quarta-feira, 6 de março de 2013

Quo Vadis, Petre?


1] Em manifestações de católicos nos meios de comunicação após o anúncio da demissão de Bento XVI, vê-se com preocupação um erro grave e frequente: a noção de que, gozando o Conclave da assistência do Espírito Santo, podem todos estar tranquilos, porque será seguramente escolhido um Pontífice fiel, que bem conduzirá as almas à salvação eterna. Existe uma tendência a crer que o Espírito Santo comanda a assembleia a ponto de escolher diretamente o novo Papa. Mesmo Cardeais têm usado de expressões que dão essa ideia, como se a eleição fosse obra exclusiva, ou praticamente exclusiva, do Espírito Santo.



Da assistência do Espírito Santo ao Conclave



2] Tal concepção se opõe à reta doutrina, e deixa perplexo quem, com algum conhecimento das coisas católicas, sabe quão absurdo seria dizer que o Espírito Santo escolheu Rodrigo de Borja, cardeal escandaloso, com filhos bastardos, para dele fazer o Papa Alexandre VI. E esse não é o único caso do gênero na História da Igreja.



3] A verdadeira doutrina sobre essa matéria vem exposta por Mangenot no Dictionnaire de Théologie Catholique: “A assistência do Espírito Santo é somente o efeito da providência especial de Deus para com sua Igreja, para nela conservar, explicar e defender de todo ataque o depósito da revelação confiado aos apóstolos. Portanto, essa assistência não tira a liberdade dos doutores infalíveis da Igreja; ela supõe e exige a atividade deles. Seu próprio nome o indica: o Espírito Santo assiste a Igreja para a impedir de errar. É preciso pois que ela recorra aos meios ordinários, pesquisas, estudos, discussões e deliberações, que afastem o erro de seu ensino. O Espírito Santo favorece essa atividade por suas graças atuais e vela para que ela não se desvie em nada do caminho reto da verdade revelada” (DTC, Assistance du Saint-Esprit, t. I, 2ª parte, col. 2.127).



4] Em 1997, Bento XVI, então Cardeal Ratzinger, assim se expressou, pela televisão bávara, sobre a assistência divina no Conclave: “(...) o Espírito Santo não assume exatamente o controle do caso, mas, antes, como bom educador, deixa-nos muito espaço, muita liberdade, sem nos abandonar inteiramente. Assim, o papel do Espírito Santo deveria ser entendido num sentido muito mais elástico, não que ele diga qual o candidato em quem se deva votar”.



5] Os Cardeais não são arrastados e forçados a escolher o candidato melhor e mais apropriado às circunstâncias, mas apenas ajudados, assistidos, de maneira não impositiva, que não lhes tolhe a liberdade. Podem recusar a graça. Essa assistência é análoga à que ocorre nos ensinamentos papais e conciliares, nos quais pode haver erro quando não preenchidas as condições da infalibilidade.



A Igreja pode passar por crises de gravidade extrema



6] Acrescente-se que, nesta terra, a Igreja é “militante”. Ou seja, embora infalível e indefectível, Deus permite que ela passe por crises, mesmo graves e gravíssimas, o que aconteceu em várias fases de sua história, como na longa crise ariana do século IV. As razões pelas quais a divina Providência permite males de tal tamanho são as mesmas pelas quais permite que o homem seja tentado e peque, entre elas “para que possam manifestar-se os que são realmente virtuosos” (I Cor. 11:19).



7] Portanto, embora possamos e devamos ter esperança na eleição de um Papa fiel no próximo Conclave, e devamos rezar ardentemente para isso, não podemos ter a esse respeito um otimismo ingênuo, sem base na teologia nem na realidade dos fatos. A eventual eleição de um Papa progressista poderá representar o aprofundamento da crise atual e a perdição de número incontável de almas, mas jamais resultará na destruição da Santa Igreja, nem haverá de levar o católico a duvidar de sua fé. 



Da possível eleição do Cardeal Ravasi



8] A imprensa tem apresentado como um dos principais candidatos à eleição o Cardeal Ravasi, atual Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura. Homem de forte personalidade, hábil no manejo da palavra, seria ele uma das figuras preferidas pelos progressistas. O Cardeal Ravasi elogia Fogazzaro e Scotti, dois expoentes do modernismo condenado por São Pio X. Como “crentes”, enumera em pé de igualdade santos e heresiarcas protestantes: “de são Policarpo a são Basílio, de são Bernardo a são Luis, de Hus a Lutero, a Melanchton”. Altamente reveladoras de seu pensamento, são suas passagens sobre as dores de Nossa Senhora no parto, em que se distancia claramente da teologia católica.



