sexta-feira, 26 de julho de 2013

‘Enquanto Ratzinger viver, não é bom que Francisco me receba em Roma’, diz Leonardo Boff


Fonte: UOL
Francho Barón
No Rio de Janeiro

 
O teólogo da Libertação Leonardo Boff discursa na Cúpula
dos Povos, um dos maiores eventos paralelos da Rio+20, em 2012


Genézio Darci Boff, ou Leonardo Boff (nascido em Santa Catarina em 1938), irrompe na sala com ares de druida travesso, o sorriso travesso e as mãos que descrevem elipses no ar, como quem tenta pegar o vazio.
Boff, teólogo da Libertação, foi condenado ao ostracismo por Joseph Ratzinger em 1985, depois da publicação de seu livro "Igreja, Carisma e Poder", um torpedo contra o "establishment" do Vaticano nos últimos dois papados. Ele volta à cena para anunciar a chegada da igreja do terceiro milênio, liderada por Francisco. Segundo Boff, uma instituição "com cheiro de ovelhas, e não flores de altar".


El País: O que o mundo pode esperar do papa Francisco?

Leonardo Boff: Vem um papa cujo nome, Francisco, não é um nome, mas um projeto de igreja. Uma igreja pobre, humilde, despojada do poder, que dialoga com o povo. Temos muita esperança de que ele inaugure a igreja do terceiro milênio. Também creio que se criará uma dinastia de papas do Terceiro Mundo.


El País: O senhor foi uma grande voz dissidente na Igreja Católica e um dos mais críticos com os dois papas anteriores. O que o faz ser tão otimista quando fala do novo pontífice?

Boff: Creio que é muito corajoso. Situou-se ao lado dos pobres e contra a injustiça. Temos uma igreja que tem hábitos palacianos e principescos. Este papa mandou sinais de que quer outro estilo de igreja, dos pobres para os pobres, e essa é a grande herança da Teologia da Libertação. Vai pôr em xeque os hábitos tradicionais de cardeais e bispos.


El País: A igreja brasileira sofre uma sangria de fiéis há anos. O senhor pensa que a chegada de Francisco ao Brasil poderá ser crucial para reverter essa tendência?

Boff: Certamente, muitos protestantes vão participar dos atos desta Jornada Mundial da Juventude. Por outro lado, não considero uma desgraça que haja muitas igrejas cristãs. Em grande parte é culpa da Igreja Católica, porque, de fato, para o número de católicos que temos no Brasil, deveríamos ter 120 mil sacerdotes e temos somente 17 mil. Em nível institucional, a igreja fracassou.


El País: O senhor considera a possibilidade de voltar à Igreja Católica com este novo papa?

Boff: Sempre me considerei um teólogo católico que nunca abandonou a igreja. Sempre disse que mudei de trincheira, mas não de batalha. Portanto, meu trabalho eclesiástico continua, mas com uma diferença: casei-me. Se o papa acabasse com o celibato obrigatório, voltaria ao caminho comum da igreja.


El País: O senhor acredita que Bergoglio poderia abolir o celibato obrigatório?

Boff: Creio que existe essa possibilidade, porque Francisco traz a experiência do Terceiro Mundo, onde o celibato nunca foi uma virtude especial. Vejo que pode dar dois passos: primeiro, reconhecer que há 100 mil sacerdotes casados na igreja e permitir que voltem a seu trabalho. Segundo, que se institua o celibato opcional. Todas as igrejas já fizeram isso e a única que resiste é a católica. E com isso se causa muito dano.


El País: O senhor pretende se encontrar com Bergoglio?

Boff: Não quero forçar essa situação. Ele já disse que gostaria de me receber em Roma, mas antes tem que reformar a Cúria. E, enquanto Bento 16 viver, não seria bom para Francisco que eu, que tive um confronto doutrinário com ele [Ratzinger], seja recebido em Roma. Mas ele está aberto a me receber, inclusive trocamos correspondência.


El País: Esse encontro poderia ocorrer no Brasil, aproveitando a viagem do papa?

Boff: Eu gostaria disso. Escrevi um livro intitulado "Francisco de Assis, Francisco de Roma", e gostaria de entregá-lo a ele pessoalmente. Mas, como lhe disse, não quero forçar uma situação que poderia ser mal interpretada pela imprensa e criar um problema pessoal para o papa. A velha Cúria poderia interpretar como algo estranho, quase ofensivo.


El País: O senhor pensa que a Teologia da Libertação pode viver um novo apogeu a partir de agora?

Boff: Creio que sim. A Teologia da Libertação nasceu como uma tentativa de escutar o grito do oprimido. A maneira de atuar do novo papa favorece essa doutrina. E seria melhor que nem a mencionasse, porque poderia criar polêmica.


El País: Como o senhor vê o futuro do catolicismo na América Latina?


Boff: Creio que o futuro da América Latina não será um futuro de cristianismo. Será uma religião nova, na qual haverá muitos elementos cristãos, especialmente os santos, a missa, os ritos como o batismo, a eucaristia e o matrimônio, mas também com elementos da tradição indígena e das religiões afro-americanas.

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