MAC MARGOLIS
Há poucas décadas, ser tirano era
mais simples. Bastava usar farda ou cercar-se de urutus. Ninguém se preocupava
com a voz das urnas, Parlamentos ou juízes com cabeça própria. Se a imprensa
insistia, era só parar a gráfica. Mas o mundo girou. Os autoritários usam
guayaberas, ternos finos ou, em Buenos Aires, salto Christian Louboutin. Adoram
as eleições, desde que ganhem, resultado quase garantido pelas regras oficiais.
Gostam tanto da ordem constitucional que mandam reeditar as Constituições
sempre que podem.
No entanto, o que mais distingue o
autoritário de hoje do modelo antigo é sua relação com a mídia. Com audiência
globalizada e informação que voa à velocidade da internet, não condiz aos
palacianos atuais agirem de forma bruta. Com um olho nas pesquisas, aprenderam
a aveludar a mordaça.
Calar a crítica com discurso
democrático virou prática padrão em diversos países das Américas. Faz parte da
pauta das "ditaduras do século 21", nas palavras do cientista
político equatoriano Osvaldo Hurtado - paródia evidente ao socialismo do século
21 de Hugo Chávez, ideário da revolução bolivariana.
Muitas chagas do subdesenvolvimento
assolam a América Latina contemporânea. No quesito controle da mídia, os
latinos não devem a ninguém. Caso a caso, os abusos parecem até desvios
eventuais de uma região onde a democracia ainda está em transição. No seu
conjunto, representam uma aberração continental, como ficou evidente na semana
passada, na reunião anual da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).
O destaque foi para as nações
bolivarianas e simpatizantes, onde os governos partem para cima da mídia com
golpes estudados. No Equador, na Bolívia e na Venezuela, o artifício é a lei
Robin Hood. Apropriar-se das concessões de rádio e TV dos meios privados para
redistribuí-las à mídia estatal e da "comunidade", entes confiáveis,
sempre dispostos a divulgar a boa-nova do mandatário.
No Equador de Rafael Correa, a
imprensa independente, antes majoritária, encolheu para um terço do mercado. Na
Bolívia, Evo Morales quer mais: reduzir a mídia opositora a 10% ou 20% do total
das emissoras do país. Outros governos partem para a guerra econômica. Na
Venezuela, Nicolás Maduro simplesmente negou à imprensa acesso aos dólares que
precisa para importar papel, tinta e equipamentos para rodar os jornais.
Na Argentina, Cristina Kirchner,
possessa com a crítica, mandou fechar a torneira da publicidade oficial para La
Nación, Clarín e outras empresas editoriais inconvenientes. A meta atingiu 17
jornais em Buenos Aires que já perderam 75% da sua receita de propaganda
oficial desde janeiro.
Daniel Ortega, líder da Nicarágua, é
mais contundente. Proibiu seu ministério de conceder entrevistas à imprensa
privada ao mesmo tempo em que varreu o mercado de concessões. Dos nove canais
de TV aberta, oito pertencem à mídia companheira. Na calada do dia, resta a
dúvida. Por que os líderes emergentes de uma região em franca ascensão política
e econômica fazem vista grossa aos ataques contra a liberdade de imprensa?
Para alguns analistas, a desunião
política da região esvaziou os compromissos regionais. O Mercosul virou um
clube político com agenda bolivariana. A OEA perdeu-se no ranço antigo entre
Washington e o restante. Foi-se o tão celebrado espírito da união que, em 2001,
pariu a Carta Democrática Interamericana, pacto fundado na convicção de que uma
ameaça às liberdades de um país é um atentado contra todos. Agora, no lugar de
princípios, prevalecem os interesses.
Não ajuda que os EUA, defensores
históricos da democracia, tenham se calado. Constrangido por flagrantes de
espionagem e distraído com conflitos distantes, Washington desperdiçou seu
capital moral nas Américas. Melhor para o autoritarismo do século 21.
É COLUNISTA DO 'ESTADO',
CORRESPONDENTE DA REVISTA 'NEWSWEEK'
E EDITA O SITE
WWW.BRAZILINFOCUS.COM
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