sexta-feira, 22 de agosto de 2014

A vida e a modernidade de Luiz IX, o último rei santo


DESTAQUE


São Luiz foi, em primeiro lugar, um rei cristão ideal.

São Luiz quer tornar o rei o responsável pela Justiça. Os súditos do Rei (salvo nos assuntos religiosos, aliás, estritamente controlados) podem com isso apelar, a partir de então, para a justiça do rei. Aí está o fundamento dos futuros tribunais de apelação. A partir de 1254, essa seção da corte que administra a Justiça em seu nome vai ser denominada Parlamento...


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(Bernard Lecomte, de L’Express, entrevista Jacques Le Goff)


Por que escolheu passar 10 anos de sua vida com São Luís?

Jacques Le Goff – Em primeiro lugar, tinha vontade de escrever uma biografia. Depois, escolhi um personagem que desse a possibilidade de, realmente, ir além de sua imagem mítica ou das suposições históricas. São Luís é um personagem fascinante: falar sobre ele é evocar todos os povos cristãos da época.

Luiz IX foi ao mesmo tempo rei e santo. É possível conciliar a esse ponto política e religião?

Le Goff – Houve outros reis santos antes dele: na Alta Idade Média, na época da instalação dos reinos bárbaros, como o rei da Burgúndia, Sigismundo. Depois, por volta do ano 1000, durante a conversão de povos inteiros ao Cristianismo, como o húngaro Etienne (Santo Estevão) ou o norueguês Olavo. Mas São Luiz é um rei santo de um novo tipo, pois é sua conduta pessoal, em primeiro lugar, que o faz ser santo. Aliás, ele será o último desse gênero.

O historiador William Jordan descreveu-o atormentado entre seu dever real e sua devoção...

Le Goff – Eu enfatizaria mais a coerência entre sua aspiração à santidade e sua conduta na política, o que não oculta de maneira alguma dificuldades e contradições [SIC!]. Um exemplo: São Luiz, à mesa, tem um estatuto especial e um cerimonial a respeitar, mas, muito ligado à tradição monástica, ele pratica a abstinência muito jovem, não bebe vinho puro, convida pobres, etc. Isso é verdade também para seu comportamento político.

Evoquemos, inicialmente, o rei Luiz IX. Como situá-lo?

Le Goff – Na metade do caminho entre o reino de seu avô Felipe Augusto e o de seu neto Felipe, o Belo, São Luiz representa a passagem da monarquia feudal à monarquia moderna: esta não se baseia mais nas relações do rei com seus vassalos, mas naquelas do rei enquanto chefe de Estado (diga-se, então, do reinado ou da coroa) com seus “súditos”. Essa construção do Estado moderno se faz de acordo com formas transitórias, progressivamente, evitando qualquer traumatismo institucional...

Luis IX moderniza o Estado?

Le Goff – Ele consolida a monarquia: duplica principalmente os bailios e os senescais – os magistrados, na época -, “investigadores” designados para apurar os abusos da administração real, para fazer reinar a justiça e a paz. São Luiz quer tornar o rei o responsável pela Justiça. Os súditos do Rei (salvo nos assuntos religiosos, aliás, estritamente controlados) podem com isso apelar, a partir de então, para a justiça do rei. Aí está o fundamento dos futuros tribunais de apelação. A partir de 1254, essa seção da corte que administra a Justiça em seu nome vai ser denominada Parlamento...

Como um rei pode chegar à santidade, se começa lutando contra os cátaros, executando os preceitos da Inquisição e reprimindo os judeus?

Le Goff – Atenção para não cair no anacronismo! Façamos um esforço de compreensão da época, em retrospectiva. Sobre os cátaros: foi principalmente seu pai, Luiz VIII, que lutou contra os albigenses. Luiz IX continuou sua ação, mas não se interessou muito pelo sul da França, onde reinará seu irmão, Afonso de Poitiers. Sua responsabilidade não é nula, mas é preciso redimensioná-la. Sobre a Inquisição: em primeiro lugar, um rei tão piedoso não podia amar os hereges, culpados por colocarem em risco tanto a ortodoxia da fé quanto a coesão do reinado. Em segundo lugar, na tradição cristã do século 13, o rei é o braço secular da Igreja em seu reinado: se esta ordena ao soberano executar as sentenças de seus tribunais, ele deve obedecer.

E suas medidas anti-semitas?

Le Goff – Em primeiro lugar, tomemos cuidado com as palavras: não se trata de anti-semitismo (o que só aparecerá no século 19), mas de um anti-judaísmo, de natureza essencialmente religiosa. Luiz IX, profundamente cristão, não gosta dos judeus que se recusaram a reconhecer Jesus Cristo. Ele condena o Talmude porque este, do seu ponto de vista, diz horrores sobre Jesus e apresenta a Virgem como uma prostituta! Além disso, o rei não gosta das pessoas que constituem um corpo estranho dentro do reinado que ele tenta unificar. É verdade que São Luiz ficou desorientado [SIC!] com esse problema. Segundo disse: “Os cristãos têm um chefe, trata-se do prelado. Os judeus não têm ninguém. Devo, então, ser o prelado dos judeus: puni-los quando se comportam mal, mas também protegê-los quando são injustamente atacados”... A verdade é que São Luiz foi mesmo um perseguidor dos judeus [SIC!].

