sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Destruir grupo jihadista é uma missão impossível


DESTAQUE

“Destruir uma organização significa erradicá-la para sempre, como as potências aliadas fizeram com o partido nazista na Alemanha durante a 2ª Guerra”, disse Christopher Harmer, ex-oficial da Marinha americana e analista do Institute for the Study of War. “Se você usa a palavra ‘destruir’, está falando de uma vitória política e militar abrangente”, disse Harmer. “Se a missão é destruir (o EI), o que estamos fazendo agora é inteiramente inadequado”.

Para destruir efetivamente o EI seria preciso um grande comprometimento de forças de combate terrestres, mas Obama já disse que elas não virão dos EUA. Com isso, qualquer estratégia com base na eliminação do grupo é tolhida pela falta de um ingrediente básico.

*** * ***























Análise: Shane Harris / Foreign Policy



Em pronunciamento transmitido pela TV, o presidente americano, Barack Obama, falou ao povo americano e estabeleceu o que a Casa Branca está apregoando como uma estratégia firme para “degradar e finalmente destruir” o Estado Islâmico (EI). Um problema: isto será literalmente impossível.

Os EUA passaram mais de uma década tentando eliminar a Al-Qaeda, mas apesar de dizimar o grupo, seu líder fugitivo, Aymanal-Zawahiri, continua vivo e as ramificações do grupo operam no Mali, Iêmen, Somália e em uma lista crescente de outros países. Israel passou décadas combatendo o Hezbollah e o Hamas, mas estes grupos continuam capazes de lançar operações de combate em larga escala, como a recente guerra em Gaza.

“Destruir uma organização significa erradicá-la para sempre, como as potências aliadas fizeram com o partido nazista na Alemanha durante a 2ª Guerra”, disse Christopher Harmer, ex-oficial da Marinha americana e analista do Institute for the Study of War. “Se você usa a palavra ‘destruir’, está falando de uma vitória política e militar abrangente”, disse Harmer. “Se a missão é destruir (o EI), o que estamos fazendo agora é inteiramente inadequado.”

Destruir o EI, por esta definição, exigiria erradicar ou neutralizar milhares de combatentes, expulsando-os dos territórios que o grupo controla no Iraque e privando-os de sua base de operações na Síria, para onde os consultores militares de Obama disseram que a luta deve se encaminhar. O fato de terem recrutado centenas de combatentes ocidentais, assim como consideráveis somas de dinheiro e acesso a receitas de petróleo, também o torna resistente.

A escolha de palavras do presidente é crucial porque moldará o futuro da intervenção militar americana no Iraque, que até agora conta mais de 150 ataques aéreos realizados em coordenação com forças terrestres iraquianas e curdas. No entanto, os EUA não informaram quantos combatentes radicais foram mortos e a campanha até agora parece não ter causado danos significativos na capacidade da organização de se movimentar no Iraque e na Síria ou de controlar grandes cidades em ambos os países.

Logo que é expulso de uma área, o EI aparece em outra, como fez recentemente em Haditha, onde aviões americanos haviam bombardeado seus militantes. Para destruir efetivamente o EI seria preciso um grande comprometimento de forças de combate terrestres, mas Obama já disse que elas não virão dos EUA. Com isso, qualquer estratégia com base na eliminação do grupo é tolhida pela falta de um ingrediente básico. Destruir o EI, porém, exigiria uma reconciliação política no Iraque para quebrar a aliança do grupo rebelde com baathistas e tribos sunitas e voltá-los contra o EI.


A lição é clara: redes terroristas são persistentes e elas voltam a seus alvos favoritos várias vezes. Se destruir o EI não está no programa, o que dizer de “derrotá-lo”? Trata-se de um objetivo mais limitado e potencialmente mais viável, mas ainda assim muito ambicioso e, provavelmente, impossível de se alcançar.

Fonte: ESP

Cristãos no Iraque – ‘Preferimos morrer a esconder a nossa cruz’



DESTAQUE

Das igrejas fizeram casa. Continuam a ir à missa – rezam pela paz. Mas onde havia milhares de cristãos, como em Mossul, não há agora nenhum. "A vida deles está completamente virada do avesso", diz à Renascença, a partir do Iraque, um elemento da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre.


*** * ***
 
Cristãos num abrigo em Erbil, Iraque. Foto: Ahmed Jalil/EPA


















Das igrejas fizeram casa. Continuam a ir à missa – rezam pela paz. Mas onde havia milhares de cristãos, como em Mossul, não há agora nenhum. "A vida deles está completamente virada do avesso", diz à Renascença, a partir do Iraque, um elemento da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre.

