quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Como a 'Guerra ao Terror' criou o grupo terrorista mais poderoso do mundo


DESTAQUE

Sempre foi do interesse dos EUA e de outros governos que a Al-Qaeda fosse vista como tendo uma estrutura de comando e controle como um mini Pentágono, como a máfia na América. Essa é uma imagem confortante para o público porque grupos organizados, por mais demoníacos que sejam, podem ser encontrados e eliminados por meio da prisão e da morte. É mais alarmante a realidade de um movimento cujos adeptos se autorecrutam e podem surgir em qualquer lugar.
A reunião de militantes de Osama bin Laden, que ele não chamava de Al-Qaeda até depois de 11 de setembro, era só um dos muitos grupos jihadistas de 12 anos atrás. Mas, hoje, suas ideias e métodos são predominantes entre os jihadis por causa do prestígio e publicidade que ganharam depois da destruição das Torres Gêmeas, da guerra no Iraque e da demonização de Washington como a fonte de todo o mal estadunidense.

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Por Patrick Cockburn/Tom Dispatch


Estratégia estadunidense falhou porque não mirou no movimento jihadista como um todo e, acima de tudo, não mirou na Arábia Saudita e no Paquistão
  

Esse artigo, que originalmente foi publicado no Tom Dispatch, foi extraído do primeiro capítulo do novo livro de Patrick Cockburn, "The Jihadis Return: ISIS and the New Sunni Uprising" (O Retorno dos Jihadis: o Estado Islâmico e o novo Levante Sunita, em tradução livre), com agradecimento especial à editora, OR Books. A primeira seção é uma nova introdução escrita para o Tom Dispatch.



Há elementos extraordinários na política atual dos Estados Unidos em relação ao Iraque e à Síria que estão atraindo uma atenção surpreendentemente baixa. No Iraque, os EUA estão perpetrando ataques aéreos e mandando conselheiros e treinadores para ajudarem a conter o avanço do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (mais conhecido como Estado Islâmico) na capital curda, Arbil. Os EUA presumidamente fariam o mesmo se o EI cercasse ou atacasse Bagdá. Mas, na Síria, a política de Washington é exatamente oposta: há muitos opositores do EI no governo sírio e curdos sírios em seus enclaves do norte. Ambos estão sendo atacados pelo EI, que já tomou cerca de um terço do país, incluindo a maior parte de suas instalações de óleo e gás.


Membros da minoria religiosa yazidi, que fugiram de Mosul (Iraque), devido à violência do Estado Islâmico, recebem ajuda humanitária
Mas a política dos EUA, da Europa Ocidental e do Golfo Pérsico é derrubar o presidente Bashar al-Assad, que vem a ser a política do EI e de outros jihadis na Síria. E se Assad cair, o EI será o beneficiário, já que será questão de vencer ou absorver o resto da oposição armada síria. Há uma falsa ideia em Washington e outros lugares de que existe uma oposição “moderada” síria sendo ajudada pelos EUA, pelo Qatar, pela Turquia e pelos sauditas. É, apesar disso, fraca e está enfraquecendo a cada dia. Logo o califado pode se estender da fronteira iraniana até o Mediterrâneo e a única força que pode possivelmente impedir que isso aconteça é o exército sírio.


A realidade da política dos EUA é apoiar o governo do Iraque, mas não a Síria, contra o EI. Mas uma razão para o grupo ter sido capaz de se tornar tão forte no Iraque é que ele pode extrair seus recursos e combatentes da Síria. Nem tudo o que deu errado no Iraque foi culpa do primeiro-ministro Nourial-Maliki, como agora se tornou o consenso político e midiático no Ocidente. Os políticos iraquianos têm me dito nos últimos dois anos que o apoio estrangeiro à revolta sunita na Síria inevitavelmente desestabilizaria o país deles também. Isso agora aconteceu.



Ao continuar com essas políticas contraditórias em dois países, os EUA garantiram que o EI pudesse fortalecer seus combatentes no Iraque por meio da Síria e vice-versa. Até agora, Washington teve sucesso em não levar a culpa pelo crescimento do EI e em colocar toda a culpa no governo iraquiano. Na verdade, criou uma situação na qual o EI pode sobreviver e pode inclusive prosperar.



