Apontamentos sobre os sentimentos de
apreensão após o conclave de 2013
Por Hermes Rodrigues Nery
Extratos do artigo
Fonte: Fratres in Unum
Fonte: Fratres in Unum
Explica o
Prof. Roberto de Mattei que “o termo ‘modernismo’ aparece oficialmente pela
primeira vez na encíclica Pascendi, de São Pio X, reconduzindo a um mesmo
movimento um complexo de erros em todos os domínios da doutrina católica
(Sagrada Escritura, teologia, filosofia, culto). As raízes e as razões deste
movimento residem na tentativa de estabelecer um ‘diálogo’ entre a Igreja e o
processo de secularização que se seguiu à Revolução Francesa.” (7) A Igreja
resistiu, em altos graus de heroicidade, tendo os Papas como baluartes
seguros na defesa da sã doutrina. “No século XIX , Pio IX tinha posto travão a
este processo revolucionário em três momentos solenes do seu pontificado: a
definição do dogma da Imaculada Conceição (1854); a condenação dos erros modernos
com a encíclica Quanta
Cura e com o Syllabus (1864);
a proclamação dos dogmas do primado de jurisdição e da infalibilidade do Romano
Pontífice, no Concílio Vaticano I (1870). Qualquer destes atos constituiu um
bastião teológico que dificultou ataques frontais. A ‘reforma’ da Igreja, que
fora o objetivo das principais correntes heterodoxas dos séculos XVIII e XIX,
teria de seguir por outros caminhos”. (8)
Foi preciso
então inocular o germe da revolução por dentro da instituição.
Em 1907,
Ernesto Buonaiuti apresentou o seu “Programa dos Modernistas”, desejoso que o
método histórico se tornasse “o verdadeiro locus theologicus da Revolução
cristã”. (9) Mas foi o jesuíta George Tyrrel quem identificou ”a Revelação com
a experiência vital (religious
experience) que tem lugar na consciência do homem, razão pela qual
deve ser a lex orandi a
ditar as normas da lex
credendi, e não o contrário”. (10) Maurice Blondel propôs “uma nova
forma de apologética, através do método da imanência, que permitiria acolher a
Revelação a partir das exigências do espírito do homem. A apologética de Blondel que pretendia
evitar o ‘intelectualismo’, assentava numa religião do coração com um pano de
fundo subjetivista e imanentista”. (11) São Pio X condenou “o princípio de
imanência que constituía o núcleo do modernismo”, (12) a partir do
qual veio depois o relativismo. Daí, emergiram correntes de
pensamento no seio da Igreja que irão agudizar-se ao longo do século XX,
especialmente no Vaticano II: dos que vivem a fé no Cristo Ressuscitado, com
verdadeiro assentimento, e dos que assumiram o caminho da hesitação.
O modernismo
infiltrou-se através de vários movimentos (o ‘movimento bíblico’, o “movimento
litúrgico”, o “movimento filosófico-teológico” – de modo especial a nouvelle théologie– , o
“movimento ecumênico” e outros. Pouco a pouco, os que assumiram o caminho da
hesitação foram voltando as costas para as advertências e apelos de São Pio X,
ávidos de agradar ao mundo, no afã do aggiornamento,
que será a palavra de ordem do Vaticano II. São Pio X havia feito o diagnóstico
preciso dos erros da época e apresentado soluções. Mas os hesitantes entenderam
logo que crer na Verdade revelada significa lutar por ela, e num mundo com
atrativos mais sedutores, em decorrência dos avanços tecnológicos, era melhor
“uma ‘reinterpretação’ da doutrina e da estrutura da Igreja, com o objetivo de
a adaptar ao espírito moderno”. (13) Das ordens religiosas mais abertas a esta
adaptação, destacaram-se os franciscanos, os dominicanos e os jesuítas. Não por
acaso são as que hoje, passados 50 anos do evento conciliar, estão mais
desmanteladas. Leão XIII,
ainda no século XIX, já havia traçado “as linhas do processo revolucionário
que, tendo-se iniciado no protestantismo e passado pela Revolução Francesa,
desembocava no comunismo” (14),
doutrina esta que, em maior ou menor extensão, foi adotada por quase todas as
ordens religiosas no pós-concílio.
