domingo, 29 de junho de 2014

Sínodo sobre a família - um documento que reflete sobre a realidade


DESTAQUE


A pastoral familiar, neste âmbito, deve evitar o risco de “fechar-se numa perspectiva legalista”.

Também é significativa a alusão à tendência, que parece prevalecer na Europa e em alguns países da América Latina, de resolver as questões encomendando-se a algum sacerdote condescendente. O autor destas linhas pôde constatar, entre “casais irregulares” segundo a doutrina canônica e entre sacerdotes ou bispos, quão frequentes são estas soluções “ad personam”, inclusive entre quem se apresenta como inflexível, mas depois está disposto a fazer notáveis exceções no confessionário. Mostra-se fundamental, com respeito aos divorciados recasados, a necessidade de agilizar os processos para chegar à nulidade matrimonial, seguindo a linha indicada por Bento XVI, mas sem alimentar a ideia de que existe um “divórcio à moda católica”.

É preciso distinguir, lê-se no texto, entre as pessoas que “fizeram uma escolha pessoal, muitas vezes sofrida, e que vivem com delicadeza para não dar escândalo a outros”, e as pessoas que têm “um comportamento de promoção e publicidade ativa, habitualmente agressivo”.

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Sínodo sobre a família - um documento que reflete sobre a realidade


Depois de ler o Instrumentumlaboris (o texto que servirá de base para o trabalho do próximo Sínodo sobre a Família), a impressão mais forte que se tem é que não tem a ver com este ou aquele detalhe, com este ou aquele aspecto, com este ou aquele problema (como os sacramentos para os divorciados que contraíram novas núpcias ou a atitude que é preciso ter e, relação às uniões entre pessoas do mesmo sexo). É, antes de mais nada, uma visão de conjunto. Desta vez, o texto-base para o trabalho dos padres sinodais representa uma fotografia real das vivências dos fiéis, assim como da percepção que os fiéis têm das mudanças que suas respectivas sociedades sofreram em relação a temas relacionados com a sexualidade, o casamento e a vida familiar.




A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada no sítio VaticanInsider, 26-06-2014. A tradução é de André Langer.


Tranquilizando a todos os que se preocupavam e temiam que com o questionário de 39 perguntas os ensinamentos da Igreja fossem submetidos a uma espécie de plebiscito, o documento apresenta-se muito equilibrado em suas três partes. Destaca-se, por exemplo, a dificuldade na hora de apresentar a lei natural e seus fundamentos, posto que a expressão “lei natural” é “problemática” ou “inclusive incompreensível”. Também é evidente que o que estabelece a lei civil, em muitos contextos, converte-se cada vez mais na mentalidade dominante e inclusive “moralmente aceitável”. A grande questão do sínodo será, pois, refletir sobre a forma de anunciar o Evangelho e os ensinamentos da Igreja nestes novos contextos.
É interessante a insistência sobre o risco de esquecer que “a família é a ‘célula fundamental da sociedade, o lugar onde se aprende a conviver na diferença e a pertencer a outros’”. Daí a necessidade de propor “uma visão aberta de família, fonte de capital social, ou seja, de virtudes essenciais para a vida comum”. Também se destaca o “ponto chave” para a promoção da família, ou seja, o testemunho da beleza e da alegria “que dá acolher o anúncio evangélico no matrimônio e na vida familiar”. Atitude que evidentemente contrasta tanto com as atitudes daqueles que passam seus dias condenando, lançando anátemas e fazendo exames de consciência de todo o mundo, assim como com o laxismo daqueles que acabam achando que tudo é lícito.
O documento assinala a “percepção equivocada e moralista” daqueles que consideram “o ideal da família” como uma “meta inatingível e frustrante, em vez de ser considerado como uma indicação de um caminho possível, por meio do qual aprender a viver a própria vocação e missão”.
Também é muito interessante a análise do documento sobre as “situações críticas”: a violência e o abuso, as “dependências dos meios de comunicação e das redes sociais” que monopolizam o tempo das relações familiares, as pressões exercidas pelos horários e pelos ritmos de trabalho, os fenômenos migratórios, a pobreza, o consumismo e a mentalidade do “filho a qualquer custo”. É significativo que se cite a “perda de credibilidade moral” da Igreja na percepção dos habitantes da América do Norte e do norte da Europa devido aos escândalos sexuais e, particularmente, à pederastia clerical.

