sexta-feira, 4 de abril de 2014

O perigo da obediência indevida ou servilismo e da perda daquilo que representamos


DESTAQUE

(...) em vista de condenações generalizadas que muitas vezes foram pronunciadas em alguns ambientes, os quais afirmam categoricamente que a celebração segundo os ritos novos é ipso facto matéria de pecado mortal.
o documento todavia não exclui a possibilidade de nutrir reservas teológicas, não impede de agir consequentemente (leia-se aqui), não impõe como obrigação o birritualismo.
Escrevemos no passado que a esse propósito fazemos nossas as reservas que expressou Sua Eminência o Cardeal Ottaviani ao escrever a carta de acompanhamento ao Breve exame crítico do Novus Ordo Missae. Tanto prelados, aliás, dos quais não é o último o atual Pontífice Reinante, já escreveram pedindo uma “reforma da reforma”: evidentemente, haverá motivos… Parece-nos então que o termo “exclusivo” exprima bem a nossa posição e como tal foi admitido em nossos Estatutos pela Santa Sé, em uma recíproca atitude de lealdade. Sem querermos substituirmo-nos a um futuro pronunciamento da autoridade eclesiástica, afirmamos, com prudência e moderação, mas sem subterfúgios, nossa opinião; esse não é peremptória, mas quer ser franca e supõe consequências. Se não agíssemos assim e escondêssemos o pensamento de nossos corações, ou pior ainda, se agíssemos contra a consciência, faltaremos realmente com o respeito à Autoridade que queremos servir na clareza de posições. Pensamos, portanto, que o termo exclusivo deve ser mantido, mesmo por observância dos compromissos por nós publicamente assumidos. O Bom Pastor, de fato,  não nasceu para ocupar-se do próprio interesse pessoal –  vitam suam dat pro ovibus suis – mas para oferecer um testemunho da possibilidade de uma posição eclesial que inclua os citados pressupostos.
*** * ***
O ‘rito próprio’ e a ‘hermenêutica da continuidade’ são suficientes?
[Comentário da Montfort em 3 de maio de 2012]:

O texto abaixo foi publicado no blog “Disputationes Theologicae”mantido pelos padres Stefano Carusi e Mathieu Raffray, do Instituto do Bom Pastor. O artigo responde às especulações e críticas levantadas pela publicação misteriosa de uma carta de Monsenhor Guido Pozzo, da Comissão Pontifícia Ecclesia Dei e de um relatório da visita canônica ao IBP, acontecida por ocasião do fim do período de experiência concedido pela Santa Sá, após sua fundação, em 2006.
 
[Texto do Padre Carusi]
Nossa Redação, após a publicação do relatório da visita canônica do Instituto do Bom Pastor, tem recebido perguntas que podem ser resumidas pelo título deste artigo. A questão nos parece ter um relevante interesse eclesial, ainda mais se levarmos em conta as solicitações a que nos pronunciássemos presentes em vários artigos aparecidos sobre esse assunto, como aquele do superior do distrito italiano da Fraternidade Sacerdotal São Pio X. Exporemos, portanto, algumas considerações a nossos leitores, as quais, evidentemente, comprometem apenas a linha editorial desta revista livre.
O texto produzido pela Reverenda Comissão Pontifícia Ecclesia Dei oferece ao Instituto do Bom Pastor algumas indicações, em parte de ordem prático-jurídica, e em parte teológico-eclesial.  Essas indicações tocam a “especificidade” do Instituto, não em termos peremptórios, mas antes em forma de conselho: a respeito da celebração da Missa tradicional tal como é prevista pelos Estatutos, a Comissão convida a falar de “rito próprio”, nós citamos literalmente, “sem falar de exclusividade” (é um convite a modificar os Estatutos fundadores?). Ela pede também – e sobre esse segundo ponto com uma formulação um pouco mais forte – para diminuir a “crítica, mesmo séria e construtiva” dos aspectos do Concílio Vaticano II que levantam dificuldades, para insistir mais “sobre a hermenêutica da renovação na continuidade” adotando “como base” o “Novo Catecismo”.
Quanto a esses dois pontos, a questão, longe de ser uma simples discussão terminológica, nos parece crucial para o futuro do Bom Pastor. No mais, a Comissão parece ter querido, em seu conjunto, apresentar seu próprio ponto de vista teológico-litúrgico e, sempre sem se tratar de ordens formais, ela deixa a escolha ao Capítulo Geral.