Do direito de resistir a um Papa que esteja fora do bom caminho



9] A possível eleição de um Papa manifestamente progressista traria grande confusão aos fieis. Os sedevacantistas negariam, sem dúvida, sua condição de Sumo Pontífice. A isto se oporiam os que sustentam que o Papa afastado da fé verdadeira só perderá o Pontificado quando esse fato se tornar manifesto para o corpo da Igreja, reconhecido em geral pelos altos hierarcas como pelos simples fieis. Esse princípio é exposto pelo Pe. Laymann (+1635), grande moralista da Companhia de Jesus: “enquanto (o Papa que se afastou da fé católica) for tolerado pela Igreja e publicamente reconhecido como pastor universal, gozará realmente do poder pontifício, de tal modo que todos os seus decretos não terão força e autoridade menores do que teriam se ele fosse verdadeiramente fiel”. Essa posição doutrinária, baseada no dogma de que a Igreja é sociedade visível e perfeita, vale para o Papa verdadeiro que peca contra a fé, como para o que já a tenha perdido antes de sua eleição.



10] De toda forma, lembre-se que “quando o pastor se transforma em lobo, é ao rebanho que, em primeiro lugar, cabe defender-se” (D. Guéranger, +1875). ― Santo Tomás de Aquino (+1274) escreveu: “(...) havendo perigo próximo para a fé, os prelados devem ser arguidos, até mesmo publicamente, pelos súditos; assim, São Paulo, que era súdito de São Pedro, arguiu-o publicamente, em razão de um perigo iminente de escândalo em matéria de Fé”. ― Segundo o grande teólogo dominicano Cardeal Caietano (+1534), “deve-se resistir em face ao Papa que publicamente destrói a Igreja”. ― O eminente doutor jesuíta Francisco Suarez (+1617) ensina: ”Se [o Papa] baixar uma ordem contrária aos bons costumes, não se há de obedecer-lhe; se tentar fazer algo manifestamente oposto à justiça e ao bem comum, será lícito resistir-lhe; se atacar pela força, pela força poderá ser repelido, com a moderação própria à defesa justa”. ― São Roberto Bellarmino: (+1621) “(...) assim como é lícito resistir ao Pontífice que agride o corpo, assim também é lícito resistir ao que agride as almas, ou que perturba a ordem civil, ou, sobretudo, àquele que tentasse destruir a Igreja; digo que é lícito resistir-lhe não fazendo o que ordena e impedindo a execução de sua vontade” (As referências estão em “La Nouvelle Messe de Paul VI: Qu’en Penser?”, que publiquei em 1975, Diff. de la Pensée Fr., Chiré-em-Montreuil, pp. 320-324).



11] Peçamos humilde e insistentemente a Nossa Senhora do Sagrado Coração e a São José, patrono da Igreja universal, que os Eminentíssimos Senhores Cardeais atendam fielmente à voz do divino Espírito Santo.


Por: Arnaldo Xavier da Silveira

O Espírito Santo e o próximo conclave



(Roberto de Mattei) Os olhos do mundo, não só dos católicos, estão voltados neste momento para São Pedro, a fim de saber quem será o novo Vigário de Cristo. A espera que se manifesta antes de cada Conclave é desta vez mais acurada e intensa, pela sucessão de acontecimentos que nos deixam chocados e confusos.

Massimo Franco escreve no “Corriere della Sera” de 27 de fevereiro de 2013 que “dentro da Cidade do Vaticano está se consumando o fim de um modelo de governo e de uma concepção do papado”, e compara a dificuldade que a Igreja atravessa hoje com a fase final da crise do Kremlin soviético. “O declínio do Império vaticano – escreve – acompanha aquele dos EUA e da União Europeia em crise econômica e demográfica. Mostra um modelo de papado e de governo eclesiástico centralizado, desafiado por uma realidade fragmentada e descentralizada”. A crise do império vaticano vem apresentada como uma crise de modelo de papado e de governo eclesiástico inadequado para o mundo do século XXI. A única saída seria a de um processo de “auto-reforma” que salvasse a instituição desnaturando-lhe a essência.

Na realidade, o que está em crise não é o governo “monocrático” conforme com a Tradição da Igreja, mas o sistema de governo nascido das reformas pós-conciliares, que nos últimos 50 anos vêm expropriando o Papado de sua autoridade soberana para redistribuir o poder entre as conferências episcopais e uma onipotente Secretaria de Estado. Mas, sobretudo Bento XVI e seus predecessores, por razões diversas de temperamento, se tornaram vítimas do mito da colegialidade de governo na qual sinceramente acreditaram, renunciando a assumir muitas responsabilidades que teriam podido resolver o problema da aparente ingovernabilidade da Igreja. A atualidade perene do Papado está no carisma que lhe é próprio: o primado de governo sobre a Igreja universal, da qual o magistério infalível é a decisiva expressão.

Bento XVI, dizem alguns, não exerceu com autoridade seu poder de governo, por ser um homem suave e manso, que não tem nem o caráter nem a força física para fazer frente a essa situação de grave ingovernabilidade. O Espírito Santo o iluminou infalivelmente, sugerindo-lhe o supremo sacrifício da renúncia ao pontificado para salvar a Igreja. Porém, não se dá conta de quanto este discurso seculariza e humaniza a figura do Sumo Pontífice. O governo da Igreja não se rege com base no caráter de um homem, mas em sua correspondência à assistência divina do Espírito Santo.

