segunda-feira, 20 de maio de 2013

Peca o advogado defendendo causa injusta? - Responde Santo Tomás de Aquino




Pode um advogado defender uma causa sabendo de antemão que é injusta? Afinal não têm todos direito a um advogado de defesa, mesmo os criminosos mais notórios? E se assim não fosse, não seriam prejudicados os advogados cristãos? Vejamos o que nos diz Tomás.
Parece que o advogado não peca defendendo causa injusta, visto que:
1. Revela-se a perícia do médico ao curar um doente em estado desesperador. Da mesma maneira se mostra a habilidade do advogado se consegue defender uma causa injusta. O médico que realiza tal cura é exaltado, logo, também o advogado, longe de pecar, merece antes louvor defendendo uma causa injusta.
2. Além disso, é permitido renunciar a qualquer pecado. Ora, é punido o advogado que trair a sua causa. Logo, não peca o advogado defendendo uma causa injusta, uma vez que a tenha assumido.
3. Ademais, recorrer a meios injustos para defender uma causa justa, por exemplo apresentando testemunhas falsas ou alegar leis inexistentes, parece ser pecado mais grave do que defender uma causa injusta, porque o primeiro pecado está na forma, o segundo na matéria. Ora, consta que o advogado pode utilizar tais astúcias, assim como é lícito ao soldado lutar armando emboscadas.

SANTO TOMÁS RESPONDE:
 É ilícito cooperar com o mal, aconselhandoajudando ou consentindo de qualquer modo, pois, de certo modo, quem aconselha e coopera, de certo modo pratica. E o Apóstolo (São Paulo) declara: “São dignos de morte não só os que cometem o pecado, mas ainda quem aprova os que o cometem.” (Rm 1, 32) Ora, é evidente que o advogado dá ajuda e conselho àquele cuja causa patrocina. Logo, se defende uma causa de cuja injustiça está ciente, peca, sem dúvida, gravemente, e está obrigado a reparar o dano causado injustamente à parte adversa por sua assistência ao cliente. Porém se defende uma causa injusta na ignorância, tendo-a por justa, estará escusado, na medida em que a ignorância pode escusar.
Quanto aos argumentos antes expostos deve-se dizer, portanto, que:
1. Empreendendo o tratamento de um enfermo em estado desesperador, o médico não comete injustiça contra ninguém; o advogado, ao invés, aceitando a defesa de uma causa injusta, lesa a parte contra a qual vai pleitear. Logo, a comparação não é válida, pois embora pareça merecer louvores pela perícia de sua arte, peca contra a justiça, abusando de seu talento a serviço do mal.
2. Quanto ao segundo, deve-se dizer que o advogado que, a princípio, julga a causa justa e descobre no decurso do processo que é injusta, não deve traí-la, passando a ajudar a parte adversa ou lhe revelando os segredos do seu cliente. Mas pode e deve abandonar a causa, ou pode levar seu cliente a desistir ou a entrar em composição, sem prejuízo para o adversário.
3. Quanto ao 3º, deve-se dizer que como já foi explicado, ao soldado ou ao chefe do exército é lícito, numa guerra justa, usar de astúcia, dissimulando prudentemente os seus planos. Não, porém, recorrer à falsidade fraudulenta; pois “mesmo para com o inimigo havemos de guardar a lealdade”, como lembra Túlio. Portanto, ao advogado que defende uma causa justa, é lícito ocultar prudentemente o que poderia prejudicar o seu processo, mas não lhe é permitido, porém, usar de falsidade.
Fonte: Suma Teológica, II-II, q. 71, a.3
“A verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade? Meritíssimo, deve estar havendo algum engano: eu contratei um advogado!”

Lições de savoir-vivre: Flash da vida moderna






Raphael de la Trinité

[Sem complexo de simplismo, nem de recusa aos padrões de vida condizentes com a própria condição social], “a obrigação auto-imposta de manter tudo isso [pseudo-regalias, típicas de grã-finismo e sem real conteúdo de excelência ou integridade cultural e moral] — de fato, administrar essa estrutura que acaba se tornando cada vez maior e complexa — é algo que acaba fazendo com que o conforto se transforme em escravidão, sem que a “vítima” se dê conta disso”. [Adriana Setti]

Alguém disse, certa vez, que “a vida feita para o gozo, assim como a luva é feita para a mão, atormenta o homem”. Isso porque cada um de nós possui energias internas e uma como que “reserva” (ou capacidade de sofrer) que, não sendo gasta, fica em nosso íntimo, espicaçando-nos.

Entre a força e a delicadeza de alma não há incompatibilidade, desde que uma e outra sejam retamente entendidas. E uma alma pode ao mesmo tempo ser delicadíssima sem nenhuma fraqueza e fortíssima sem nenhuma brutalidade.

De modo análogo, uma classe social, ou elementos integrantes desta, podem ser afeitos à abundância e ao primor, subordinados às leis da moral e da estética, sem com isso assumir ares caricatos ou presunçosos.

Em que o grã-finismo se distingue da finura, ou das maneiras elevadas e dignas?

O testemunho abaixo servirá talvez  de indicação para um início de debate a respeito.




*** *** ***




Como a classe média alta brasileira é escrava do ‘alto padrão’ dos supérfluos



Fonte: Época


Nossa convidada de hoje da seção Mulheres no Mundo.

Adriana Setti
No ano passado, meus pais (profissionais ultra-bem-sucedidos que decidiram reduzir o ritmo em tempo de aproveitar a vida com alegria e saúde) tomaram uma decisão surpreendente para um casal – muito enxuto, diga-se – de mais de 60 anos: alugaram o apartamento em um bairro nobre de São Paulo a um parente, enfiaram algumas peças de roupa na mala e embarcaram para Barcelona, onde meu irmão e eu moramos, para uma espécie de ano sabático.