De um dia para o outro, tudo mudou para os cristãos no Iraque. Entre conversão ao Islão ou o pagamento do imposto exigido pelo autoproclamado Estado Islâmico, não tiveram escolha. Deixaram tudo para trás. No meio do desespero não sobrou tempo para preparos. Muitos fugiram de mãos vazias e sem dinheiro nos bolsos.

"Os refugiados estão a abrigar-se em igrejas, alguns deles estão em parques a viver em tendas. Nesta altura do ano, as temperaturas atingem os 43, 45 graus. São condições muito difíceis", conta à Renascença Regina Lynch, directora de projectos da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), organização dependente do Vaticano.

"Conhecemos uma família que demorou cinco horas a fazer uma viagem que normalmente demoraria uma hora e meia. Eram 24 pessoas numa carrinha que transporta oito no máximo. Isto mostra a forma desesperada como as pessoas tiveram que abandonar a região", conta, por telefone.

Com Regina Lynch, estão no Iraque o presidente internacional da AIS, Johannes von Heereman, e a directora de comunicação, Maria Lozano. Querem conhecer de perto os cristãos perseguidos e as suas necessidades. Querem lembrar-lhes que não estão sós e dar-lhes voz.

A vida "do avesso"

"Há pessoas a viver em abrigos e que estão a ser registadas neste momento. Há muitos a viver com familiares em casas sobrelotadas. É difícil ter um número exacto, mas sabemos que há cerca de 70 mil refugiados à volta de Ankawa e 60 mil nas áreas a norte de Mossul. Mas a todo o momento há pessoas a chegar, famílias a bater à porta à procura de lugar para ficar", conta Lynch.

A AIS já recolheu e enviou mais de 230 mil euros para a Igreja do Iraque. O apoio vai permitir suportar necessidades básicas de milhares de cristãos iraquianos refugiados.

São urgentes "alimentos, colchões, ventiladores, frigoríficos". E alguém que os escute. "Os refugiados viram-se para a Igreja e esperam que a Igreja os ajude. Que os ajude a resolver os problemas. Outras vezes só esperam que alguém possa ouvi-los".

Têm muito para contar. Num abrir e fechar os olhos, a vida que conheciam deixou de existir. Em 2003, só em Mossul, viviam 35 mil cristãos. Pela primeira vez em dois mil anos, não sobra um único.

"As pessoas que conhecemos estão muito traumatizadas porque aconteceu tudo muito rápido. Os cristãos em Mossul, por exemplo, achavam que o exército do Governo ia protegê-los. Foi um choque para eles. A vida deles está completamente virada do avesso".

"Esta é a nossa casa, esta é a nossa história"

A delegação da AIS chegou na quarta-feira ao Iraque para uma viagem de cinco dias. Visitaram Ankawa, um subúrbio cristão da cidade de Erbil que acolhe muitos dos que fugiram de Qaraqosh. Passaram por Dohuk, onde, vindos de Mossul, cristãos em fuga procuraram refúgio. Reúnem-se com bispos, visitam abrigos, ouvem esperanças e vontades.

"Alguns dizem que querem sair, que querem emigrar. Outros contam que querem voltar para as suas aldeias, para as suas casas porque estão lá há gerações e gerações. Dizem: ‘esta é a nossa casa, esta é a nossa história’. Mas só podem voltar se houver alguma espécie de protecção internacional, uma garantia de que isto não vai acontecer outra vez".

O Patriarca Caldeu do Iraque, D. Louis Sako, tem-se desdobrado em apelos. A ele, já se juntaram os bispos da Europa numa carta enviada esta semana ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. Pedem decisões urgentes para "para pôr fim às atrocidades cometidas contra os cristãos e outras minorias religiosas no Iraque".

Uma cruz tatuada

Por enquanto, resta confiar na generosidade dos que no terreno fazem de tudo para ajudar. 

"Soubemos de uma vila cristã que não teria mais de 60 famílias e que agora tem mais 250 famílias cristãs refugiadas. Dá para imaginar o impacto que isto tem na comunidade. As pessoas são muito generosas. Fazem tudo para ajudar os refugiados".