Usando a Etiqueta da Al-Qaeda



O grande aumento da força e do alcance das organizações jihadistas na Síria e no Iraque tinha, em geral, passado despercebido até recentemente pelos políticos e pelos meios de comunicação no Ocidente. Uma grande razão para isso é o que os governos ocidentais e suas forças de segurança estreitamente dizem que a ameaça jihadista é formada por forças diretamente controladas pela Al-Qaeda central. Isso os permite apresentar um quadro muito mais alegre de seu sucesso na chamada "Fuerra ao Terror" do que é a situação real.

Chanceler sírio, Walidal Mualem, fala sobre proposta dos EUA de bombardear pontos do Estado Islâmico em território da Síria


Na verdade, a ideia de que apenas jihadis com os quais é necessário se preocupar são aqueles que têm a benção oficial da Al-Qaeda é ingênua e autoenganosa. Ignora o fato de, por exemplo, o EI ter sido criticado pelo líder da Al-Qaeda Aymanal-Zawahiri por sua violência e sectarianismo excessivos. Depois de conversar com uma série de rebeldes sírios jihadis não afiliados diretamente à Al-Qaeda no sul da Turquia no começo do ano, uma fonte me contou que “sem exceção, eles todos expressaram entusiasmo pelos ataques de 11 de setembro e torceram para que a mesma coisa que aconteceu nos EUA acontecesse na Europa”.


Grupos jihadis ideologicamente próximos à Al-Qaeda têm sido reclassificados como moderados dependendo de suas ações serem consideradas de apoio aos objetivos das políticas dos EUA. Na Síria, os estadunidenses apoiaram um plano da Arábia Saudita de construir uma “Fronte Sulista”, baseada na Jordânia, que seria hostil ao governo de Assad em Damasco e simultaneamente hostil aos rebeldes do tipo da Al-Qaeda no norte e no leste.



A poderosa, mas supostamente moderada Brigada Yarmouk, noticiada como o recipiente estratégico de mísseis antiaéreos da Arábia Saudita, deveria ser o elemento de liderança nessa nova formação. Mas diversos vídeos mostram que a Brigada Yarmouk frequentemente lutou em colaboração com a Frente al-Nusra, afiliada oficial da Al-Qaeda. Já que era provável que, no meio da batalha, esses dois grupos dividissem suas munições, Washington estava efetivamente permitindo que armamento avançado fosse entregue em mãos ao seu inimigo mais mortal. Os oficiais iraquianos confirmam que capturaram armas sofisticadas de combatentes do EI no Iraque que eram originalmente fornecidas por poderes estrangeiros para forças consideradas de oposição à Al-Qaeda na Síria.



O nome Al-Qaeda foi sempre aplicado com flexibilidade na identificação de um inimigo. Em 2003 e 2004, no Iraque, enquanto uma oposição armada iraquiana se formava, oficiais dos EUA atribuíram a maior parte dos ataques à Al-Qaeda, apesar de muitos terem sido perpetrados por grupos do partido Baas e nacionalistas. Propagandas como essa ajudaram a persuadir quase 60% dos votantes dos EUA, antes da invasão do Iraque, que existia uma conexão entre Saddam Hussein e os responsáveis pelo 11 de setembro, apesar de não existir qualquer evidência disso. No próprio Iraque, e, na verdade, no mundo muçulmano inteiro, essas acusações beneficiaram a Al-Qaeda ao exagerar seu papel na resistência à ocupação estadunidense e britânica.


Uma técnica de relações públicas exatamente oposta foi usada pelos governantes ocidentais em 2011, na Líbia, quando qualquer semelhança entre a Al-Qaeda e os rebeldes patrocinados pela OTAN lutando para derrubar o líder líbio Muammar Kadafi foi minimizada. Apenas aqueles jihadis que tinham uma ligação operacional direta com o “coração” da Al-Qaeda, Osama binLaden, foram considerados perigosos. A falsidade do argumento de que os jihadis opositores a Kadafi na Líbia eram menos ameaçadores que aqueles em contato direto com a Al-Qaeda foi forçosamente e tragicamente exposta quando o embaixador dos EUA Chris Stevens foi assassinado por combatentes jihadistas em Bengasi em setembro de 2012. Esses eram os mesmos combatentes louvados pelos governos e pela mídia ocidental por seu papel no levante contra Kadafi.

