DESTAQUE
A pastoral familiar, neste âmbito, deve evitar o risco de “fechar-se
numa perspectiva legalista”.
Também é significativa a alusão à tendência, que parece prevalecer
na Europa e em alguns países
da América Latina, de resolver as
questões encomendando-se a algum sacerdote condescendente. O autor destas
linhas pôde constatar, entre “casais irregulares” segundo a doutrina canônica e
entre sacerdotes ou bispos, quão frequentes são estas soluções “ad personam”,
inclusive entre quem se apresenta como inflexível, mas depois está disposto a
fazer notáveis exceções no confessionário. Mostra-se fundamental, com respeito
aos divorciados recasados, a necessidade de agilizar os processos para chegar à
nulidade matrimonial, seguindo a linha indicada por Bento XVI, mas sem alimentar a
ideia de que existe um “divórcio à moda católica”.
É preciso distinguir, lê-se no texto, entre as pessoas que “fizeram uma
escolha pessoal, muitas vezes sofrida, e que vivem com delicadeza para não dar
escândalo a outros”, e as pessoas que têm “um comportamento de promoção e
publicidade ativa, habitualmente agressivo”.
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Sínodo sobre a família - um documento que reflete
sobre a realidade
Depois de ler o Instrumentumlaboris (o
texto que servirá de base para o trabalho do próximo Sínodo sobre a Família), a impressão mais forte que se
tem é que não tem a ver com este ou aquele detalhe, com este ou aquele aspecto,
com este ou aquele problema (como os sacramentos para os divorciados
que contraíram novas núpcias ou a atitude que é preciso ter e,
relação às uniões entre pessoas do mesmo sexo). É, antes de mais nada, uma
visão de conjunto. Desta vez, o texto-base para o
trabalho dos padres sinodais representa uma fotografia real das vivências dos
fiéis, assim como da percepção que os fiéis têm das mudanças que suas
respectivas sociedades sofreram em relação a temas relacionados com a
sexualidade, o casamento e a vida familiar.
A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada no sítio VaticanInsider, 26-06-2014. A tradução é de André Langer.
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Fonte: http://bit.ly/1pHFqQg |
Tranquilizando a
todos os que se preocupavam e temiam que com o questionário de 39 perguntas os
ensinamentos da Igreja fossem submetidos a uma espécie de plebiscito, o
documento apresenta-se muito equilibrado em suas três partes. Destaca-se, por exemplo, a dificuldade na hora de
apresentar a lei natural e seus fundamentos, posto que a expressão “lei
natural” é “problemática” ou “inclusive incompreensível”. Também é evidente que
o que estabelece a lei civil, em muitos contextos, converte-se cada vez mais na
mentalidade dominante e inclusive “moralmente aceitável”. A grande questão do
sínodo será, pois, refletir sobre a forma de anunciar o Evangelho e os
ensinamentos da Igreja nestes novos contextos.
É interessante a
insistência sobre o risco de esquecer que “a família é a ‘célula fundamental da
sociedade, o lugar onde se aprende a conviver na diferença e a pertencer a
outros’”. Daí a necessidade de propor “uma visão aberta de família, fonte de
capital social, ou seja, de virtudes essenciais para a vida comum”. Também se
destaca o “ponto chave” para a promoção da família, ou seja, o testemunho da
beleza e da alegria “que dá acolher o anúncio evangélico no matrimônio e na
vida familiar”. Atitude que evidentemente contrasta tanto com as atitudes
daqueles que passam seus dias condenando, lançando anátemas e fazendo exames de
consciência de todo o mundo, assim como com o laxismo daqueles que acabam
achando que tudo é lícito.
O documento
assinala a “percepção equivocada e moralista” daqueles que consideram “o ideal
da família” como uma “meta inatingível e frustrante, em vez de ser considerado
como uma indicação de um caminho possível, por meio do qual aprender a viver a
própria vocação e missão”.
Também é muito interessante a análise
do documento sobre as “situações críticas”: a violência e o abuso, as
“dependências dos meios de comunicação e das redes sociais” que monopolizam o
tempo das relações familiares, as pressões exercidas pelos horários e pelos
ritmos de trabalho, os fenômenos migratórios, a pobreza, o consumismo e a
mentalidade do “filho a qualquer custo”. É significativo que se cite a “perda
de credibilidade moral” da Igreja na percepção dos habitantes da América do Norte e do norte da Europa devido aos escândalos sexuais e, particularmente,
à pederastia clerical.
Um dos grandes problemas é acolher e
acompanhar as pessoas que vivem em situações familiares difíceis ou
irregulares. O terceiro capítulo,
dedicado às “situações pastorais difíceis”, ocupa-se dos temas das “situações
matrimoniais difíceis”. “A verdadeira urgência pastoral – lê-se no Instrumentumlaboris –
é permitir a estas pessoas que curem suas feridas, voltem a ser pessoas
saudáveis e retomem o caminho junto com toda a comunidade eclesial. A
misericórdia de Deus não provê uma cobertura temporal do nosso mal; pelo
contrário, abre radicalmente a vida à reconciliação, dando-lhe nova confiança e
serenidade, mediante uma autêntica renovação”.A pastoral familiar, neste âmbito, deve evitar o risco de “fechar-se
numa perspectiva legalista”.