Pouco sabem do que vem a seguir. "É difícil para eles perceber como é que a situação se vai desenvolver. Alguns expressaram-nos o desejo, a esperança, de que uma equipa internacional de manutenção de paz entre no país e garanta a sua protecção. Outros esperam que os peshmerga, as tropas curdas, ganhem força para lutar contra o Estado Islâmico."

Regina Lynch ficou "muito comovida com a fé" dos cristãos iraquianos.

"Hoje falamos com uma senhora de idade que tem uma cruz tatuada na mão e contamos-lhe como hoje em dia na Europa são poucas as pessoas que usam cruzes. Ela respondeu: ‘nós preferimos morrer a esconder a nossa cruz'".

Fonte: Renascença

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Melhor pedófilo que racista


DESTAQUE

Até onde pode conduzir a propaganda do ‘politicamente correto’ e a inversão de valores: ao desejar “proteger as minorias” de estigmas e discriminações, os fanáticos do pensamento politicamente correto acabam desprotegendo outras minorias que estariam mais bem servidas se a lei fosse igual para todos...

Mas o pensamento politicamente correto não trata os indivíduos como indivíduos. Prefere a atitude totalitária de tratá-los em rebanho, removendo-lhes a identidade — e a responsabilidade.

Eis a ironia final: aqueles que defendem a “política de grupos” são os mesmos que destroem a dignidade desses grupos.


*** * ***


1.400 menores foram abusados sexualmente e traficados para prostituição pelo país inteiro por muçulmanos paquistaneses durante 16 anos.

 Por João Pereira Coutinho


Era uma vez uma pequena cidade no sul do Yorkshire chamada Rotherham. Nunca a visitei. Mas, pelas fotos disponíveis, parece uma daquelas típicas cidades do interior de Inglaterra, com o seu encantador ar de desolação e sujidade. Conheço várias.

Acontece que Rotherham passou a estar nas notícias devido a um “escândalo” que terá ocorrido entre 1997 e 2013.

Nesse período, e como tem relatado o enviado desta Folha, 1.400 menores terão sido abusados sexualmente e traficados para prostituição pelo país inteiro. Caso recusassem participar nos crimes, eram ameaçados com violências de uma inimaginável crueldade.

Perante esta novela, a pergunta lógica é saber como foi possível, durante 16 anos, violar e traficar 1.400 menores a partir de um lugarejo que fica a três horas de Londres –e não em Cabul ou Mogadíscio.

A resposta, contida no relatório do professor Alexis Jay, é de arrepiar um defunto: as “autoridades” locais – serviços sociais, polícia, até políticos– sabiam ou desconfiavam do sucedido. Alguns até receberam as vítimas – peço desculpa: as “alegadas” vítimas, que denunciavam os crimes e pediam ajuda na punição dos agressores.

O problema, como afirma o mesmo relatório, é que essas vítimas eram brancas; e os agressores – peço desculpa novamente: os “alegados” agressores eram na sua maioria paquistaneses muçulmanos, que gostavam de “caçar” carne branca.

As “autoridades” preferiram não investigar a fundo a monstruosidade de Rotherham porque, no glorioso mundo do multiculturalismo demente, parece que é pior ser racista, ou acusado de racismo, do que ser pedófilo e cafetão.

Aliás, o relatório nem precisava de o afirmar: tempos atrás, e como lembra a revista “Spectator”, os serviços sociais de Rotherham entenderam que era seu direito remover três crianças do lar familiar porque os pais eram simpatizantes do partido eurocético Ukip.

Não vale a pena relembrar que o Ukip, por mero acaso, venceu as últimas eleições europeias na Inglaterra. Democraticamente.

A verdadeira ameaça, para os serviços sociais, estava no fato dos pais daquelas crianças votarem num partido que se recusa a “promover ativamente a causa multiculturalista”. A mesma causa que condenou 1.400 menores a um regime de escravidão sexual. Desconheço se as três crianças retiradas da família também fizeram parte do circuito de violação e prostituição que não perturbou os serviços sociais.

A procissão ainda vai no adro e o temor inglês é que, depois de Rotherham, comecem a surgir por toda a Inglaterra casos semelhantes. Há até quem fale em Oxford, essa arcádia de conhecimento e solenidade, como um antro de criminalidade igual.

Esperemos pelas cenas dos próximos capítulos. Por enquanto, a história de Rotherham oferece duas lições.

A primeira, óbvia, é mostrar como o pensamento politicamente correto não é apenas uma doença intelectual. Na prática, essa doença tem consequências: ao desejar “proteger as minorias” de estigmas e discriminações, os fanáticos do pensamento politicamente correto acabam desprotegendo outras minorias que estariam melhor servidas se a lei fosse igual para todos. Cega e justa.