Imaginando a Al-Qaeda como a Máfia

A Al-Qaeda é uma ideia mais que uma organização, e isso é o caso há muitos anos. Por um período de cinco anos depois de 1996, recrutou pessoas, recursos e campos no Afeganistão, mas eles foram eliminados depois da queda do Talibã em 2001. Subsequentemente, o nome Al-Qaeda se tornou majoritariamente um grito conjunto, uma série de crença islâmicas centradas na criação de um Estado islâmico, na imposição da charia (conjunto de leis religiosas), no retorno aos costumes islâmicos, na subjugação da mulher e no travamento de uma guerra santa contra outros muçulmanos, notadamente os xiitas, que são considerados hereges que merecem morrer. No centro dessa doutrina de guerra está a ênfase no autosacrifício e no martírio como símbolo de fé e comprometimento com a religião. Isso resultou no uso de crentes não treinados, mas fanáticos, como homens-bomba, com um efeito devastador.

Sempre foi do interesse dos EUA e de outros governos que a Al-Qaeda fosse vista como tendo uma estrutura de comando e controle como um mini Pentágono, como a máfia na América. Essa é uma imagem confortante para o público porque grupos organizados, por mais demoníacos que sejam, podem ser encontrados e eliminados por meio da prisão e da morte. É mais alarmante a realidade de um movimento cujos adeptos se autorecrutam e podem surgir em qualquer lugar.

A reunião de militantes de Osama bin Laden, que ele não chamava de Al-Qaeda até depois de 11 de setembro, era só um dos muitos grupos jihadistas de 12 anos atrás. Mas, hoje, suas ideias e métodos são predominantes entre os jihadis por causa do prestígio e publicidade que ganharam depois da destruição das Torres Gêmeas, da guerra no Iraque e da demonização de Washington como a fonte de todo o mal estadunidense. Atualmente, há uma diminuição das diferenças nas crenças dos jihadis, apesar de eles serem ou não formalmente ligados à Al-Qaeda central.

Não é surpresa que os governos preferem a imagem fantasiosa da Al-Qaeda porque lhes permite cantar vitórias quando consegue matar seus membros e aliados mais conhecidos. Comumente, aqueles eliminados ganham postos quase militares como “chefe de operações” para aumentar o significado de sua morte. A culminação desse aspecto fortemente propagandeado, mas, em grande parte, irrelevante da “Guerra ao Terror”, foi a morte de Bin Laden em Abbottabad, no Paquistão, em 2011. O fato permitiu que o presidente Obama aparecesse para o público estadunidense como o homem que presidiu a captura do líder da Al-Qaeda. Em termos práticos, no entanto, sua morte teve pouco impacto nos tipos de grupos jihadistas da Al-Qaeda, cujas maiores expansões aconteceram subsequentemente.

Ignorando os Papéis da Arábia Saudita e do Paquistão

As decisões-chave que permitiram a sobrevivência da Al-Qaeda e sua expansão posterior foram feitas nas horas imediatamente posteriores ao 11 de setembro. Quase todos os elementos significativos no projeto de lançar aviões nas Torres Gêmeas e em outros prédios icônicos dos EUA remontavam à Arábia Saudita. 

Rei Abdullah, atual líder saudita, mantém estreitas relações com Washington


Bin Laden era um membro da elite saudita, e seu pai tinha sido um associado próximo da monarquia saudita. Citando um relatório da CIA de 2002, o relatório oficial de 11 de setembro diz que a Al-Qaeda, para seu financiamento, dependeu de “uma variedade de doações e arrecadações, majoritariamente nos países do golfo Pérsico e da Arábia Saudita”.

Os investigadores do relatório encontraram seu acesso limitado ou negado ao buscar informações sobre a Arábia Saudita. E o presidente George W. Bush aparentemente nunca achou necessário responsabilizar os sauditas pelo que aconteceu.

A saída de sauditas idosos dos EUA, incluindo parentes de Bin Laden, foi facilitada pelo governo  dias depois de 11 de setembro. Foi ainda mais significativo que 28 páginas do CommissionReport -- o relatório oficial sobre o 11/9 -- sobre a relação entre os agressores e a Arábia Saudita tenham sido cortadas e nunca publicadas, apesar da promessa do presidente Obama de fazê-lo, por motivos de segurança nacional.

Em 2009, oito anos depois de 11 de setembro, 
um telegrama diplomático da secretária de Estado Hillary Clinton, revelado pelo Wikileaks, dizia que as doações da Arábia Saudita constituíam a fonte mais significativa de financiamento dos grupos terroristas sunitas mundialmente. Mas, apesar de esse reconhecimento privado, os EUA e os europeus ocidentais continuaram indiferentes aos pregadores sauditas cujas mensagens se espalharam para milhões por meio da TV por satélite, do YouTube e do Twitter, clamando pela morte de xiitas como hereges. Esses chamados chegavam conforme as bombas da Al-Qaeda estavam massacrando pessoas nos bairros xiitas do Iraque. Uma linha fina em outro telegrama diplomático do Departamento de Estado, no mesmo ano, diz: “Arábia Saudita: Antixiismo como Política Externa?”. Agora, cinco anos depois, grupos apoiados pelos sauditas têm um histórico de sectarismo extremo contra muçulmanos não sunitas.