Um dos grandes problemas é acolher e acompanhar as pessoas que vivem em situações familiares difíceis ou irregulares. O terceiro capítulo, dedicado às “situações pastorais difíceis”, ocupa-se dos temas das “situações matrimoniais difíceis”. “A verdadeira urgência pastoral – lê-se no Instrumentumlaboris – é permitir a estas pessoas que curem suas feridas, voltem a ser pessoas saudáveis e retomem o caminho junto com toda a comunidade eclesial. A misericórdia de Deus não provê uma cobertura temporal do nosso mal; pelo contrário, abre radicalmente a vida à reconciliação, dando-lhe nova confiança e serenidade, mediante uma autêntica renovação”.A pastoral familiar, neste âmbito, deve evitar o risco de “fechar-se numa perspectiva legalista”.

Quanto às convivências, o documento indica, entre as razões que levam os jovens a viver juntos sem se casar, “políticas familiares inadequadas para sustentar a família; problemas financeiros; o desemprego juvenil; a falta de moradia”. Além disso, o documento indica que é fundamental ajudar os jovens a sair de uma “visão romântica de amor, percebido apenas como um sentimento intenso para o outro, e não como uma resposta pessoal a outra pessoa, no âmbito de um projeto de vida comum, no qual se abre um grande mistério e uma grande promessa”.

Quanto às situações de “irregularidade canônica”, o Instrumentumlaboris reconhece que é bastante “alto o número daqueles que consideram sem preocupação sua situação irregular” e, portanto, não pedem para serem admitidos à eucaristia nem à reconciliação. Mas também há um sofrimento profundo por parte de “muitos” que se sentem marginalizados e frustrados por não poder fazer a comunhão devido a uma situação familiar particular. É preciso notar que foram as Conferências Episcopais que pediram para exercer “uma misericórdia, clemência e indulgência mais amplas em relação às novas uniões”. É preciso acompanhar as pessoas, os casais, “com compreensão e paciência”, explicando que “o fato de não poderem aceder aos sacramentos não significa que são excluídos da vida cristã e da relação com Deus”.

Também é significativa a alusão à tendência, que parece prevalecer na Europa e em alguns países da América Latina, de resolver as questões encomendando-se a algum sacerdote condescendente. O autor destas linhas pôde constatar, entre “casais irregulares” segundo a doutrina canônica e entre sacerdotes ou bispos, quão frequentes são estas soluções “ad personam”, inclusive entre quem se apresenta como inflexível, mas depois está disposto a fazer notáveis exceções no confessionário. Mostra-se fundamental, com respeito aos divorciados recasados, a necessidade de agilizar os processos para chegar à nulidade matrimonial, seguindo a linha indicada por Bento XVI, mas sem alimentar a ideia de que existe um “divórcio à moda católica”.

A este respeito, todos concordam com o fato de que a preparação catequética para o matrimônio é substancialmente inadequada para o objetivo. A falta de uma fé vivida coloca em dúvida a validade de muitos casamentos.
Também é particularmente significativo o enfoque sobre o delicado tema das uniões entre pessoas do mesmo sexo e as leis que as reconhecem. O documento para o sínodo explica que as duas atitudes contrárias (a mais intransigente e a condescendente) não ajudam no desenvolvimento de uma “pastoral eficaz”. É preciso distinguir, lê-se no texto, entre as pessoas que “fizeram uma escolha pessoal, muitas vezes sofrida, e que vivem com delicadeza para não dar escândalo a outros”, e as pessoas que têm “um comportamento de promoção e publicidade ativa, habitualmente agressivo”. Assinala-se a necessidade de “não identificar uma pessoa com expressões como ‘gay’, ‘lésbica’ ou ‘homossexual’”. O documento faz notar que não existe “um consenso” na Igreja sobre como acolher concretamente as pessoas que vivem uniões com outras pessoas do mesmo sexo. Também há um parágrafo dedicado à acolhida das crianças de casais do mesmo sexo, que não devem sofrer nenhuma discriminação no âmbito do batismo nem na preparação à iniciação cristã, embora seja “unânime” o consenso diante da negação para a adoção por parte destes casais.
Para concluir, é preciso notar, na parte dedicada à recepção e à atualidade da Encíclica Humanae Vitae, que é muito difundida entre os fiéis a percepção de que o aborto é um “pecado grave”, mas também a percepção de que a regulação da natalidade mediante a utilização de anticoncepcionais não é pecado.


