Bolonha em
Direito Romano. Mas já então, nada se comparava com Paris, onde o ensino das artes
liberais e da teologia atraía estudantes de todos os lugares: Alemanha, Itália,
Inglaterra, e até da Dinamarca e Noruega.
Estas Universidades são invenções eclesiásticas, como que a continuação
das escolas episcopais, com a diferença que elas dependerão diretamente do
Papa, e não do bispo local. A bula Parens
Scientiarum de Gregório IX, pode ser considerada como a ata de fundação da
Universidade medieval, com seus regulamentos estabelecidos em 1215 pelo cardeal
legado Robert de Courçon, agindo em nome de Inocêncio III, e que reconhecem aos
mestres e estudantes o direito de associação. Criada pelo papado, a
Universidade tem características inteiramente eclesiásticas: os professores
pertencem todos à Igreja, e as duas grandes Ordens religiosas que a iluminam no
século XIII, Franciscanos e Dominicanos, conhecerão aí grandes glórias, com um
São Boaventura e um São Tomás de Aquino.
Todos os alunos são chamados clérigos,
mesmo quando não se destinam ao sacerdócio, e alguns recebem a tonsura. Mas
isso não significa que só se ensinava a teologia, pois os programas incluem
todas as grandes disciplinas científicas e filosóficas, gramática, dialética,
além da música e geometria.
Esta «universidade» de mestres e alunos forma uma sociedade autônoma.
Philippe-Augusto, desde 1200, retira seus membros da jurisdição civil – o que
quer dizer, dos próprios tribunais reais. Mestres, alunos e mesmo domésticos da
Universidade ficam submetidos aos tribunais eclesiásticos, o que é considerado
como privilégio e consagra a autonomia desta corporação de elite. Mestres e
estudantes ficam assim isentos de obrigações para com o poder central; eles
próprios administram a Universidade, tomam em comum as decisões e gerenciam a
caixa, sem nenhuma intromissão do Estado. Esta é a característica fundamental
da Universidade medieval e certamente a que mais a distingue da atual.
Esta liberdade favorece, entre as diversas cidades, uma concorrência
difícil de se imaginar hoje. Durante anos, os mestres de Direito Canônico de
Orléans disputam com os de Paris para conquistar seus alunos. Os registros da
Faculdade de Decreto, publicados na Coleção de Documentos Inéditos, estão
cheios de queixas contra os estudantes parisienses que vão à Orléans para colar
grau, pois os exames eram mais fáceis. Ameaças, expulsões, processos, de nada
adiantam, e as brigas prolongam-se sem fim. Concorrência também de professores,
uns muito estimados, outros menos; teses discutidas apaixonadamente, com os
estudantes formando facções que chegam até a greves. A Universidade, muito mais
do que em nossos dias, era, na Idade Média, um mundo agitado.
E um mundo cosmopolita: as quatro «nações» que dividem os clérigos
parisienses mostram isso claramente: havia os picards, os ingleses, os alemães e os franceses. Os estudantes
vindos de cada um desses lugares eram então bastante numerosos para formar um
grupo autônomo, com representantes e atividades próprias. Encontram-se também
nos registros nomes italianos, dinamarqueses, húngaros e outros. Os professores
que ensinam vêm, também, de todas as partes do mundo: Siger de Brabant, Jean de
Salisbury têm nomes significativos. Santo Alberto Magno vem da Renânia, São
Tomás de Aquino e São Boaventura, da Itália. Não há neste tempo obstáculos à troca
de idéias, e julga-se um mestre apenas pela extensão de seu saber. Este mundo
tão variado possui uma língua comum, a única falada na Universidade: o latim.
Sem o latim ela seria uma Torre de Babel. O uso do latim facilita as relações,
permite as comunicações entre os mestres de um lado ao outro da Europa, dissipa
de antemão qualquer confusão de expressão, protegendo assim a unidade de
pensamento. Os problemas que apaixonam os filósofos são os mesmos, em Paris, em
Edimburgo, em Oxford, em Colônia ou em Pádua, apesar de cada um desses centros
e cada personalidade imprimir seu caráter próprio. Tomás de Aquino, vindo da
Itália, termina, em Paris, de clarificar e consolidar uma doutrina cujas bases
estabelecera nas aulas de Alberto Magno, em Colônia. A Sorbonne do século XIII
nada tem de fechada. Gilles le Muisit resume assim a vida dos estudantes:
Clercs viennent à études de
toutes nations
Et en hiver s'assemblent
par plusieurs légions.
On leur lit et ils oient
pour leur instruction;
En été s'en retraient moult
en leurs régions,
|
De todas as nações chegam os clérigos estudantes
Que se reúnem no inverno em várias legiões
Lêem e eles escutam para sua instrução
E no verão se retiram para suas regiões
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