Mas existe uma segunda lição, menos óbvia, mas igualmente importante: a covardia das autoridades de Rotherham não é apenas uma traição a gente pequena e vulnerável.

Também é uma traição para a própria comunidade paquistanesa, sobretudo para os milhares de inocentes que, como lembra o enviado desta Folha, ajudaram a construir o país e a defender o reino na Segunda Guerra Mundial.

Se os criminosos tivessem sido tratados e punidos individualmente, a comunidade paquistanesa não seria confundida com eles. Nem manchada pelos seus crimes.

Mas o pensamento politicamente correto não trata os indivíduos como indivíduos. Prefere a atitude totalitária de os tratar em rebanho, removendo-lhes a identidade — e a responsabilidade.

Eis a ironia final: aqueles que defendem a “política de grupos” são os mesmos que destroem a dignidade desses grupos.

Fonte: FSP

Simplismos no Iraque


DESTAQUE

Dick Cheney num artigo que publicou com sua filha Liz: "Poucas vezes um presidente dos Estados Unidos esteve tão equivocado, sobre tantas coisas, às custas de tanta gente. As ações de Obama, antes e depois dos recentes avanços dos jihadistas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (Isil, na sigla em inglês) no Iraque aumentaram as ameaças estratégicas contra a segurança dos EUA. O presidente Obama parece estar decidido a deixar o cargo tendo degradado a América. Ele vai no caminho de assegurar que seu legado seja o de um homem que traiu nosso passado e dilapidou nossa liberdade".

Cheney dirige-se aos que já "sabem" que Obama é um péssimo presidente cujas decisões costumam ser erradas. E assim, Cheney e sua filha se unem a uma longa lista dos que oferecem "soluções" para a situação na Síria e no Iraque, soluções que, segundo os críticos, o presidente e sua equipe ignoram, não entendem, não sabem executar ou, como diz Cheney, Obama as refuta porque está empenhado em degradar a influência do país.

O interessante das recomendações para enfrentar a complicadíssima situação é que os críticos de Obama não são somente republicanos, mas também membros de seu partido. Uma das críticas mais comuns é que Obama não armou a oposição síria que enfrenta Bashar Assad.

*** * ***


Os terroristas do "Estado Islâmico do Iraque e do Levante" (ISIL) estão assassinando milhares de cristãos no Iraque.




Por Moisés Naím


"Os líderes do Partido Republicano estão frustrados com o fracasso do presidente Barack Obama em encontrar uma solução para o conflito entre sunitas e xiitas. A única coisa que pedimos ao presidente na reunião foi que acabasse com essa briga religiosa que começou no ano 632. E o que nos ofereceu o presidente? Nada", afirmou, aborrecido, o senador Mitch McConnell. "Este conflito tem mais de 1.500 anos", disse John Boehner, líder dos republicanos na Câmara dos Deputados. "Isso quer dizer que o presidente Obama teve tempo suficiente para resolvê-lo", acrescentou.

A citação anterior é uma brincadeira inventada pelo humorista Andy Borowitz - que, por sua vez, foi colocada seriamente por Dick Cheney num artigo que publicou com sua filha Liz: "Poucas vezes um presidente dos Estados Unidos esteve tão equivocado, sobre tantas coisas, às custas de tanta gente. As ações de Obama, antes e depois dos recentes avanços dos jihadistas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (Isil, na sigla em inglês) no Iraque aumentaram as ameaças estratégicas contra a segurança dos EUA. O presidente Obama parece estar decidido a deixar o cargo tendo degradado a América. Ele vai no caminho de assegurar que seu legado seja o de um homem que traiu nosso passado e dilapidou nossa liberdade".

A ironia de que o acusador seja um dos responsáveis pela catastrófica invasão do Iraque só é superada por sua desfaçatez. O artigo provocou uma enxurrada de reações recordando os muitos e trágicos erros de Cheney: "Não há dúvida de que Saddam tem armas de destruição em massa"; "Seremos recebidos como libertadores"; "Não precisaremos deixar muitos soldados no Iraque depois da invasão"; "Sunitas, xiitas e curdos viveriam harmonicamente em democracia"; "Os extremistas na região se verão obrigados a repensar sua estratégia de jihad"; entre outros. É evidente que o artigo se destina mais a influir na política interna dos Estados Unidos do que na política no Oriente Médio.