A natureza do texto de Monsenhor Pozzo e as circunstâncias históricas

O documento é o resultado da visita canônica efetuada após o prazo de seis anos desde a fundação do Instituto. Nós lembramos que o reconhecimento desse último foi querido pessoalmente pelo Santo Padre Bento XVI, para oferecer a possibilidade da “experiência da Tradição”, com duas especificidades expressamente previstas pelos Estatutos (aprovados por Roma) e em virtude das quais se falou de um “avanço” da causa tradicional: a celebração exclusiva da “Missa gregoriana” (conforme a expressão do Cardeal Castrillon Hoyos) e a possibilidade explícita de uma “crítica séria e construtiva” dos pontos do Concílio Vaticano II que parecem dificilmente conciliáveis com a Tradição.
Ora, do ponto de vista litúrgico, o texto afirma que seria desejável uniformizar os Estatutos do Instituto com o “espírito” do Motu Proprio Summorum Pontificum, aparecido um ano mais tarde, eliminando a palavra “exclusiva”, e substituindo-a pela expressão “rito próprio” (o termo, já presente nos Estatutos em dois pontos, é, no entanto, invocado em contraposição ao outro e não em integração com ele). Notemos, entretanto, que tal termo, assim como na redação aprovada pela Santa Sé em 2006, não é incompatível com a recente legislação na matéria, sendo antes o reconhecimento jurídico de uma peculiaridade. Na Igreja, a existência de uma lei geral (e, nesse caso, simplesmente de uma orientação) não impede o reconhecimento de um direito próprio: a fortiori em presença de uma precedente aprovação de autoridade eclesiástica. Nesta perspectiva, pode-se compreender que tal indicação da Comissão esteja na ordem do convite.
Do ponto de vista teológico, o documento convida a privilegiar a “hermenêutica da renovação na continuidade” sobre a “crítica, mesmo séria e construtiva” e, mais geralmente, a atitude “positiva”. A Comissão parece reconhecer que a atitude do Bom Pastor não é aquela de uma crítica selvagem, desrespeitosa, extremista e temerária, mas permaneceu no âmbito dos compromissos assumidos em 2006. Naquele contexto, o Instituto, não havendo pleno acordo sobre algumas questões doutrinárias, subscrevia um “acordo prático-canônico” – incluindo também os dois pontos supramencionados – em um espírito de filial colaboração com a Santa Sé e levando a sério as declarações de Sua Eminência Cardeal Castrillon Hoyos, o qual repetia que, se há evidência de incoerências, “a crítica construtiva é um grande serviço a prestar à Igreja”.

Uma proposta de reflexão

O citado texto deve ser acolhido com o respeito que é devido a um documento proveniente de um Dicastério Romano, e, ao mesmo tempo, naquele mesmo espírito de abertura e de franqueza no qual agora nos empenhamos. Ele contém algumas indicações de ordem prático-jurídica que são inspiradas pela solicitude em vista de um aperfeiçoamento da justiça administrativa que deve caracterizar toda sociedade; mostra-se preciosa a solicitação a aprofundar “o pastoreio de Cristo”; inevitavelmente, em uma fundação jovem, há aspectos a melhorar e a Comissão oferece indicações que não devem ser desprezadas. Mas o documento pede também a reconsideração de dois pontos que constituem a especificidade do Instituto; sob este aspecto, nosso ponto de vista discorda daquele do relator.

A celebração “exclusivamente” no rito tradicional

Não vemos uma incompatibilidade legislativa entre tal faculdade e o Motu Proprio Summorum Pontificum mesmo porque a aludida referência que manda não “excluir, em princípio a celebração segundo os livros novos”, não está contida na parte normativa, mas na carta argumentativa. Além disso, a passagem pode ser entendida como recomendação a não excluir que outros sacerdotes católicos celebrem segundo os novos livros, em vista de condenações generalizadas que muitas vezes foram pronunciadas em alguns ambientes, os quais afirmam categoricamente que a celebração segundo os ritos novos é ipso facto matéria de pecado mortal. Em todo caso, não foi posto pelo Supremo Legislador como obrigação de lei. Também a Instrução Universae Ecclesia (o artigo 19, por exemplo) afirma a impossibilidade de uma exclusividade que é acompanhada de ataques violentos (sint infensae) e sentenças categóricas contra textos aprovados pela Santa Sé: o documento todavia não exclui a possibilidade de nutrir reservas teológicas, não impede de agir consequentemente (leia-se aqui), não impõe como obrigação o birritualismo.
Escrevemos no passado que a esse propósito fazemos nossas as reservas que expressou Sua Eminência o Cardeal Ottaviani ao escrever a carta de acompanhamento ao Breve exame crítico do Novus Ordo Missae. Tanto prelados, aliás, dos quais não é o último o atual Pontífice Reinante, já escreveram pedindo uma “reforma da reforma”: evidentemente, haverá motivos… Parece-nos então que o termo “exclusivo” exprima bem a nossa posição e como tal foi admitido em nossos Estatutos pela Santa Sé, em uma recíproca atitude de lealdade. Sem querermos substituirmo-nos a um futuro pronunciamento da autoridade eclesiástica, afirmamos, com prudência e moderação, mas sem subterfúgios, nossa opinião; esse não é peremptória, mas quer ser franca e supõe consequências. Se não agíssemos assim e escondêssemos o pensamento de nossos corações, ou pior ainda, se agíssemos contra a consciência, faltaremos realmente com o respeito à Autoridade que queremos servir na clareza de posições. Pensamos, portanto, que o termo exclusivo deve ser mantido, mesmo por observância dos compromissos por nós publicamente assumidos. O Bom Pastor, de fato,  não nasceu para ocupar-se do próprio interesse pessoal –  vitam suam dat pro ovibus suis – mas para oferecer um testemunho da possibilidade de uma posição eclesial que inclua os citados pressupostos.