O Papado tem sido ocupado por homens de caráter imperioso e guerreiro como Júlio II, e por temperamento suave e amável como Pio IX. Mas foi o Beato Pio IX, e não Júlio II, a corresponder mais perfeitamente à graça, ascendendo ao cume da santidade própria ao exercício heroico do governo papal. A concepção segundo a qual um Papa fraco e cansado deve renunciar não é sobrenatural, mas naturalista, porque nega a ajuda decisiva ao Pontífice daquele Espírito Santo que impropriamente vem invocado.

O naturalismo se transforma neste ponto no seu oposto: em um fidelismo de impronta pietista, pelo qual a penetração do Espírito Santo absorve a natureza humana e torna-se o fator regenerador da vida da Igreja. Trata-se de heresias antigas que hoje afloram até nos ambientes mais conservadores.

O erro, sempre mais difuso, é aquele de tentar justificar qualquer decisão que seja tomada por um Papa, por um Concílio, por uma Conferência Episcopal, em nome do princípio pelo qual “o Espírito Santo assiste sempre a Igreja”. A Igreja é por certo indefectível porque, graças à assistência do Espírito Santo, o “Espírito da Verdade” (Jo 14, 17), tem a garantia de seu Fundador de perseverar até o fim dos tempos na profissão dessa mesma fé, desses mesmos sacramentos, da mesma sucessão apostólica de governo. Indefectibilidade, todavia, não significa infalibilidade estendida a todos os atos de Magistério e de governo, nem tampouco impecabilidade da suprema hierarquia eclesiástica.

Na história da Igreja, explica Pio XII, “alternam- se vitórias e derrotas, subidas e descidas, heroicas confissões com o sacrifício de bens e da vida, mas também, em alguns de seus membros, queda, traição e divisão. Um testemunho da história é inequivocamente claro: o portae infero non praevalebunt (Mt 16, 18); mas também não falta a outra testemunha, até as portas do inferno tiveram o seu sucesso parcial” (Discurso De coração grande, de 14 de setembro 1956). Malgrado os sucessos parciais e aparentes do inferno, a Igreja não fica abalada nem pelas perseguições, nem pelas heresias ou pelos pecados de seus membros; pelo contrário, obtém nova força e nova vitalidade diante das graves crises que a golpeiam.

Mas se os erros, as quedas, as deserções não devem nos desencorajar, quando ocorrem não podem ser negados. Foi, por exemplo, o Espírito Santo que inspirou a escolha de Clemente V e de seus sucessores de transferir a sede do Papado de Roma para Avignon? Hoje os historiadores católicos concordam em defini- la como uma decisão gravemente errada, que enfraqueceu o Papado no século XIV, abrindo o caminho para o Grande Cisma do Ocidente.

Foi o Espírito Santo que sugeriu a eleição de Alexandre VI, um Papa que teve uma conduta profundamente imoral antes e depois de sua eleição? Nenhum teólogo, mas também nenhum católico, poderia sustentar que os 23 cardeais que elegeram o Papa Bórgia foram iluminados pelo Espírito Santo. E se isso não aconteceu naquela eleição, pode-se imaginar que não aconteça em outras eleições e conclaves, que viram a escolha de Papas fracos, indignos, inadequados para a sua alta missão, sem que de algum modo isso prejudicasse a grandeza do Papado.

A Igreja é grande também porque sobrevive à pequenez dos homens. Pode, portanto, ser eleito um Papa imoral ou inapropriado. Pode acontecer que os cardeais do conclave rejeitem o influxo do Espírito Santo, e que o Espírito Santo, que assiste o Papa no cumprimento de toda a sua missão, seja recusado. Isso não significa que o Espírito Santo é derrotado pelos homens ou pelo demônio. Deus, e só Ele, é capaz de tirar o bem do mal e, portanto, a Providência guia todos os acontecimentos da História. No caso do conclave, explica em seu tratado sobre a Igreja o cardeal Journet, assistência do Espírito Santo significa que ainda que a eleição fosse o resultado de uma má escolha, tem-se a certeza de que o Espírito Santo, que assiste a Igreja transformando em bem até o mal, permite que isso aconteça por fins superiores e misteriosos. Mas o fato de que Deus tire o bem do mal praticado pelos homens, como aconteceu com o primeiro pecado de Adão, que foi a causa da Encarnação do Verbo, não significa que os homens possam fazer o mal sem culpa. E todo pecado deve ser pago, no céu ou na terra.

Cada homem, cada nação, cada assembleia eclesiástica deve corresponder à Graça, que para ser eficaz necessita da cooperação humana. Em face do processo de demolição da Igreja, do qual já falava Paulo VI, não se pode, portanto, permanecer com as mãos cruzadas, em um estado de otimismo pseudo-místico.

Devemos rezar e agir, cada um de acordo com a sua própria possibilidade, para que esta crise tenha fim e a Igreja possa mostrar visivelmente aquela santidade e aquela beleza que jamais perdeu, e que nunca perderá até o fim dos tempos. (Roberto de Mattei)

Por: Roberto de Mattei

Fonte: FONDAZIONE LEPANTO

5/3/2013
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