Cheney dirige-se aos que já "sabem" que Obama é um péssimo presidente cujas decisões costumam ser erradas. E assim, Cheney e sua filha se unem a uma longa lista dos que oferecem "soluções" para a situação na Síria e no Iraque, soluções que, segundo os críticos, o presidente e sua equipe ignoram, não entendem, não sabem executar ou, como diz Cheney, Obama as refuta porque está empenhado em degradar a influência do país.

O interessante das recomendações para enfrentar a complicadíssima situação é que os críticos de Obama não são somente republicanos, mas também membros de seu partido. Uma das críticas mais comuns é que Obama não armou a oposição síria que enfrenta Bashar Assad. 

"Armar os moderados" é o mantra dos que acusam Obama de ter abandonado a Síria. Também o acusam de ter abandonado o Iraque: os críticos insistem em que Obama não devia ter retirado todas suas tropas, mas deixado um contingente para enfrentar emergências militares. E o que recomendam fazer agora no Iraque? Atacar com drones o Isil, que invadiu o Iraque vindo do território da Síria. Propõem também depor o primeiro-ministro xiita Nurial-Maliki, substituindo-o por um líder menos sectário que provenha do consenso entre os grupos sunitas, xiitas e curdos.

Perigo. O problema dessas recomendações é que elas são de um simplismo enorme e perigoso. E todas supõem que Obama e EUA têm mais poder, capacidade e conhecimento do que a experiência recente repetidamente demonstrou.

"Armar os moderados da Síria" supõe que os EUA sabem quem são e podem garantir que as armas que vão fornecer não cairão em mãos de seus inimigos. Isso apesar de alguns efetivos do Isil terem sido vistos portando equipamentos que os EUA enviaram aos moderados. Deixar tropas americanas no Iraque ficou impossível uma vez que o governo de Maliki, por pressão do Irã, se negou a permiti-lo.

"Drones contra fanáticos" é outra ideia muito distante de ser uma solução mágica para problemas que não se resolvem com robôs. Talvez seja preciso usá-los para deter a Isil, mas, como se viu no Afeganistão, os drones não solucionam o problema e ainda criam outros.

O mesmo vale para a proposta de tirar Maliki do poder. É inevitável mas, com a sua saída, não desaparece a infernal política entre as seitas e tribos iraquianas. Segundo o humorista Borowitz, o único consenso que há entre esses grupos é que Cheney se cale.

E não é má ideia que também sejam mais sóbrios os que têm soluções "óbvias" que supõem que o governo dos EUA tudo sabe e tudo pode. Foi o fato de agir com base nessa suposição que debilitou a superpotência. / Tradução de Celso Paciornik

Fonte: ESP

Onde guardar a memória


DESTAQUE


“Como então”, pergunta Agostinho, ”podem existir esses dois tempos, o passado e o futuro, se o passado já não existe e o futuro ainda não chegou? Quanto ao presente, se continuasse sempre presente e não passasse ao pretérito, não seria tempo, mas eternidade. Portanto, se o presente, para ser tempo, deve tornar-se passado, como podemos afirmar que existe, se sua razão de ser é aquela pela qual deixará de existir?”

Seguindo o raciocínio agostiniano, quando a memória tenta relatar acontecimentos passados, ela conta apenas com as palavras que exprimem os fatos, e não os fatos em si, já que deixaram de existir. Só nos restam pegadas do passado cujo destino é se apagar com o tempo.

Isso quer dizer que os arquivos e bancos de dados com memórias cada vez mais poderosas são apenas uma fantasia de eternidade? Arquivos prefiguram o paraíso? Talvez Agostinho pensasse assim, uma vez que, segundo ele, o tempo se dá na condição de presente que dura pouco, até se esvair no esquema divino da perpetuidade.



*** * ***



Por LUÍS ANTÔNIO GIRON


Física, digital ou orgânica, a memória serve tanto para a conservação do passado como para reinventá-lo


















Os bancos de memória digital gigantescos que se espalham hoje não passam da materialização das lembranças, objetos e documentos de bilhões de pessoas que já passaram pelo mundo. É como se o tempo pudesse ser congelado a partir da informação recolhida sobre determinada época ou período da história. Terceirizamos a memória. Mas será que o tempo pode ser simplesmente conservado dessa forma? Ou melhor, existe uma forma de prender o tempo da forma exata como ele aconteceu?