Trata-se, pois, de um documento no qual aparece claramente a marca do novo Pontificado e que, talvez, pela primeira vez, oferece uma síntese da situação real das vivências nas paróquias dos cinco continentes, fruto de um trabalho capilar e colegial. Uma fotografia da realidade, inclusive da realidade do fracasso ou da objetiva dificuldade na hora de transmitir o anúncio da fé e seus conteúdos, muito útil para o trabalho dos padres sinodais. Ninguém pode antecipar o que acontecerá em outubro, quando os membros do próximo sínodo se reunirem no Vaticano. Encontramo-nos no começo de uma “profunda reflexão” sobre a família, que terminará somente em outubro de 2015, com o segundo sínodo dedicado a este tema.


Fonte: Unisinos

CARDEAL BALDISSERI - VATICANO PROMOVERÁ ‘PASTORAL DE MISERICÓRDIA’ PARA OS DIVORCIADOS E CASAIS DO MESMO SEXO



DESTAQUE


O relator Geral da III Assembléia Geral Extraordinária do Sínodo de Bispos e Arcebispo de Budapest, Hungria, Cardeal Peter Erdo: a Igreja deve "propor e não impor", "acompanhar e não empurrar" e "convidar e não expulsar".

Sobre os casais do mesmo sexo [SIC! SIC! SIC!], o Cardeal Baldisseri distinguiu contextos, segundo a legislação civil seja "mais ou menos favorável", e insistiu na necessidade de um "cuidado pastoral das Igrejas particulares", sobre tudo pensando em " questões relacionadas com os eventuais filhos", referindo-se ao contexto das uniões civis de mesmo sexo que em diversos países, em um número crescente, podem adotar filhos.

SOBRE OS DIVORCIADOS – CARDEAL BALDISSERI: a Igreja "sente-se interpelada a encontrar soluções compatíveis com sua doutrina, que guiem uma vida serena e reconciliada".Assim, manifestou a "relevância de simplificar e agilizar os processos judiciais de nulidade matrimonial".



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CARDEAL BALDISSERI - VATICANO PROMOVERÁ ‘PASTORAL DE MISERICÓRDIA’ PARA OS DIVORCIADOS E CASAIS DO MESMO SEXO





O Vaticano anunciou que promoverá uma "pastoral de misericórdia" para aqueles casais que estão em situações de irregularidade canônica, como os que convivem, os divorciados, os desquitados, os divorciados que voltaram a casar pelo civil, as mães solteiras ou casais do mesmo sexo e o cuidado a ser dado aos eventuais filhos adotivos. O conteúdo do anúncio foi feito pelo cardeal Lorenzo Baldisseri durante a apresentação do Instrumento de trabalho que será usado pelos bispos de todo o mundo durante Sínodo sobre os desafios pastorais para a Família, que se celebra entre os dias 5 e 19 de outubro.

O Instrumento de trabalho, que será estudado durante o Sínodo pelos prelados e demais participantes, constitui um diagnóstico da preocupação pelas situações familiares, fruto das respostas enviadas ao Vaticano por episcopados, congregações e movimentos de todo o mundo.

Deste modo, o secretário geral do Sínodo dos bispos, Cardeal Lorenzo Baldisseri, assinalou que serão consideradas de maneira particular as situações pastorais difíceis que se referem, entre outras, às situações de "convivência e uniões de fato, casais desquitados e divorciados (que casaram pela Igreja) e voltaram a casar", aqueles que se encontram em condições de "irregularidade canônica" ou que pedem casar-se pela Igreja "sem ser crentes ou praticantes".