O Paquistão, ou melhor, a inteligência militar paquistanesa representada pela ISI (Inter-Serviçios de Inteligência), era outro parente da Al-Qaeda, do Talibã, e de movimentos jihadistas em geral. Quando o Talibã estava se desintegrando sob o peso do bombardeio estadunidense de 2011, suas forças no norte do Afeganistão foram encurraladas por forças contra o Talibã. Antes que eles se rendessem, centenas de membros da ISI, treinadores militares e conselheiros foram apressadamente evacuados pelo ar. Apesar da evidência clara do patrocínio do Talibã e dos jihadis em geral pela ISI, Washington se recusou a confrontar o Paquistão e, assim, abriu o caminho para o ressurgimento do Talibã depois de 2003, que nem os EUA nem a OTAN conseguiram reverter.

A “Guerra ao Terror” falhou porque não mirou no movimento jihadista como um todo e, acima de tudo, não mirou na Arábia Saudita e no Paquistão, os dois países que fomentaram o jihadismo como uma crença e um movimento. Os EUA não o fizeram porque esses países eram aliados importantes que não queriam ofender. A Arábia Saudita é um mercado enorme para as armas estadunidenses, e os sauditas cultivaram, e, em algumas ocasiões, compraram membros influentes da classe política dos EUA. O Paquistão é um poder nuclear com uma população de 180 milhões e um exército com ligações próximas ao Pentágono.

O ressurgimento espetacular da Al-Qaeda e seus desdobramentos aconteceu apesar da enorme expansão dos serviços de inteligência estadunidense e britânico e de seus orçamentos depois do 11 de Setembro. Desde então, os EUA, seguidos de perto pelo Reino Unido, travou guerras no Afeganistão e no Iraque e adotou procedimentos normalmente associados a Estados policiais, tais como prisão sem julgamento, rendição, tortura e espionagem doméstica. Os governos travam a “Guerra ao Terror” dizendo que os direitos dos cidadãos individuais devem ser sacrificados para garantir a segurança de todos.

Face a essas medidas controversas de segurança, os movimentos contra quem elas foram orquestradas não foram derrotados, mas ficaram mais fortes. Na época do 11 de Setembro, a Al-Qaeda era uma organização pequena, geralmente ineficaz; em 2014 grupos do estilo da Al-Qaeda são numerosos e poderosos.

Em outras palavras, a “Guerra ao Terror”, que delineou o cenário político de boa parte do mundo desde 2001, evidentemente falhou. Antes da queda de Mosul, ninguém prestava muita atenção.

Fonte: Opera Mundi

Votem em mim e depois a gente vê o que faz


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Dono de fina autoironia, capaz de rir dele mesmo e não se levar tão a sério como os seus concorrentes, o imortal Carlos Heitor Cony foi direto ao ponto.
"Para falar a verdade: estou ficando cheio das declarações dos principais candidatos à presidência da República. São mais ou menos óbvias, e todos constituem um Frankenstein de promessas, pedaços otimistas, mas na maior parte inviáveis, eleitoreiras e até mesmo contraditórias".
Em comum, Dilma, Marina e Aécio assumem "compromissos" variados, que aumentam as despesas e diminuem as receitas, num país que já administra uma dívida enorme e as contas nunca fecham.
Repórteres que acompanham os candidatos até já deixaram de perguntar a eles "de onde virá o dinheiro?", cada vez que enfieiram uma lista de benesses por onde passam, como se fossem animadores de auditório, no melhor estilo Silvio Santos ou Chacrinha.
"Vocês querem mais saúde, mais escolas, mais bolsas, mais salários, mais carros e mais mobilidade urbana (a expressão da moda nesta campanha), mais segurança, menos serviço e mais refresco, aposentadorias alemãs, casa, comida e roupa lavada, tudo sem aumentar os impostos?  É fácil: votem em mim no dia 5 de outubro".
As promessas variam de acordo com a plateia, mas são sempre as mesmas nos horários da propaganda eleitoral "gratuita" no rádio e na televisão. Fica até difícil saber de que partido são e que diferença faz votar num ou noutro candidato. Se marqueteiro decidisse eleição, terminariam todas empatadas.
Seria tudo até muito engraçado, se não estivessem em jogo os destinos do país nos próximos quatro anos.