A ponto de lhes impor, em 1269, o uso de costeleta?

Le Goff – Foi a Igreja que tomou essa decisão no Concílio de Latrão, em 1215. São Luiz recusou aplicá-la durante muito tempo, especialmente devido à preocupação com a integração dos judeus à comunidade nacional. Mas cedeu, no fim de seu reinado, à pressão dos judeus convertidos de seu círculo, de quem o papel foi extremamente nefasto.

Ele foi, realmente, o incentivador das últimas Cruzadas!

Le Goff – Exato. É mesmo notável que São Luiz tenha entrado nas Cruzadas numa época em que isso se fazia cada vez menos. As Cruzadas estão ligadas ao feudalismo e o fracasso delas já anunciava o fim desse regime. Quando entra na Cruzada, São Luiz tenta mudar o espírito da Cruzada, misturando objetivos militares e interesse de conversão religiosa. São Francisco de Assis não o precedeu, em vão, na Terra Santa! Um exemplo: tendo partido com todos os preconceitos[SIC!]anti-muçulmanos da época, o rei da França ao perceber que aquelas pessoas são religiosas, fica impressionado com a piedade delas[SIC!], fica atônito com a biblioteca que o emir carrega consigo em sua tenda, mesmo na guerra. Enfim, o indivíduo São Luiz também ia procurar na Terra Santa, mais ou menos, o martírio.

Foi por isso que a Igreja canonizou Luis IX, em 1297, 27 anos após sua morte?

Le Goff – Há uma razão política [SIC!]: o novo Papa Bonifácio VIII deseja ter boas relações com o rei da França. Mas há uma razão mais profunda e inovadora: São Luiz foi, em primeiro lugar, um rei cristão ideal. Ora, em seu caso, os milagres ligados à sua pessoa contaram menos que as virtudes do indivíduo.

Justamente o indivíduo, o senhor diz, é uma invenção de sua época...

Le Goff – Na Idade Média, o que importa são os grupos, as comunidades: ordens religiosas, confrarias, linhagens, dinastias, comunidades de aldeia, etc. A partir do fim do século 12, o individuo aparece, principalmente, nas ordens religiosas. São Bernardo foi o primeiro a surgir em sua ordem, assim como São Francisco de Assis distingue-se no século 13. São Luiz teve importância como homem. Seu caráter, sua humildade deram motivos para isso.


Obra notável (biografia de São Luis)


Jacques Le Goff foi um de nossos historiadores mais reputados. E São Luiz, um de nossos maiores reis. O encontro entre ambos só poderia resultar em um livro memorável. De fato, essas mil páginas, eruditas, precisas e lúcidas, são de uma perfeição que encantará tanto estudiosos como o grande público. São Luiz é neto de Felipe Augusto, o vencedor de Bouvines (1214). Nasceu poucos meses antes dessa batalha histórica. A morte de seu irmão mais velho, Felipe – logo após a de seu pai, Luis VIII – vai torná-lo rei da França aos 12 anos. Ele reinou em duo com a mãe, Branca de Castela, notável pela inteligência política, e depois, sozinho, após voltar da Terra Santa, em 1254, até que a morte o surpreendesse em Túnis, durante a sua segunda Cruzada, em 1270. Rei profundamente piedoso, Luis IX promoverá a sétima Cruzada, que será um fracasso, e a oitava, da qual não volta. Fascinado pelas ordens mendicantes, pelas relíquias, São Luiz fará todos os esforços para ser um modelo político e espiritual para os cristãos de sua época.

O rei da França fortalecerá, assim, durante 44 anos de reinado, um Estado monárquico independente, unificado e centralizado, do qual Le Goff tem o prazer de ressaltar as inovações: administração territorial, justiça ao alcance de todos, instituição de um Parlamento em seu estado embrionário. Moderno, Luiz IX? De fato, quando reprime a primeira manifestação da história da universidade, em 1229, ou quando tenta moralizar sua alta função pública, em 1254, o santo rei suscita no leitor algumas repercussões muito atuais...

Traduções de Wanda Caldeira Brant

(Cf. O Estado de São Paulo, 2 de maio de 1999 – p. 18 – Caderno 2 – Cultura).

Jacques Le Goff (Toulon, 1 de janeiro de 1924 — Paris, 1 de abril de 2014)1 foi um historiador francês especialista em Idade Média. Autor de dezenas de livros e trabalhos, era membro da Escola dos Annales, empregou-se em antropologia histórica do ocidente medieval.

