terça-feira, 26 de março de 2013

O perdão de uma ofensa

HISTORIETAS
Biblioteca do jornal
 Leituras Populares de Lisboa 
Luiza Escudero - 1878




Havia na Havana um riquíssimo colono, o qual perdera sua esposa, ficando só com uma filha chamada Branca, que apenas contava oito anos.

Esta formosa menina tinha tão bom coração, que era sempre, na sua quinta, a consolação de todo aquele que por qualquer motivo experimentava algum infortúnio.

Seu pai amava Branca cegamente, e apesar do seu gênio áspero, muitas vezes, a pedido de sua filha, perdoava, ou pelo menos minorava o castigo dos negros que tinha na sua propriedade.

Havia entre estes um moço chamado Domingos, de caráter sumamente travesso, ao qual seu amo vezes sem conto tinha ameaçado com dar-lhe por suas faltas um castigo tão terrível, que ao recebe-lo ficaria sem vida.

Chegou um dia em que Domingos, desobedecendo aos mandados de seu amo, fez o contrário do que lhe fora determinado.

Apenas o proprietário teve conhecimento da nova desobediência, descarregou furioso o seu castigo sobre o infeliz servo, e mandando amarrá-lo fortemente ordenou que o conduzissem ao sitio, onde estava preparado o tormento que ele havia de padecer.

No momento de leva-lo, ouve Branca os seus soluços, corre espavorecida ao lugar donde partiam, e se encontra com o desditoso Domingos, que ia no mais lastimoso estado.

— Oh menina Branca! exclamou ele assim que a viu, tenha compaixão de mim; peça a meu senhor que me perdoe, que eu lhe prometo e juro que não tornarei a cometer uma falta mais na minha vida. Corra, minha rica menina, senão em pouco tempo deixarei de existir.

Apenas a boa e compassiva menina ouve estas palavras, não corre, voa aonde estava seu pai, talvez já esquecido da sorte do pobre negro; lança-se-lhe a seus pés, e de mãos postas e derramando lágrimas, lhe diz: — Meu pai, pelo amor que tem à sua filha perdoe ao infeliz Domingos, ele está arrependido e jura que não há de tornar a ser desobediente. Perdoe-lhe, meu pai; deixe-me dizer-lhe algumas palavras mais: se a esta sua filha tirassem a vida...

— Meu Deus! disse o pai com espanto.

— Pois bem, Domingos tem pai; que dor não será a sua, vendo morrer seu filho! E só meu pai pode salva-lo!

— Assim é, filha da minha alma, disse o pai comovido, levantando-a do chão e abraçando-a. Vamos a salva-lo, porém talvez já seja tarde.

Correram imediatamente ao lugar onde havia de executar-se a sentença, e com grande alegria sua viram que ainda não tinha padecido a pena, por isso que os encarregados de executar a ordem esperavam ansiosos por saber o que tinha feito aquela boa fada.

O pai de Branca desatou por suas próprias mãos as prisões do pobre negro e disse-lhe: — Toma conta que eu nunca te perdoaria; porém as lágrimas de minha filha chegaram-me até ao coração; e olha bem para o futuro nem ela nem ninguém será capaz de salvar-te.

O negro lançou-se-lhe aos pés e prometeu novamente não ofende-lo mais, jurando que nunca lhe esqueceria que devia a sua vida á formosa menina.

Decorridos alguns meses depois deste sucesso, declarou-se na casa um voraz incêndio. Todos aterrados trataram de salvar-se, e dois negros puderam salvar o amo que estava de cama doente, havia alguns dias.

Vendo-se escapo, o seu primeiro cuidado foi procurar Branca, e não a vendo exclamou com um acento que seria capaz de comover as pedras:

— A minha filha! a minha filha que morre abrasada!

Todos ficaram aterrados ouvindo tal exclamação, quando repentinamente foi visto surgir dente as chamas e atravessar por elas com velocidade o negro Domingos, todo ensanguentado e o rosto mutilado, mas trazendo em seus braços a sua salvadora desmaiada e com algumas queimaduras, porque o negro reconhecido teve bom cuidado de expor a sua vida para salvar a se sua senhora.

O pai correu para a filha cobrindo-a das mais ternas carícias; e todos trabalham afanosos para que ela volva á vida. Recuperada esta, Branca abraçou seu pai ternamente, dizendo-lhe:

— Meu querido pai, se não tivesse dado a vida do filho ao pai de Domingos, não teria meu pai agora podido abraças a sua filha.

— É verdade, minha filha querida, disse o pai; e chamando Domingos e seu pai, falou-lhes assim: — Eu vos devo mais que a vida; o que posso é fazer-vos livres, como ficais desde este momento. Se quiserdes, vivereis sempre em nossa companhia porém em completa liberdade; e eu cuidarei porque nada vos falta para serdes felizes; entretanto todos tenham presente que


O que perdoa uma ofensa
Dá prazer ao coração;
E quando menos o pensa
Encontra uma recompensa
Quem a outro deu perdão.
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