Outra
estratégia dos modernistas foi a da dissimulação, conforme observou Jean
Rivière: “saber dissimular as próprias armas é um dos princípios essenciais da
guerra moderna. Foi também uma das características distintivas do movimento
modernista associar o ataque direto aos dogmas com a mais extrema variedade de
subterfúgios”. (15) Com a resistência dos Papas, já ao tempo de [São] Pio
X, Ernesto Buonaiuti concluiu que “até hoje pretendeu-se reformar Roma
sem Roma, ou talvez até contra Roma. Ora, é necessário reformar Roma com Roma:
fazer com que a reforma passe pelas mãos daqueles que tem de ser reformados. É
este o método verdadeiro e infalível; mas é difícil. Hic opus, hic labor“. (16) De
Mattei ressalta então que “o modernismo propunha-se, pois, transformar o
catolicismo a partir de dentro, deixando intacto, nos limites do possível, o
invólucro exterior da Igreja”. (17) E destaca ainda o propósito
de Buonaiuti: “O culto exterior permanacerá para sempre, tal como a
herarquia, mas a Igreja, enquanto mestra dos sacramentos e da respectiva ordem,
modificará a hierarquia e o culto de acordo com os tempos: aquela tornar-se-á
mais simples, mais liberal, e este tornar-se-á mais espiritual. Por esta via, a
Igreja transformar-se-á num protestantismo, mas será um protestantismo ortodoxo
e gradual, e já não um protestantismo violento, agressivo, revolucionário,
insubordinado; será um protestantismo que não destruirá a continuidade
apostólica do ministério eclesiástico, nem a própria essência do culto”. (18) O
jesuíta George Tyrrel vai mais longe: “Roma não pode ser destruída num dia, tem
de se dissolver em pó e cinzas de forma gradual e inofensiva. Teremos então uma
nova religião e um novo decálogo”. (19) Outro ponto estratégico: “a reforma
‘terá de ser dos ritos, e não abertamente dos dogmas’”. (20) O alvo principal é
atingir a realeza de Cristo, feito isto, o resto fica tudo pulverizado. Para
São Pio X a autêntica reforma “tinha a sua base na preservação e transmissão da
verdade católica” (21), mas os hesitantes optaram pelo relativismo.
Com tudo
isso, é de ficarmos apreensivos quando Bergoglio, jesuíta e latino-americano,
se apresenta exclusivamente como bispo de Roma e, de cara, desfere golpes
contra a sacralidade do papado, fazendo questão de evidenciar o seu
distanciamento de seu precedessor — ainda vivo e exilado em
Castel Gandfolfo!
Atordoados com tudo isso, orantes e vigiliantes, tentamos entender o que está acontecendo. E os sentimentos são de prudência e apreensão. De Fé na promessa de Nosso Senhor, que dá legitimidade ao ministério petrino. Por que temos agora duas “Suas Santidades”? Por que os Cardeais escolheram justamente o oponente de Ratzinger do conclave de 2005? Por que o raio na Basílica de São Pedro no dia da renúncia de Bento XVI? Por que o penitente peregrino descalso na tarde fria e chuvosa de 13 de março, na praça de São Pedro? Por que a gaivota na chaminé? A gaivota que atacou a pomba antes da renúncia de Bento XVI?
Hermes Rodrigues
Nery é coordenador da Comissão Diocesana em Defesa da Vida e do
Movimento Legislação e Vida, da Diocese de Taubaté. Especialista em Bioética, é
pós-graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. E-mail: hrneryprovida@gmail.com
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