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O título acima poderia servir bem não só aos três presidenciáveis, mas a qualquer candidato a qualquer cargo ou mandato, em qualquer região do país. É o popular "a solução sou eu".
Para fazer o que nossos candidatos já prometeram, se somar tudo, o orçamento nacional teria que ser maior do que o dos Estados Unidos e a população brasileira menor do que a do Uruguai.
Até pensei em dar uma folga aos leitores neste primeiro domingo de primavera, a exatamente duas semanas das eleições gerais, mas mudei de ideia depois de ler a coluna do Cony, na Folha, sob o  apropriado título "Saco de gatos", que exprime o que também sinto nesta reta final da campanha.
Dono de fina autoironia, capaz de rir dele mesmo e não se levar tão a sério como os seus concorrentes, o imortal Carlos Heitor Cony foi direto ao ponto.
"Para falar a verdade: estou ficando cheio das declarações dos principais candidatos à presidência da República. São mais ou menos óbvias, e todos constituem um Frankenstein de promessas, pedaços otimistas, mas na maior parte inviáveis, eleitoreiras e até mesmo contraditórias".
Em comum, Dilma, Marina e Aécio assumem "compromissos" variados, que aumentam as despesas e diminuem as receitas, num país que já administra uma dívida enorme e as contas nunca fecham.
Repórteres que acompanham os candidatos até já deixaram de perguntar a eles "de onde virá o dinheiro?", cada vez que enfieiram uma lista de benesses por onde passam, como se fossem animadores de auditório, no melhor estilo Silvio Santos ou Chacrinha.
"Vocês querem mais saúde, mais escolas, mais bolsas, mais salários, mais carros e mais mobilidade urbana (a expressão da moda nesta campanha), mais segurança, menos serviço e mais refresco, aposentadorias alemãs, casa, comida e roupa lavada, tudo sem aumentar os impostos?  É fácil: votem em mim no dia 5 de outubro".
As promessas variam de acordo com a plateia, mas são sempre as mesmas nos horários da propaganda eleitoral "gratuita" no rádio e na televisão. Fica até difícil saber de que partido são e que diferença faz votar num ou noutro candidato. Se marqueteiro decidisse eleição, terminariam todas empatadas.
Fiquem tranquilos: qualquer que seja o candidato vencedor, vamos ter mais de tudo e do melhor, a partir de 1º de janeiro de 2015. A vida dos brasileiros será uma beleza, um passeio no bosque.
A presidente Dilma Rousseff, prestes a completar 12 anos de poder como ministra e depois presidente nos governos petistas, agora até já admite que nem tudo está uma maravilha e ainda há muito a fazer para melhorar a vida e diminuir as desigualdades no país, mas isso só vai acontecer se ela for reeleita.
Única a apresentar um programa de governo até agora, Marina Silva se vê obrigada a ir modificando seus planos de acordo com a freguesia por onde passa. Como já constatou o filósofo político José Simão, a candidata é ambientalista porque fala de acordo com o ambiente em que está no momento, e defende as mudanças da "nova política" porque está sempre mudando de ideia.
Em busca de uma boia de salvação, Aécio Neves virou um verdadeiro candidato atleta, sempre tentando pegar uma boa onda para surfar e sair chutando para qualquer lado as bolas levantadas pela imprensa e por plateias ensaiadas, nem que seja para prometer aos aposentados o fim do fator previdenciário criado por seu mestre e mentor Fernando Henrique Cardoso.
Seria tudo até muito engraçado, se não estivessem em jogo os destinos do país nos próximos quatro anos.

Fonte: R7

Verdades de um vilarejo francês


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Algumas coisas não mudam, sendo a obra de séculos.



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Vilarejo de Saint-Céneri-le-Gérei, imagem ilustrativa.