Antigo estudante da École Normale Supérieure, estudou na Universidade Carolina em 1947-48, professor de história em 1950 e membro da École Française de Rome, foi nomeado assistente da Faculté de Lille (1954-59) antes de ser nomeado pesquisador no CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica), em 1960. Em seguida, mestre-assistente da VI seção da École pratique dês hautes études (1962) - sucedeu Fernand Braudel no comando da École dês hautes études em sciences sociales, onde ele foi diretor dos estudos. Cedeu seu lugar a François Furet em 1967. Na qualidade de diretor de estudo na École dês Hautes Études em Sciences Sociales, Jacques Le Goff publicou estudos que renovaram a pesquisa histórica, sobre mentalidade e sobre antropologia da Idade Média. Seus seminários exploraram os caminhos então novos da antropologia histórica. Ele publicou os artigos sobre as universidades medievais, o trabalho, o tempo, as maneiras, as imagens, as lendas.

O debate entre Lutero e Eck



DESTAQUE


A 14 de julho encerrou-se a discussão, levando os louros do triunfo o Dr. Eck, como o próprio Lutero depois declarou em uma carta a Melanchton: ‘Eck tem as vantagens: ele triunfa e reina. Estes leipziganos não nos saudaram, nem visitaram, mas nos trataram como inimigos, enquanto acompanharam Eck em toda parte... para nossa vergonha... aí está todo o drama: começou mal e acabou pior... discutimos mal.’ (Enders: corr. II, 85, 20 de julho de 1519).

O conde Jorge de Saxe, o povo de Leipzig, a universidade e os católicos hesitantes sentiram-se fortalecidos em sua fé, mas Lutero, recolhendo-se sob a capa do seu amor próprio ferido, se tornou cada vez mais intratável e grosseiro.

Ei-lo feito definitivamente herege.



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A disputa entre Doutor Eck e Lutero



Tendo falecido o imperador Maximiliano, em 12 de janeiro de 1519, foi só depois da eleição do seu sucessor, Carlos V (out. de 1519), que o processo contra Lutero foi retomado. Nesse ínterim um novo acontecimento patenteara a má vontade de Lutero: a discussão de Leipzig. Os erros de Lutero foram-se espalhando com a repulsa de uns e a aprovação de outros. Em breve as próprias universidades da Alemanha veriam as suas opiniões divididas, efeito das dúvidas e discussões suscitadas.

O enfraquecimento da fé e o relaxamento da moral eram um terreno propício para as novidades e revoltas.

As universidades de Wittemberg, Ingolstad e Leipzig combinaram entre si um debate público para resolver a pendência. O lugar escolhido foi o castelo do conde Jorge de Sax, em Leipzig. Ali deviam reunir-se os representantes de cada partido. O salão de honra do castelo foi dividido em duas partes destinadas às duas facções, com dois púlpitos no centro, um em frente ao outro.

O grande teólogo John Eck, paladino invencível da religião católica, com a idade de 43 anos.

Ilustre sacerdote que denunciou a fraude e o logro das heresias. Ano de 1572.

A discussão teve início a 27 de junho de 1519 entre Carlostad e Eck. O enviado de Lutero foi vergonhosamente vencido, não podendo provar as suas teses, nem refutar as do seu antagonista.

Referindo-se, mais tarde, a esse fracasso, falou Lutero: ‘Em Leipzig Carlostad recolheu vergonha em vez de honra, mostrando-se um miserável polemista, com espírito tapado e tolo.’ (H. Boeckmer: Der Junge Luther 1929, pág. 255). A impressão foi péssima para a pretensa reforma. Os partidários chamaram Lutero para vingar a desfeita e soerguer a honra comprometida da nova doutrina.

Em 4 de julho reencetou-se a polêmica, desta vez entre Lutero e Dr. Eck. Tudo convergiu logo para a palpitante questão: a autoridade da Igreja em matéria doutrina. Lutero havia opugnado as indulgências, proclamando o valor supremo da Bíblia e a inutilidade das boas obras, mas não tinha ainda opinião formada sobre a jurisdição da Igreja em questões de doutrina. Caiu em contradição, titubeou, aderindo, publicamente às condenadas doutrinas de Huss, rejeitando a autoridade da Igreja. O Dr. Eck refutou vitoriosamente as asserções heréticas, e Lutero não fez papel mais brilhante do que o seu representante vencido, Carlostad. Os ânimos dos sectários se exaltaram e vários começaram a gritar contra as asserções católicas de Eck.

A 14 de julho encerrou-se a discussão, levando os louros do triunfo o Dr. Eck, como o próprio Lutero depois declarou em uma carta a Melanchton: ‘Eck tem as vantagens: ele triunfa e reina. Estes leipziganos não nos saudaram, nem visitaram, mas nos trataram como inimigos, enquanto acompanharam Eck em toda parte... para nossa vergonha... aí está todo o drama: começou mal e acabou pior... discutimos mal.’ (Enders: corr. II, 85, 20 de julho de 1519).

O conde Jorge de Saxe, o povo de Leipzig, a universidade e os católicos hesitantes sentiram-se fortalecidos em sua fé, mas Lutero, recolhendo-se sob a capa do seu amor próprio ferido, se tornou cada vez mais intratável e grosseiro.

Ei-lo feito definitivamente herege.


LOMBAERDE, Pe. Julio Maria de. O Diabo, Lutero e o Protestantismo. 2ª Ed. Manhumirim: O Lutador, 1950.

Fonte: Apologética Tradicional
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