Sobre os casais que se uniram em matrimônio religioso e após o divórcio estão impedidos de casar pela Igreja ou aceder aos sacramentos, o Secretário do Sínodo e Ex-Núncio apostólico no Brasil reconheceu que estes "vivem com sofrimento sua situação de irregularidade na Igreja" e afirmou que a Igreja "sente-se interpelada a encontrar soluções compatíveis com sua doutrina, que guiem uma vida serena e reconciliada".

Assim, manifestou a "relevância de simplificar e agilizar os processos judiciais de nulidade matrimonial".

Sobre os que se casam "sem fé explícita", reclamou "maior atenção da pastoral eclesiástica" e uma "melhor qualidade" nos cursos de preparação do matrimônio para que os esposos possam continuar sendo "recém casados depois das bodas".

Cuidado dos filhos de casais do mesmo sexo

Sobre os casais do mesmo sexo, o Cardeal Baldisseri distinguiu contextos, segundo a legislação civil seja "mais ou menos favorável", e insistiu na necessidade de um "cuidado pastoral das Igrejas particulares", sobre tudo pensando em " questões relacionadas com os eventuais filhos", referindo-se ao contexto das uniões civis de mesmo sexo que em diversos países, em um número crescente, podem adotar filhos.

"Urge permitir às pessoas feridas curar-se e reconciliar-se, encontrando de novo confiança e serenidade", acrescentou.

Por isso, promoveu a necessidade de uma pastoral capaz de oferecer a "misericórdia que Deus concede a todos sem medida", e evidenciou que a Igreja deve "propor e não impor", "acompanhar e não empurrar" e "convidar e não expulsar".

Do mesmo modo, o Cardeal Baldisseri reconheceu que "a convivência e as uniões de fato" estão em crescente difusão e atribuiu o fato a "diversas razões sociais, econômicas e culturais".

"A Igreja sente o dever de acompanhar estes casais na confiança de poder sustentar uma responsabilidade como é a do matrimônio", disse.

Por sua parte, o relator Geral da III Assembléia Geral Extraordinária do Sínodo de Bispos e Arcebispo de Budapest, Hungria, Cardeal Peter Erdo, comentou que o documento de trabalho oferece "uma panorâmica da situação da pastoral da família", a partir da perspectiva do nível da consciência, que proporcional ao conhecimento, "dos ensinamentos de Cristo e da Igreja sobre o matrimônio" e do nível relativo "ao comportamento real das pessoas", onde se apresentam as "situações críticas".

O Cardeal Erdo expressou que muitas das respostas evidenciam que as pessoas, em geral, "casam-se cada vez menos, também de maneira civil". "Tal fenômeno se insere no contexto do individualismo e do subjetivismo prático", acrescentou.


Sobre o tema dos divorciados que voltaram a casar, o Cardeal Erdo manifestou que em algumas partes do mundo se fala de "um sofrimento causado por não receber os sacramentos" e que a pergunta "o que pedem os divorciados à Igreja?" em outras partes do mundo a resposta mais frequente é que "não pedem nada, ou porque ignoram que não podem participar dos sacramentos ou se mostraram indiferentes tanto antes como depois do matrimônio civil, inválido desde o ponto de vista eclesiástico".


Fonte: ACI Digital

quarta-feira, 25 de junho de 2014

A arte de escorchar a classe média. Destruindo-se a classe média, a nação definha...


Uma reflexão muito atual






Diálogo sugestivo, perdido na noite dos tempos (entre 1643 e 1715!)


Eis um diálogo, colhido da peça teatral "Le Diable Rouge", de Antoine Rault, que, teria transcorrido entre os personagens Colbert e Mazarino, durante o reinado de Luís XIV, em pleno século XVIII. Apesar dos séculos decorridos, parece bem atual.


