quarta-feira, 7 de agosto de 2013

People’s Pope, uma reprimenda



“Quando as palavras do Papa equivalem às de um homem comum, todas as críticas se tornam lícitas... Um caminho que “leva à protestantização da Igreja. Eis o risco que vejo”, diz De Mattei.

“O machado cai sobre o pequeno, sobre os mais fracos, sobre os fiéis à tradição. Se Francisco quer inclinar-se para os mais fracos, não precisa ir muito longe, basta se voltar para as muitas comunidades de fiéis que permanecem tenazmente ligadas ao Magistério e à moral perene. Sim, para os que são ultrajados, isolados e perseguidos ​​pelos respectivos bispos, ou pelos dicastérios da Cúria. Procurar o mais distante esquecendo o mais próximo, eis um falso conceito de amor”. De Mattei explica que não está em discussão o fato de o Pontífice se dirigir à periferia, aos mais distantes. Acima de tudo, o que importa é que “o caminho para chegar aos mais distantes passa pelos mais próximos, e não há  atalhos possíveis. E esses próximos hoje são os católicos ligados à tradição. Se há alguém precisando de misericórdia e ternura (palavras usadas por Francisco no Rio), é o caso destes”.


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Tradução: Raphael de la Trinité

O historiador de Mattei põe os pingos nos is e acusa ‘a forma de atuar’ de Francisco





Sapatos vermelhos, maleta preta com barbeador e breviário, sem carro blindado... “Estamos agora reduzidos à condição de avaliar um Papa a partir desses elementos, ou seja, a partir de um discurso no avião, e não pelos atos de ensino” — diz o historiador Roberto de Mattei, preocupado com o fato de que o Papa se vai tornando uma estampa, um talk-show. “Hoje tudo é superficial, gestos, e é neste campo que se costuma procurar o sentido último das coisas, perdendo-se o conteúdo e a substância; discute-se a forma, que passa a ocupar o lugar da substância”, acrescenta. “Basta fazer uma comparação com a importância dada à Lumen Fidei, sua primeira encíclica: paradoxalmente, destaca-se mais o que é dito no avião do que o conteúdo desse texto. Isso como se, em entre os dois, não houvesse um abismo de distância [em matéria de grau de ensinamento]”.

De Mattei não se impressiona com a entrevista de Francisco com jornalistas a bordo do airbus que o trouxe a Roma, após a semana agitada no Rio com jovens, pobres e mais desvalidos. Mais do que uma conferência de imprensa em voo, “o que importa [no modo hodierno de ver as coisas] é discutir os atos de governo do Papa, ainda que em pequeno número, até o momento. Os Pontífices se exprimem com as encíclicas e com aquilo que se chama de motu proprio. As palavras no avião são espontâneas, opiniões improvisadas e pessoais, completamente desprovidas do atributo de magistério”. Acrescenta De Mattei: embora “úteis para montar o perfil da personagem”, “serão sempre aspectos colaterais”.

Se tomarmos, por exemplo, as declarações sobre os gays, ou as afirmações referentes a Nossa Senhora, retratada pelo Papa como “sendo mais importante do que os apóstolos, os bispos, os sacerdotes e os diáconos” —  observa De Mattei — “ [devemos considerar que se trata de] temas delicados e importantes, que só podem ser abordados num contexto de ensino, e jamais mediante um dito espirituoso. Os ditos espirituosos têm o seu papel, mas não gozam de valor intrínseco. As frases improvisadas, sendo de natureza espontânea, facilmente podem criar mal-entendidos, que mais facilmente seriam sanáveis quando pronunciadas uma pessoa qualquer. Quando, porém, saem da boca do Vigário de Cristo, tornam-se problemáticas”.

Prossegue: “Lendo, por exemplo, alguns comentários sobre o comentário de Bergoglio acerca dos gays (como, por exemplo, a análise do filósofo católico Giovanni Reale, publicada por Corriere della Sera nesta terça-feira), tem-se a impressão de que estaríamos diante de uma mudança doutrinária. Já em face do conjunto das afirmações de Bergoglio, cessa essa impressão desfavorável, qual seja, de estarem em desacordo com a doutrina católica”. Trata-se de perceber onde está colocada a ênfase. Ora, nesse jesuíta vindo quase do fim do mundo, o destaque se acha na ideia de mudança: “A mudança de estilo, uma revolução nos gestos e na fala”, que para De Mattei termina por “tornar-se mais profunda do que o plano doutrinário”.

A forma exprime um conteúdo, ou, pelo menos, é como presumimos que deva ser. Quando o conteúdo é esvaziado, subtraído ou deturpado, então é que surge o problema. Nesse caso, discute-se uma forma sem conteúdo. Prescindindo-se da dimensão sagrada do Papado — prossegue o historiador do Cristianismo —, o sapato vermelho, por exemplo, poderia ser visto como “uma extravagância”.

