terça-feira, 13 de agosto de 2013

A reencarnação sob o olhar da filosofia





Na primeira parte, o confronto da teoria da reencarnação com a fé católica nos mostrou sua oposição radical. Resta-nos esclarecer o tema à luz da razão natural. A tese com que nos deparamos conforma-se com a realidade? É compatível com a natureza das coisas? A segunda parte de nosso estudo exige notas preliminares. Nosso primeiro ponto de vista fora o da fé, o principal argumento era a autoridade de Deus, que fala pela Tradição, pela Santa Escritura e pelo Magistério da Igreja. Por assim dizer, contribuímos passivamente ao julgamento da reencarnação pelos guardiões da fé.
Aqui, o itinerário é bem diferente. Nosso ponto de partida não é mais um argumento de autoridade, mas a observação do mundo sensível. Conforme o princípio realista, “nada há na inteligência que não seja antes nos sentidos”, o homem que deseja compreender o mundo físico e dele extrair as leis fundamentais deve começar a observar as coisas que o rodeiam. Assim, para analisar as complexas noções de vida, de alma, e as relações da alma e do corpo, convém que partamos do real concreto. Caso contrário, nos arriscaríamos construir um sistema ― coerente e sedutor, talvez ―, mas sem relação com a realidade. Não se trata de escrever um romance, mas de descobrir a verdade. Todavia, o mundo sensível é apenas um ponto de partida. A inteligência busca os princípios explicativos da natureza. Portanto, deve penetrar na intimidade mesma das coisas, ultrapassando a ordem sensível. Deve se elevar do visível ao invisível, a um grau de conhecimento que lhe é próprio e que deixa muito atrás de si a sensibilidade e a imaginação. É bom tocarmos nesse assunto logo no início do estudo, pois os temas abordados aqui são particularmente delicados. Muitos se equivocaram por não saberem desapegar-se de uma visão puramente sensível e materialista do mundo. É o que já constatava São Tomás de Aquino: “os antigos filósofos, não conseguindo ir para além de sua imaginação, diziam que o princípio do conhecimento e do movimento é um corpo”1. “E como os antigos naturalistas criam que nada existiria se não fosse corpo, diziam que a alma é corpo”2. Não surpreenderá, pois, se, nos desenvolvimentos que se seguem, algumas passagens difíceis forem encontradas. Não podemos fazer economia se queremos dar à teoria da reencarnação uma resposta fundamentada que vá para além do “bate-boca”. É sinal de atenção e respeito aos sectários de um erro levar a sério suas objeções e lhes responder com exatidão.
Expostos tais pontos, vamos à tese da transmigração das almas. Quais são seus pressupostos filosóficos e quais dificuldades suscitam?
Se a alma deve atravessar várias vidas terrestres antes de alcançar a felicidade, passando de corpo em corpo, está claro que não está ligada particularmente a nenhum deles. A alma só ocasionalmente está no corpo, pois a alma é estrangeira ao corpo. Isso pressupõe uma concepção especial da alma e de suas relações com o corpo. Ademais, a metempsicose — que admite a reencarnação em outros seres que não os humanos – parece dar às almas dos vegetais e dos animais as mesmas prerrogativas da alma humana.
Alguns partidários dessa tese afirmam ainda se lembrar de suas vidas passadas. Está posto o problema da memória. Ela reside na alma espiritual ou no corpo? Nesse último caso, uma mudança de corpo não deveria apagar qualquer lembrança do passado? Somos, portanto, levados a estudar sucessivamente a alma em si, e após, suas relações com o corpo e, finalmente, as potências da alma, em particular a memória3.
A alma se apresenta a nós sob os diversos aspectos, que aproveitamos para estudar separadamente com o fim de penetrar progressivamente na sua natureza, ainda que estes aspectos não sejam separados na realidade: a alma é o princípio da vida, a forma do corpo, o ato do corpo.