Colbert:- Para arranjar dinheiro, há um momento em que enganar o contribuinte já não é possível. Eu gostaria, Senhor Superintendente, que me explicasse como é possível continuar a gastar quando já se está endividado até o pescoço…

Mazarino:- Um simples mortal, claro, quando está coberto de dívidas e não consegue honrá-las, vai parar na prisão. Mas o Estado é diferente! Não se pode mandar o Estado para a prisão. Então, ele continua a endividar-se… Todos os Estados o fazem!

Colbert:- Ah, sim? Mas como faremos isso, se já criamos todos os impostos imagináveis?

Mazarino:- Criando outros.

Colbert:- Mas já não podemos lançar mais impostos sobre os pobres.

Mazarino:- Sim, é impossível.

Colbert:- E sobre os ricos?

Mazarino: - E sobre os ricos, também não. Eles parariam de gastar. E um rico que gasta, faz viver centenas de pobres.

Colbert: - Então, como faremos?

Mazarino: - Colbert! Tu pensas como um caipira, um quadrúpede peludo! Há uma massa enorme de gente que está entre os ricos e os pobres: as que trabalham sonhando enriquecer e temendo empobrecer. É sobre essas que devemos lançar mais impostos, cada vez mais, sempre mais!
Quanto mais lhes tirarmos, mais elas trabalharão para compensar o que lhes tiramos. Formam um reservatório inesgotável. É a classe média!

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Sociedade Orgânica - Bem Comum e Lei Natural




Raphael de la Trinité

         Qualquer homem tem conhecimento, mais ou menos definido, da lei natural. Aqui entra a questão da consciência, em si mesma e em suas relações com o próximo.
         São Paulo proferiu um lugar-comum, quando falou da lei que se acha inscrita nos corações (Rom. 2,15). E até uma pessoa sem formação jurídica sabe perfeitamente que há uma diferença entre o que é justo e o que é formalmente legal, entre o que é justo e o que é ilegal. Esse apelo para a ideia de justiça, para a “lei” enquanto distinta da simples vontade do legislador, é testemunho irrefutável para a convicção da existência da lei natural.
        O homem, dotado de razão e livre-arbítrio é união do princípio que a constitui, a alma, e do princípio formado, a matéria, isto é, o corpo. Cabe à natureza do homem aperfeiçoar-se numa vida operante, cujo fim é uma vida que corresponda tão perfeitamente quanto possível à ideia do homem, a uma vida de acordo com a razão.
        Aristóteles afirma que esse fim não pode ser alcançado pelo homem solitário, pois só pode ser atingido por homens vivendo nessa comunidade, indicada por todas as qualidades essenciais e pela natureza mesma do homem. A vida social (isto é, viver em comunidade com seu semelhante) é necessidade, não em virtude de “carência”, mas da perfeição intencional da natureza do homem. Desse modo, a comunidade é forma intencional de vida para o indivíduo.
         “Comunidade” emprega-se aqui, não no sentido de modo de vida geral, vago sentimental indefinido, e sim, no sentido de formas sociais, definidas e concretas. Dessas formas, duas ao menos são fundamentais ou necessárias, servindo direta e indiretamente para a geração, a exaltação, a perfeição e a transmissão da vida, esta em seu sentido pleno: a vida intelectual, moral, cultural, e a vida “biológica”. Tais formas essenciais são a família (a comunidade de marido e mulher, de pais e filhos) e o Estado (a comunidade da vida política, de uma ordem de famílias e pessoas). O indivíduo, posto que único, ainda não está perfeito e não tem, no isolamento, oportunidade para uma vida perfeita, a realização da ideia de homem. A própria individualidade de cada um indica a participação em comunidades. O homem chega à existência como fruto da família, cuidado e protegido durante os verdes anos até que fique habilitado para cumprir o seu destino, realizar concretamente sua personalidade e tornar-se homem, atingir o estado de felicidade que cada um busca — isso, na medida em que as paixões e a ânsia das coisas desumanas, não lhe obscureçam a mente. Ora, o individuo não mergulha na comunidade qual órgão sem alma, inconsciente, mas conserva sua personalidade individual e torna-se membro de um conjunto, a fim de desenvolver mais completamente sua personalidade. Por isso, a vida em comunidade engradece, exalta e aperfeiçoa o individuo e sana as dificuldades e carências ligadas à mera individualidade e ao isolamento.
        Neste sentido, entra a distinção fundamental, estabelecida pelo Papa Pio XII, entre povo e massa (Radio-mensagem do Natal de 1944).
        Em síntese, povo é um conjunto de pessoas, ou seja, indivíduos com personalidade própria, inconfundível; quanto à massa, é um amálgama de compostos sem individualidade própria, razão pela qual podem ser plasmados, secundo o bel-prazer de um ditador ou manipulador de multidões.
        Santo Tomás de Aquino (Summa Theol., IIa IIae, q. 58, a; 7 ad 2) faz notar que o bem comum é essencialmente diferente do bem particular. Analogamente, a justiça comutativa da distributiva (abid., q. 60, a. 3).
        Santo Tomás refere-se à dilectio socialis, isto é, à caridade social, ou amor social. O magistério da Igreja entende a caridade como um vínculo de um cidadão para com os demais. A caridade é como que a alma de uma sociedade — a força que lhe dá coesão interna. De fato, a ausência da prática da caridade causa necessariamente um grave enfraquecimento ao próprio edifício social. (Cf. Santo Tomás de Aquino, De caritate, 9).
        Os grandes mestres sempre ensinaram, em uníssono, que o Estado brota da família, em cujo seio se desenvolve.
        Leão XIII exprime esse conceito de forma magistral: “Diversas famílias, não abandonando os direitos e deveres da sociedade doméstica, unem-se sob inspiração da natureza, para se constituir em membros de uma outra grande família, a sociedade cívica” (Acta Sanetae Sedis, XXIV [1891-92], 250).