Quanto às convivências, o documento indica, entre
as razões que levam os jovens a viver juntos sem se casar, “políticas
familiares inadequadas para sustentar a família; problemas financeiros; o
desemprego juvenil; a falta de moradia”. Além disso, o documento indica que é
fundamental ajudar os jovens a sair de uma “visão romântica de amor, percebido
apenas como um sentimento intenso para o outro, e não como uma resposta pessoal
a outra pessoa, no âmbito de um projeto de vida comum, no qual se abre um
grande mistério e uma grande promessa”.
Quanto às situações de “irregularidade canônica”, o Instrumentumlaboris reconhece
que é bastante “alto o número daqueles que consideram sem preocupação sua
situação irregular” e, portanto, não pedem para serem admitidos à eucaristia
nem à reconciliação. Mas também há um sofrimento profundo por parte de “muitos”
que se sentem marginalizados e frustrados por não poder fazer a comunhão devido
a uma situação familiar particular. É preciso notar que foram as Conferências Episcopais que
pediram para exercer “uma misericórdia, clemência e indulgência mais amplas em
relação às novas uniões”. É preciso acompanhar as pessoas, os casais, “com
compreensão e paciência”, explicando que “o fato de não poderem aceder aos
sacramentos não significa que são excluídos da vida cristã e da relação com
Deus”.
Também é significativa a alusão à
tendência, que parece prevalecer na Europa e
em alguns países da América Latina,
de resolver as questões encomendando-se a algum sacerdote condescendente. O
autor destas linhas pôde constatar, entre “casais irregulares” segundo a
doutrina canônica e entre sacerdotes ou bispos, quão frequentes são estas
soluções “ad personam”, inclusive entre quem se apresenta como inflexível, mas
depois está disposto a fazer notáveis exceções no confessionário. Mostra-se
fundamental, com respeito aos divorciados recasados, a necessidade de agilizar
os processos para chegar à nulidade matrimonial, seguindo a linha indicada
por Bento XVI, mas sem alimentar a
ideia de que existe um “divórcio à moda católica”.
A este respeito,
todos concordam com o fato de que a preparação catequética para o matrimônio é
substancialmente inadequada para o objetivo. A falta de uma fé vivida coloca em
dúvida a validade de muitos casamentos.
Também é
particularmente significativo o enfoque sobre o delicado tema das uniões entre
pessoas do mesmo sexo e as leis que as reconhecem. O documento para o sínodo
explica que as duas atitudes contrárias (a mais intransigente e a
condescendente) não ajudam no desenvolvimento de uma “pastoral eficaz”. É preciso distinguir, lê-se no texto, entre as
pessoas que “fizeram uma escolha pessoal, muitas vezes sofrida, e que vivem com
delicadeza para não dar escândalo a outros”, e as pessoas que têm “um
comportamento de promoção e publicidade ativa, habitualmente agressivo”.
Assinala-se a necessidade de “não identificar uma pessoa com expressões como
‘gay’, ‘lésbica’ ou ‘homossexual’”. O documento faz notar que não existe “um
consenso” na Igreja sobre como acolher concretamente as pessoas que vivem
uniões com outras pessoas do mesmo sexo. Também há um parágrafo dedicado à
acolhida das crianças de casais do mesmo sexo, que não devem sofrer nenhuma
discriminação no âmbito do batismo nem na preparação à iniciação cristã, embora
seja “unânime” o consenso diante da negação para a adoção por parte destes
casais.
Para concluir, é preciso notar, na
parte dedicada à recepção e à atualidade da Encíclica Humanae Vitae,
que é muito difundida entre os fiéis a percepção de que o aborto é um “pecado
grave”, mas também a percepção de que a regulação da natalidade mediante a
utilização de anticoncepcionais não é pecado.
Trata-se, pois, de
um documento no qual aparece claramente a marca do novo Pontificado e que,
talvez, pela primeira vez, oferece uma síntese da situação real das vivências
nas paróquias dos cinco continentes, fruto de um trabalho capilar e colegial.
Uma fotografia da realidade, inclusive da realidade do fracasso ou da objetiva
dificuldade na hora de transmitir o anúncio da fé e seus conteúdos, muito útil
para o trabalho dos padres sinodais. Ninguém pode antecipar o que acontecerá em
outubro, quando os membros do próximo sínodo se reunirem no Vaticano.
Encontramo-nos no começo de uma “profunda reflexão” sobre a família, que
terminará somente em outubro de 2015, com o segundo sínodo dedicado a este
tema.
Fonte: Unisinos
Fonte: Unisinos