Aqui na capital catalã, os dois alugaram um apartamento agradabilíssimo no bairro modernista do Eixample (mas com um terço do tamanho e um vigésimo do conforto do de São Paulo), com direito a limpeza de apenas algumas horas, uma vez por semana. Como nunca cozinharam para si mesmos, saíam todos os dias para almoçar e/ou jantar. Com tempo de sobra, devoraram o calendário cultural da cidade: shows, peças de teatro, cinema e ópera quase diariamente. Também viajaram um pouco pela Espanha e a Europa. E tudo isso, muitas vezes, na companhia de filhos, genro, nora e amigos, a quem proporcionaram incontáveis jantares regados a vinhos.

Com o passar de alguns meses, meus pais fizeram uma constatação que beirava o inacreditável: estavam gastando muito menos mensalmente para viver aqui do que gastavam no Brasil. Sendo que em São Paulo saíam para comer fora ou para algum programa cultural só de vez em quando (por causa do trânsito, dos problemas de segurança, etc..), moravam em apartamento próprio e quase nunca viajavam.

Milagre? Não. O que acontece é que, ao contrário do que fazem a maioria dos pais, eles resolveram experimentar o modelo de vida dos filhos em benefício próprio. “Quero uma vida mais simples como a sua”, me disse um dia a minha mãe. Isso, nesse caso, significou deixar de lado o altíssimo padrão de vida de classe média alta paulistana para adotar, como “estagiários”, o padrão de vida – mais austero e justo – da classe média europeia, da qual eu e meu irmão fazemos parte hoje em dia (eu há dez anos e ele, quatro). O dinheiro que “sobrou” aplicaram em coisas prazerosas e gratificantes.

Do outro lado do Atlântico, a coisa é bem diferente. A classe média europeia não está acostumada com a moleza. Toda pessoa normal que se preze esfria a barriga no tanque e a esquenta no fogão, caminha até a padaria para comprar o seu próprio pão e enche o tanque de gasolina com as próprias mãos. É o preço que se paga por conviver com algo totalmente desconhecido no nosso país: a ausência do absurdo abismo social e, portanto, da mão de obra barata e disponível para qualquer necessidade do dia a dia.

Traduzindo essa teoria na experiência vivida por meus pais, eles reaprenderam (uma vez que nenhum deles vem de família rica, muito pelo contrário) a dar uma limpada na casa nos intervalos do dia da faxina, a usar o transporte público e as próprias pernas, a lavar a própria roupa, a não ter carro (e manobrista, e garagem, e seguro), enfim, a levar uma vida mais “sustentável”. Não doeu nada.

Uma vez de volta ao Brasil, eles simplificaram a estrutura que os cercava, cortaram uma lista enorme de itens supérfluos, reduziram assim os custos fixos e, mais leves,  tornaram-se mais portáteis (este ano, por exemplo, passaram mais três meses por aqui, num apê ainda mais simples).

Por que estou contando isso a vocês? Porque o resultado desse experimento quase científico feito pelos pais é a prova concreta de uma teoria que defendo em muitas conversas com amigos brasileiros: o nababesco padrão de vida almejado por parte da classe média alta brasileira (que um europeu relutaria em adotar até por uma questão de princípios) acaba gerando stress, amarras e muita complicação como efeitos colaterais. E isso sem falar na questão moral e social da coisa.

Babás, empregadas, carro extra em São Paulo para o dia do rodízio (essa é de lascar!), casa na praia, móveis caríssimos e roupas de marca podem ser o sonho de qualquer um, claro (não é o meu, mas quem sou eu para discutir?). Só que, mesmo em quem se delicia com essas coisas, a obrigação auto-imposta de manter tudo isso – e administrar essa estrutura que acaba se tornando cada vez maior e complexa – acaba fazendo com que o conforto se transforme em escravidão sem que a “vítima” se dê conta disso. E tem muita gente que aceita qualquer contingência num emprego malfadado, apenas para não perder as mordomias da vida.

Alguns amigos paulistanos não se conformam com a quantidade de viagens que faço por ano (no último ano foram quatro meses – graças também, é claro, à minha vida de freelancer). “Você está milionária?”, me perguntam eles, que têm sofás (em L, óbvio) comprados na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, TV LED último modelo e o carro do ano (enquanto mal têm tempo de usufruir tudo isso, de tanto que ralam para manter o padrão).

É muito mais simples do que parece. Limpo o meu próprio banheiro, não estou nem aí para roupas de marca e tenho algumas manchas no meu sofá baratex. Antes isso, do que a escravidão de um padrão de vida que não traz felicidade. Ou, pelo menos, não a minha. Essa foi a maior lição que aprendi com os europeus — que viajam mais do que ninguém, são mestres na arte do savoir vivre e sabem muito bem como pilotar um fogão e uma vassoura.

PS: Não estou pregando a morte das empregadas domésticas – que precisam do emprego no Brasil –, a queima dos sofás em L e nem achando que o “modelo frugal europeu” funciona para todo mundo como receita de felicidade. Antes que alguém me acuse de tomar o comportamento de uma parcela da classe média alta paulistana como uma generalização sobre a sociedade brasileira, digo logo que, sim, esse texto se aplica ao pé da letra para um público bem específico. Também entendo perfeitamente que a vida não é tão “boa” para todos no Brasil, e que o “problema” que levanto aqui pode até soar ridículo para alguns – por ser menor. Minha intenção, com esse texto, é apenas tentar mostrar que a vida sempre pode ser menos complicada e mais racional do que imaginam as elites mal-acostumadas no Brasil.
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