Igualitarismo e massificação social

        A mentalidade igualitária e o intervencionismo estatal representam as duas principais correntes ideológicas que lutam contra os ideais de liberdade, princípios morais e ordem natural, não obstante encobrirem por vezes as suas intenções.
        As ordens hierárquicas entre os seres humanos exprimem as várias formas e aspectos da perfeição divina. Considerando que Deus é infinito, por mais perfeita que seja a criatura humana, nunca poderá alcançar sozinha a perfeição divina, que é ilimitada. Torna-se, em consequência, necessária a existência de um  número incalculável de seres diferenciados, de maneira que possam refletir a perfeição divina. (“Santo Tomás de Aquino, Summa Teológica¸ I, Q. 47, a. 2, e Summa Contra os Gentios, Livros. 2, cap. 45).
        Ignorar ou pôr de lado a imensa variedade de perfeições, capacidades e funções da natureza humana, em nome de um quimérico ideal de igualdade, constitui uma inversão de valores, um absurdo e uma afronta ao senso comum.
        São João Crisóstomo (344-407), Patriarca de Constantinopla e um dos quatro Doutores da Igreja do Oriente, explicou este assunto com uma lógica e vigor incomparáveis, ao afirmar: “Os inimigos da piedade utilizam as desigualdades que nos é dado observar entre ricos e pobres, com o intuito de formularem um raciocínio capcioso contra a Divina Providência. Contudo, se utilizássemos de forma adequada a nossa inteligência, perceberíamos logo que essa desigualdade é a mãe do trabalho e da produção (...). Como seria a sociedade se todos os homens fossem igualmente ricos? Ninguém trabalharia; ninguém teria uma ocupação braçal ou um trabalho árduo; os campos ficariam por cultivar, e a ociosidade reinaria nas nossas cidades; o comércio, a produção, e todas as artes cairiam em extinção. E as pessoas ainda acusam a Divina Providência de não ter feito todos os homens igualmente ricos?”.
       
Princípios de uma Sociedade Orgânica

        Primeiro princípio: A existência de potencialidades como algo inerente a cada homem.
        A base da concepção orgânica da sociedade reside no princípio de que, em linhas gerais, os homens possuem personalidades muito ricas e variadas. A sociedade deve encorajar cada um  a atualizar suas potencialidades, fornecendo-lhe meios abundantes para tal.