Mais do que qualquer país ocidental, a França tem resistido à modernidade, pelo menos na forma como pensa a si mesma

Algumas semanas atrás, estava na França, onde era proprietário de uma casa num vilarejo já há quase 20 anos, que agora planejava vender. Uma corretora tinha dado uma olhada na propriedade e fizemos uma reunião para discutir como proceder. Ela entrou na cozinha, cheia de energia e convicção, e com um apelo passional:
— Monsieur Cohen, o que está fazendo?! Você não deve ter em conta vender esta casa!
Olhei admirado para ela, um pouco incrédulo.
— Você não pode vendê-la. Este é um lar de família. Você sabe disto no momento em que entra. Sente nas paredes. Respira isto em todos os cômodos. Sente nos ossos. Esta é uma casa que você deve manter para os filhos. Vou ajudá-lo a vender, se você insistir, mas meu conselho é para que não o faça. Você estaria cometendo um erro.
Isto foi, digamos assim, um momento cultural, um daqueles instantes em que uma porta se abre e você contempla, senão a alma de um país, ao menos um território que é distinto e profundo, e quase certamente tem um significado maior do que as manchetes e estatísticas que são supostamente para capturar o estado de uma nação, neste caso, uma chamada França, cujo mal-estar tornou-se objeto de fascinação. Tentei imaginar um corretor americano ou britânico, confrontado com uma oportunidade potencialmente lucrativa, decidindo começar a proposta com uma chamada sincera para não vender o imóvel, porque era um lugar de algo importante, ou insubstituível. Eu ficaria sem reação. Não poderia descrever isto. Não haveria circunstâncias em que o autointeresse, ou pelo menos a obrigação profissional, não iria prevalecer. O preço seria preeminente, juntamente com as condições de mercado e prazos. No entanto, neste vilarejo francês, ao longo de uma mesa de cozinha de madeira, posicionada em um chão de pedra, a definição de interesse econômico sobreposto à intuição emocional parecia um afloramento natural do solo e do espaço.
Eu pensei neste ocorrido outro dia, quando o primeiro-ministro francês, Manuel Valls, um socialista modernizador, enfrentou um voto de confiança na Assembleia Nacional sobre mais um plano para cortar gastos públicos, tornar o mercado de trabalho mais flexível, e romper com o impasse francês de alto desemprego, um inchado setor estatal e auxílios que podem ter o efeito perverso de tornar o trabalho na economia oficial uma proposição não atraente. “O que importa, hoje, é a eficácia, e não ideologia”, disse Valls.
Ele prevaleceu, apesar de 32 membros do próprio partido se absterem em protesto contra um percebido ataque aos princípios socialistas. Mais do que qualquer outro partido de centro-esquerda na Europa, os socialistas franceses tiveram problemas para se libertar da bagagem ideológica mal-adaptada à competição global do século 21. Mais do que qualquer outro país ocidental, a França tem resistido à modernidade, pelo menos na forma como pensa a si mesma. Assim, a minha sensação ouvindo Valls falar sobre a “eficácia” poderia ser resumida em duas palavras: Boa sorte!
O primeiro-ministro é contra algo mais profundo do que a resistência dos sindicatos trabalhistas ou do próprio partido: uma cultura que vê a premiação de eficiência como algo quase vulgar. Eficácia não tinha lugar na minha conversa com a corretora. A eficácia não surge enquanto contemplo açougueiros franceses envolvendo frango com bacon ou preparando um corte de carne com talhos ágeis. Eficácia não é a regra nos hábitos de compras franceses. Encontra-se em um distante movimento tirado de longas conversas entre lojistas e clientes. Eficiência para os franceses é uma medida pobre da boa vida, assim como fazer um dinheirinho com a venda de uma casa empalidece diante da expressão do sentimento sobre o que ela pode representar. Se isso é bom ou ruim, pouco importa. Geralmente é ruim para a economia francesa. Também é um fato da vida.
Esses distintos componentes culturais das nações são provavelmente subestimados, como globalização e homogeneização criam a impressão de que os mesmos padrões ou sistemas podem ser perseguidos por toda parte. Eu costumava ser impaciente com tal pensamento. Os russos precisam de um czar! Os egípcios, de um faraó! Os franceses precisam entrar em greve! Não, eu iria pensar, os russos e os egípcios e os franceses são como todo mundo: eles querem ser livres. Eles querem governança com o consentimento dos governados. Eles não querem suas vidas submetidas a regras arbitrárias, ou viver menos bem do que poderiam sem czares, e faraós e greves. Agora eu sinto que eu estava errado sobre isso. A globalização iguala a adaptação às diferenças intransponíveis, tanto quanto ela iguala a mudança. Algumas coisas não mudam, sendo a obra de séculos.
Alguns dias depois da minha reunião, estava tomando uma cerveja com meus filhos em um café francês. A conta foi € 14. A garçonete estava indo passar um cartão de crédito, quando então viu que eu tinha um nota de € 10.
— Apenas me dê isso — disse ela. —Não se preocupe com o restante.

Roger Cohen é colunista do “New York Times”

Fonte: O Globo
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