A “crítica séria e construtiva”

Com efeito, nestes seis anos nos esforçamos – também no cumprimento dos compromissos assumidos com a Santa Sé – por analisar os documentos mais recentes em um espírito sereno, obsequioso, mas que não esconde aprioristicamente nenhuma real dificuldade de conciliação com a Tradição. Teria sido esconder essas dificuldades uma atitude não só pouco científica teologicamente, mas sobretudo desleal em relação à Igreja. Isso não basta? Este posicionamento não exclui –  aprioristicamente – que alguns pontos problemáticos de certos pronunciamentos possam ser interpretados segundo uma leitura de “continuidade da hermenêutica teológica”, ainda que apresentando algumas vezes expressões ambíguas. A crítica “séria e construtiva” não exclui forçosamente a eventualidade,  sempre que possível, de ler em continuidade com o Magistério anterior algumas passagens recentes; mas quer exprimir também a possibilidade – e o dever filial – de dizer abertamente à Santa Sé que certas coisas poderiam pedir uma reconsideração. Em razão do poder das Chaves, no supremo obséquio à Verdade e no interesse da Igreja, o Sumo Pontífice pode fazê-lo com textos magisteriais não infalíveis, especialmente onde a continuidade fosse não demonstrada. Se, com nossa história, deliberadamente ofuscássemos tal humilde testemunho, essa poderia ser a maior falta de respeito em relação à Sé Apostólica; estaríamos em busca de um imediato benefício pessoal – ainda que social – “pro domo sua” , abandonando o compromisso em virtude do qual alguns aderiram justamente a essa Congregação, compromisso que a Santa Sé aprovou por escrito no recente 2006.

O perigo da obediência indevida ou servilismo e da perda daquilo que representamos

Quisemos oferecer nossas considerações, levando em conta a natureza do Instituto do Bom Pastor. Se este se privasse de suas especificidades estatutárias, seria – é a opinião de nossa revista – radicalmente desnaturado e perguntamos: sem a “exclusividade” e deixando de lado a “crítica séria e construtiva”, o Bom Pastor conservaria sua razão de existir? Por que não preferir então qualquer outra Congregação? Depois do “espírito do Concílio” há realmente necessidade do “espírito do Motu Proprio”, erigido em norma? Nas disputas atuais, não é importante pedir uma clara distinção entre uma argumentação e uma obrigação, um convite e uma lei, uma opinião (ainda que autorizada) e um claro ensinamento? Se confirmássemos a impressão [de] que as concessões previstas em acordos são instáveis, renderíamos um serviço à Igreja? Um estudioso como Mons. Nicola Bux evitou “dogmatizar”, enfatizando-a excessivamente, a hermenêutica da continuidade (que os progressistas continuam tranquilamente a ignorar), dizendo sobriamente que essa “forneceu um critério para enfrentar a questão e não para fecha-la”. Seremos críveis se quiséssemos ser (ou simular ser) mais ratzingerianos que  Mons. Bux?
Além disso, é realista esperar que a Fraternidade São Pio X adote, agora ou dentro de seis anos, as orientações que foram sugeridas? Mais ainda, se determinados pontos fossem juridicamente incompatíveis e eclesialmente impossíveis, isso nós já o saberíamos, em um espírito de direito, tanto quanto à Fraternidade São Pio X quanto  ao Instituto do Bom Pastor (que ainda por cima não pretendeu a “contrapartida” dos preliminares). Devemos portanto considerar, confiantes na Providência, que são precisamente sugestões. Não esqueçamos de que há hoje, na Igreja, pressões desagregadoras e gravíssimas dificuldades; mas parece que as citadas peculiaridades do Instituto do Bom Pastor, mais que um obstáculo ao bem do Corpo Místico, sejam um humilde e sincero serviço à Igreja.
 Pe. Stefano Carusi, IBP

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...