        Segundo princípio: A existência de leis naturais
        Como já referido acima, as leis naturais decorrem da própria natureza humana, dai serem normas imperativas.
        “Orgânico” deriva de organismo, ou seja, estrutura viva, ordenada pela própria natureza, cujas leis são fundamentalmente imutáveis.

        Terceiro princípio: Uma sociedade se constrói de baixo para cima.
        A sociedade medieval, por exemplo, organizou-se de modo orgânico. Não foi um rei que decretou: “De hoje em diante, passa a existir o Reino da França, e começarei a governá-lo”. Precisamente foi o contrário que sucedeu. Tudo começou de baixo para cima: das famílias para as mesnadas (associação de clãs ou famílias com laços mais próximos); destas para as vilas; daí para o os feudos; e, dos grandes feudos, para o Reino. Organização foi piramidal.
        Em tais condições tudo se processou de um modo verdadeiramente conforme as necessidades locais. Não foram elucubrações de um “filósofo de gabinete” que construíram os reinos do Velho Continente, quer se trate da França ou Espanha, quer se trate do Sacro Império Romano-Germânico ou de qualquer outra nação do concerto europeu.
        Quarto Princípio: Subsidiariedade
        A formação das sociedades maiores não elimina as que são menores, pois aquelas só devem fazer aquilo que estas não são capazes de fazer por si só. Com efeito, a união dos pequenos feudos num maior não destruía os pequenos, nem a reunião dos grandes feudos suprimia os menores.
        Algo disso se verifica nas associações futebolísticas, Assim, a existência da federação de clubes não prejudica a dos clubes, com base no princípio de que a federação não se imiscui nos assuntos internos de cada clube. É uma vantagem para estes. O processo é semelhante ao que vemos na organização política medieval. A formação das sociedades mais altas constituía um enriquecimento para as inferiores.

        Quinto Princípio: Espírito associativo intenso
        Como resultado desse espírito associativo, a sociedade medieval compreendia um sem número de subdivisões em agrupamentos dos mais variados tipos e dimensões.
        Lubeck,  por exemplo, cidade no norte da Alemanha, que deveria ter no século retrasado de 50 a 60 mil habitantes, possuía nessa mesma época duas mil organizações culturais, artísticas, esportivas e religiosas. Na Idade Média tal número era consideravelmente maior.

        Sexto Princípio: Vida própria e entrelaçamento das sociedades
        Ainda hoje, nas regiões antigas que conservam vivas muitas tradições medievais, nota-se o grande amor cultivado por todos em relação à sua terra natal e respectivos costumes. Quem é ejetado, extirpado desse meio, sente-se, mais do que qualquer outro, como “peixe fora d’água”, ficando a alma cheia de recordações, e com natural dificuldade para se adaptar a outras paragens. Explica-se. Em sua terra todos são tendentes a se achar membros de uma grande e verdadeira família.
        Em certo sentido notamos aqui o oposto de uma globalização massiva e desproporcional, como a que se dissemina nos dias atuais.
        Reportando-nos, mais uma vez, à Idade Média, cumpre lembrar que as classes sociais se compunham, nessa época, de três grandes grupos: clero, nobreza e povo. No interior de cada um de cada um desses agrupamentos, por sua vez, uma enorme gama de variedades e subdivisões.

        Sétimo Princípio: Caráter típico dos agrupamentos sociais
        Em nossos dias, todas as sadias particularidades locais vã fenecendo.
        No contexto medieval, pelo contrário, as sociedades procuravam manifestar-se de um modo muito visível e abundante. Proliferavam trajes característicos, músicas e emblemas próprios. Não poucas vezes, modos peculiares de se exprimir, dialetos e expressões locais naturalmente vicejavam.
         Entre os mais diversos cenários da vida, corporações de artesãos, associações de burgueses, categorias nobiliárquicas, em belas sedes, festejavam seus feriados, e davam curso a cerimônias extremamente originais. Numa sadia emulação (algo que, quando bem compreendido, só pode ser fator de ânimo e incentivo para a virtude), cada entidade procurava sobrepujar as outros, mediante a exaltação de inconfundíveis valores, prenhes de vida própria e realizações dignificantes, tudo em meio a feitos gloriosos e heroicos.
       