Também os meios de comunicação têm a sua parcela de culpa.

Palavras de De Mattei: “Sou indiferente ao fato de o Papa fazer uso de um Fiat 500 ou de um automóvel Mercedes. Se me encontrasse em presença de São Pio X, talvez preferisse vê-lo com uma vestimenta mais simples”. A questão é outra: “a redução da posição do Papa a puros gestos”, sem que se atribua verdadeiro valor à substância — esse o ponto central. Contudo, diz Roberto de Mattei, “Francisco não é nenhum espírito parvo ou ingênuo. Pensa naquilo que faz e deliberadamente escolheu valorizar mais os seus gestos do que os termos do discurso, fazendo a sua mensagem consistir mais no primeiro do que no segundo ponto, assim como mais nas palavras do que nos atos pessoais do Magistério”. Em face disso, De Mattei exprime o receio de que, no plano midiático, o Papa “esteja brincando com fogo, ao nutrir a ilusão de que seria capaz de exercer domínio sobre a esfera da mídia. Também para este efeito ninguém o terá em conta de ingênuo. Contudo, não é de excluir que o bispo de Roma supervalorize a sua habilidade política no manejo dos meios de comunicação”. Ora, no mundo de hoje, “impõe-se mais a necessidade de espírito sobrenatural do que de cálculos políticos ou de recurso aos meios de comunicação. Temo que — continua o nosso interlocutor —, à força de se apresentar como homem comum, realmente venha a tornar-se um. Não obstante, trata-se do Vigário de Cristo, questão central,  que jamais poderá ser posta em segunda plana. O uso dos sapatos vermelhos e da sedia gestatoria tinham o condão de exprimir — de uma forma que não destoava da realidade — o caráter sacral de que se acha aureolada a sua condição de Vigário de Cristo”, diz De Mattei.

Em contrapartida, se o Papa “andasse de clergyman, como o Cardeal Bergoglio costumava fazer em Buenos Aires, que mensagem seria transmissível aos fiéis?”. O ponto fundamental, que deve ser posto no realce devido, reside no fato de que o Papa “não é um homem como nós, sendo que essa humanização do papado conduz ao esquecimento da fundamentação divina e metafísica da dignidade pontifícia”.

Para o historiador do Cristianismo, a consequência desse processo de secularização é a eliminação da ótica que estabelece distinções entre ensinamento do magistério e ensinamento corrente: “Quando as palavras do Papa equivalem às de um homem comum, todas as críticas se tornam lícitas. Quando a verdade é reduzida a uma opinião, quando se esvai o sentido profundo, quando não se fala mais de valores não negociáveis​​, tudo se torna negociável, tudo se torna suscetível à discussão”. Um caminho que “leva à protestantização da Igreja. Eis o risco que vejo”, diz De Mattei.

No tocante à questão da Igreja pobre, próxima dos mais fracos, veículo de ação privilegiada junto aos elementos periféricos da sociedade, o nosso interlocutor demonstra algumas perplexidades: “Causou-me impacto muito desfavorável o seguinte: como se explica que um Papa que busca inspiração em São Francisco de Assis como modelo de vida, formulando ademais constantes censuras ao mundanismo, mediante gestos em favor da sobriedade, tenha podido aprovar a decisão da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada, presidida pelo cardeal brasileiro João Braz de Aviz, de desferir um golpe nos Franciscanos da Imaculada?” Se há uma Congregação religiosa que vive do espírito do Evangelho é justamente essa, diz De Mattei.

“Há, por outro lado, visível descompasso (algo que desconcerta), quando consideramos que, enquanto se fazem referências contínuas à simplicidade do Evangelho, a Cúria se mantém inalterada com suas estruturas. O machado cai sobre o pequeno, sobre os mais fracos, sobre os fiéis à tradição. Se Francisco quer inclinar-se para os mais fracos, não precisa ir muito longe, basta se voltar para as muitas comunidades de fiéis que permanecem tenazmente ligadas ao Magistério e à moral perene. Sim, para os que são ultrajados, isolados e perseguidos ​​pelos respectivos bispos, ou pelos dicastérios da Cúria. Procurar o mais distante esquecendo o mais próximo, eis um falso conceito de amor”. De Mattei explica que não está em discussão o fato de o Pontífice se dirigir à periferia, aos mais distantes. Acima de tudo, o que importa é que “o caminho para chegar aos mais distantes passa pelos mais próximos, e não há atalhos possíveis. E esses próximos hoje são os católicos ligados à tradição. Se há alguém precisando de misericórdia e ternura (palavras usadas por Francisco no Rio), é o caso destes”.

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