Não literalmente. A memória orgânica do homem procura se transformar e se fixar em evidências materiais e em registros digitalizados, até porque ela se esvai cedo ou tarde. Por ser mortal e falível, a memória ambiciona ser mantida intacta no cofre impossível da eternidade. Guardar informação em local seguro é parte da condição dos indivíduos em constante luta para vencer o tempo. A precariedade da mente e a vida efêmera encontram um refúgio ilusório nos bancos de dados. Mas o tempo não cabe na memória, nas memórias de cada um dos indivíduos que vivem ou já viveram.

Sobre o assunto disse Santo Agostinho em suas Confissões (publicadas em 398 d.C.): a condição do tempo é a sua tendência para não existir. Ao pensarmos nele, temos a impressão de que sabemos o que ele é. Mas quando nos perguntam que ele significa, não conseguimos responder: os acontecimentos caminham rumo ao futuro, embora mal se tenham tornado passado. “Como então”, pergunta Agostinho, ”podem existir esses dois tempos, o passado e o futuro, se o passado já não existe e o futuro ainda não chegou? Quanto ao presente, se continuasse sempre presente e não passasse ao pretérito, não seria tempo, mas eternidade. Portanto, se o presente, para ser tempo, deve tornar-se passado, como podemos afirmar que existe, se sua razão de ser é aquela pela qual deixará de existir?” 

Seguindo o raciocínio agostiniano, quando a memória tenta relatar acontecimentos passados, ela conta apenas com as palavras que exprimem os fatos, e não os fatos em si, já que deixaram de existir. Só nos restam pegadas do passado cujo destino é se apagar com o tempo.

Isso quer dizer que os arquivos e bancos de dados com memórias cada vez mais poderosas são apenas uma fantasia de eternidade? Arquivos prefiguram o paraíso? Talvez Agostinho pensasse assim, uma vez que, segundo ele, o tempo se dá na condição de presente que dura pouco, até se esvair no esquema divino da perpetuidade. Imagino que ele julgaria a internet, a nova biblioteca universal, como um demoníaco depósito de lixo informacional. Não é o “palácio da memória” que ele menciona nas Confissões, que impregna a mente do homem com reminiscências do motor divino primordial, do qual ele próprio não é consciente.

Muita gente pensa ainda hoje como Agostinho. É o caso de Umberto Eco. Quando visitei o semioticista italiano em seu apartamento em Milão, em dezembro de 2011, Eco me disse que o excesso de informação e de memória virtual iriam conduzir a humanidade à amnésia. “O problema é que a falta de critério de seleção gera um ambiente caótico, em que todas as informações se equivalem”, disse. “Nesse ambiente, a terceira mulher de Júlio César, a medíocre Calpúrnia, torna-se tão importante como um gênio militar como César. Vivemos os tempos do caos armazenado”.

O caos do excesso poderia levar a humanidade ao Armagedom da cultura, da arte e do saber, como quer Eco? O sociólogo catalão Manuel Castells diz que irá ocorrer o contrário – e eu tendo a concordar com ele. Em conversa recente que tivemos em um hotel no bairro de Higienópolis em São Paulo, ele disse: “Quanto mais informação guardada, maior a qualidade da aquisição de conhecimento. Uma biblioteca de 400 mil títulos é melhor do que uma de 10 mil títulos. Na internet acontece a mesma coisa: a oferta de informação só faz crescer o conhecimento do usuário. O importante é você saber o que quer. E isso os jovens que já nasceram com a internet sabem mais o que ninguém, pois eles não precisam lembrar-se dos fatos, mas identificar onde eles estão [SIC! SIC! SIC!]. Experimentamos uma era inédita de informação e conhecimento universal e acessível”.


Desse modo, o tempo e seus fragmentos poderiam ser de alguma forma aprisionados, codificados e organizados para que humanidade aprenda com eles – e reinvente o passado via ficção e fantasia. Assim como os arquivos acumulam dados, os monumentos e os museus são erguidos e as efemérides festejadAs em memória a fatos que já não estão mais aqui. São as nuvens da memória profana que Agostinho jamais cogitaria. Nelas, os homens acumulam informações para tentar triunfar sobre a morte. Não importa que percamos nossa memória orgânica, porque todos iremos perdê-la. Arquivos, museus, monumentos, bancos de dados, servidores virtuais em nuvem, tudo isso forma os cemitérios dinâmicos de almas vivas, conservadas enquanto durar a cultura.

Fonte: Época
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...