Oitavo Princípio: Desigualdade e pujança
        Por sua natureza, as coisas mais pujantes têm mais títulos para se distinguir entre si do que as de menor expressão ou significado. Em termos filosóficos, pode-se afirmar: quanto maior a perfeição, maior a desigualdade. Assim, por exemplo, a manifestação de talento é mais facilmente discernível entre dois escritores do que entre dois engraxates. Por quê? A razão está em que a arte de redigir é intrinsecamente superior à arte de lustrar calçados.

Nono Princípio: O amor pelo privilégio
        Certos juristas de nossos dias de tal forma se deixaram obcecar pela ideia de que só haveria verdadeira justiça na norma abstrata, impessoal, universal e igual para todos, que chegam a pleitear um sistema jurídico mundial e único, com as mesmas leis para todos os povos. Isso aberra do bom senso e necessariamente conduz a uma república universal.
        Na Idade Média, pelo contrário, um dos marcos da independência de todas as associações existentes — tomemos como exemplo o caso das corporações de ofício – consistia no fato de serem essas pequenas sociedades regidas por leis próprias. Desse modo, sentiam-se protegidas de possíveis ingerências monopolizadoras e intromissões totalitárias por parte das sociedades superiores, assim como das arbitrariedades de possíveis tiranos.
          Nesse sentido, o célebre historiador francês Franz Funk-Brentano faz notar que, na Idade Média, até mesmo famílias, em certos casos, possuíam leis próprias, e o rei as respeitava. Quando, por exemplo, o soberano queria infligir um castigo a um membro dessa família, ordenava ao chefe da mesma que a fizesse.
        Na Idade Média isso era habitual; cada cidade, cada corporação — até famílias, por vezes, como vimos —, gozavam do direito de uma legislação própria, adaptada às suas necessidades e conveniências específicas. Ao contrário de nossos dias, as pessoas não se perdiam no anonimato e, quando prevaricavam, costumavam ser julgadas por elementos de seu agrupamento social.

        Objeções: O privilégio não poderia gerar abusos?
        Ao contrário do que comumente se imagina, a tendência dos agrupamentos menores era de castigar com muito rigor, por isso frequentemente, como no caso das universidades, a autoridade intervia para atenuar a pena.
        Quando estudamos a vida dos reis medievais, vemos que uma das principais ocupações de que se incumbiam, era a de julgar. São Luiz IX, Rei da França, costumava receber o povo todos os dias, debaixo de um carvalho em Vincennes, e, em contato direto com as famílias e as corporações, distribuía a justiça.
        Também a instituição jurídica da apelação foi amplamente conhecida na Idade Média.

        Os privilégios dos cavaleiros
        Sempre longe de sua família, o cavaleiro passava os dias combatendo, ao passo que o cidadão comum levava uma vida sem maiores riscos ou sobressaltos. Havia, portanto, uma lei especial para quando agisse bem e uma lei especial para quando agisse mal.

        Décimo princípio: Opinião pública, autêntica e participação popular verdadeira – diferença entre ‘opinião pública e opinião publicada’
        Hoje em dia pelo fato de votar nas eleições, o homem comum julga estar participando do governo. Na realidade, porém, o voto de um operário tem um mesmo valor que o voto de um general, de um professor, de um embaixador. O resultado acaba sendo, que os maiores demagogos no geral vencem. É isso uma participação efetiva no governo? Na Idade Média cada homem se pronunciava nos problemas que entendia, ou seja, pertinentes ao  seu feudo, à sua cidade, corporação de ofício, universidade...
        Em todos os níveis da escala social, esse contato necessariamente fazia com que os súditos influíssem na ação de governo dos seus senhores.
        O modo concreto pelo qual o povo influía nos negócios públicos variava enormemente de região para região, de instituição para instituição. Contudo, o traço dominante de todos os lugares era sempre este: o povo atuante, por vias costumeiras, na direção da coisa pública.
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