O princípio da vida
A primeira experiência que nos propiciam os sentidos, após a da existência das coisas, é a do seu movimento. Vemos nuvens e pássaros se deslocar, as estações sucederem-se; brotar a erva, os seres aparecerem e desaparecerem. Contudo, a atenta observação desses vários momentos nos faz descobrir entre eles uma linha demarcatória que separa o mundo em duas partes bem distintas. Alguns seres, com efeito, só se movimentam sob a ação de um princípio exterior. Seu movimento não segue uma determinação interna. Não têm iniciativa. Outros, pelo contrário, têm em si mesmos o princípio de seu movimento. Os primeiros são movidos por outro. Os segundos se movem a si mesmos.
Ora, essa diferença é precisamente a que distingue os seres vivos dos seres não vivos. O movimento está de tal modo ligado à vida, que — quando algo não se move mais —, dizemos que está morto e — ao contrário, que vive — quando o movimento aparece. “O que distingue os vivos dos não vivos é aquilo porque a vida se manifesta em primeiro lugar e que se conserva até o fim. Ora, a primeira coisa que nos faz dizer que um animal vive é o fato de ele começar a se mexer, e dizemos que vive na proporção medida que esse movimento aparece nele”4. Mas o movimento que revela a vida é somente aquele que a coisa dá a si mesma. “Quando não há mais movimento por si mesmo, mas que é movido por outro, dizemos que o animal está morto, que a vida o deixou. Daí parece que são propriamente chamados de vivos os que se movem a si mesmos segundo certo tipo de movimento.”5
Observemos os principais movimentos que se apresentam a nós: quanto ao movimento local, constatamos que as dunas das bordas oceânicas se deslocam e mudam de forma, mas isso se deve à ação do vento. Por si mesmas, são inertes. Ao contrário, é por um dinamismo interior que a mosca voa e que o cão corre. Quanto ao aumento, as estalactites subterrâneas crescem, mas unicamente por influência da infiltração de água. Seu crescimento é apenas uma acumulação de matéria e não um processo de desenvolvimento interno, ao passo que o musgo no teto cresce por si mesmo. O jardineiro que poda a grama sabe que ela crescerá novamente devido a um fenômeno que não se explica somente por influências exteriores. Em contrapartida, o metal só se dilata se exposto a uma fonte de calor. Se os minerais se desenvolvessem por si sós, teríamos todos nós diamantes, prata e ouro em profusão!
A análise das outras espécies de movimento próprias aos seres vivos, tais como a nutrição e a geração, isso nos conduziria aos mesmos resultados. O ser vivo é o que se move por si mesmo, graças a um dinamismo interno que não se reduz a ações exteriores. Os filósofos resumiram isso numa definição concisa: a vida é o movimento próprio de si, motus sui.
Mas o que, na natureza do ser vivo, lhe permite o movimento por si próprio e, assim, distingue-o radicalmente dos não vivos? Qual o segredo da vida, o princípio desse movimento próprio de si? A linguagem corrente nos dá uma indicação: “dizemos que os vivos são animados, e que os não vivos são inanimados”6. É o fato de ser animado, de possuir uma alma, que permite a algo ser vivo.
Ser vivo é ter alma. Isso é confirmado por uma constatação: para cada alma distinta, uma atividade distinta. O animal, por exemplo, se desloca por um movimento próprio, diferentemente dos vegetais. “A percepção sensível é certa mudança; ora, só a encontramos nos que têm uma alma. Da mesma forma, o movimento de crescimento e decréscimo só se encontra naqueles que se alimentam. Ora, só os que têm uma alma se alimentam. É, pois, a alma o princípio de todos os movimentos”. Eis o primeiro aspecto, a primeira definição da alma que nos dá a experiência: a alma é o princípio da vida do vivente.
Esse primeiro resultado vai fornecer dois elementos para responder ao problema que nos ocupa. De fato, a alma nos foi mostrada sob seu aspecto dinâmico. Ela é a função vital de um corpo vivo. Não é somente a harmonia ou a boa organização das partes do corpo, mas fonte de vida e de movimento. ”A alma é causa e princípio do corpo vivo”7. A etimologia é esclarecedora: o latim anima traduz o grego yuchv, que vem do verbo “eu respiro”. A alma é como o sopro vital que sustenta o corpo. Isso quer dizer que a alma está em contato direto com o corpo; sua função é ser a fonte de vida de um corpo. Uma alma não se pode conceber sem seu correlativo ― o corpo que ela vivifica.
Ao contrário, os adeptos da reencarnação imaginam a alma como criada para si mesma, justificando-se por si só, sem possuir relação necessária com um corpo. A união da alma e do corpo seria o fruto de um erro, não um estado natural. Por outro lado, se a alma é por sua mesma natureza o princípio vital de um corpo, isso quer dizer que ela não é o próprio vivente, mas uma de suas partes. O que vive não é apenas a alma, mas o composto corpo e alma. Aristóteles faz uma comparação: “se o olho fosse um animal independente, a visão seria sua alma”8. Ora, o que vê não é somente o olho, nem é somente a visão, mas o olho dotado de visão. Uma visão sem órgão não vê absolutamente nada! Do mesmo modo, “não dizemos que a alma anda, vê ou escuta, pois é o homem que o faz, graças a ela”… “é o lutador que luta graças à aptidão de lutar adquirida por ele, e não a luta que luta por si mesma”… “Da mesma maneira, não é a alma que, por si mesma, desempenha qualquer uma das funções vitais, mas sim o ser animado que as exerce pela alma”9.
Não é isso o que se observa na experiência comum? Suponhamos um homem a passear por um jardim: ele cheira uma flor, recorda-se de um fato, reflete sobre o futuro e se põe a rezar. Quem é o sujeito de todas essas operações? Por acaso seria, sucessivamente e sem um laço entre elas, cada uma de suas potências: a faculdade motora, o odor, a memória e a inteligência? Seria ora seu corpo, ora sua alma? Não seria antes o mesmo personagem, que é composto alma e corpo? Cada um de nós possui o sentimento desta unidade de nossa vida e experimentamo-la cada vez que empregamos o pronome “eu”. É um só e mesmo “eu” que dorme, come, sonha ou lamenta suas faltas.
Para a reencarnação, ao contrário, o vivente é só a alma. O corpo é apenas uma morada fortuita e permutável.

Rock, um estilo de música ou uma nova religião ?



Nota do BlogEmbora o áudio-visual em tela possa conter imprecisões de ordem técnico-musical ou historiográfica, constitui um estudo fidedigno sobre as raízes mais profundas do rock e as implicações que derivam da “accointance” com esse gênero de cacofonia musical.




















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