terça-feira, 7 de maio de 2013

A eficácia da oração em estado de pecado mortal






Nota do Blog: Texto inteiramente reformulado


 Raphael de la Trinité













"São quatro as condições para que, presentes, alguém sempre consiga o que pede: a saber, (1) que peça para si mesmo (2) coisas necessárias à salvação, (3) piedosamente, e (4) com perseverança". (S. Th., II-II, q. 83, a. 15, ad 2).


O bem não exclui a possibilidade do mal. Isso porque o mal não tem existência própria, sendo apenas a ausência ou falta do bem. Não existem duas "forças" ou "energias" contrárias — algo à maneira de um Deus do bem e um deus do mal —, como se fossem duas potências que coexistem e se atacam mutuamente. Nada disso corresponde à verdade. 


Existe um só Deus, Criador do Céu e da Terra, e Três Pessoas distintas: Pai, Filho e Espírito Santo.


Devemos entender a perfeição como o Sumo Bem, ou seja, Deus, o único bem que é pleno, e, portanto, onde não há margem para nenhuma possibilidade de mal. Tudo o que é criado, por mais que seja bom (tudo o que foi criado pelo Sumo Bem, obrigatoriamente, será bom), não é perfeito, pois a própria necessidade de ter sido criado para existir exclui a possibilidade de perfeição.

Noutras palavras, toda criatura, tendo sido criada por Deus, que é o Sumo Bem, é, de per se, boa. Contudo, nada do que é criado pode ser perfeito, por ser efeito de uma criação. E, por não ser perfeito, dá margem para a possibilidade do mal.

O ser humano é bom por natureza, mas esse "bom" não se refere à impossibilidade de praticar o mal; refere-se, ao invés, à dignidade com a qual Deus revestiu o homem, por lhe ter conferido a faculdade do conhecimento e participação na própria bem-aventurança divina. Nesse sentido é que o homem é bom.


Enquanto possibilidade de pecar, o homem é fraco, é débil, dada a sua forte inclinação para o mal (consequência do pecado de nossos primeiros pais).


Deus, na criação, conferiu ao homem os chamados dons preternaturais, ou seja, aqueles predicados que, embora extrínsecos à natureza própria do homem, não se encontram para além dessa mesma natureza. Adão e Eva, primeiro casal, possuía estes dons: profunda compreensão do intelecto e conhecimento inteiro de Deus e das coisas da criação, profundo domínio das paixões e ausência da dor e da morte. Estes dons haviam conferido ao homem uma menor possibilidade de pecar, mas não extinguiam por completo essa possibilidade (tanto é que, como sabemos, o homem pecou).


Deus poderia ter conferido um dom sobrenatural ao homem no sentido de lhe vedar totalmente a possibilidade do pecado, mas isso seria uma interferência em seu livre-arbítrio. Fazê-lo, de certo modo, constituiria uma coerção da liberdade, um obstáculo para o pleno exercício da liberdade humana, representando, pois, um como que atentado à própria natureza do homem.

Após a queda, perdemos os dons preternaturais, e por isso nos tornamos propensos ao mal. Isso, em última instância, constitui reflexo de nossa fraqueza e debilidade originais, mas evidentemente conservamos sempre a nossa dignidade de Filhos adotivos de Deus. Tanto é que o próprio Deus Se dignou fazer-Se homem e morrer por nós em Cristo Nosso Senhor.

Resumindo: toda e qualquer criatura de Deus que tenha sido agraciada com o máximo dom do conhecimento divino, unicamente por ser criatura (imperfeita, pois), sempre terá a possibilidade de extravasar a sua imperfeição, escolhendo o mal moral. Mesmo na ordem angélica ocorreu isso; com o homem, portanto, não poderia ser diferente.


Deus não nos obriga a rejeitar tudo o que provém das apetências naturais de nossa natureza decaída, isto é, da concupiscência, mas nos impõe a morigeração, ou seja, insta-nos a refrear esses desejos, agindo de forma equilibrada, comedida e em ordem à santidade.


Algumas pessoas encaram a concupiscência como "algo ruim", isto é, como se fosse a "presença do mal" no coração do homem, ao passo que, como foi referido acima, a concupiscência deve ser mais bem entendida como efeito da fraqueza humana, que acaba por buscar o mal como motivo de sua própria imperfeição. Sem dúvida, isso não constitui um "atributo" que Deus colocou no homem (para obter determinado “proveito”), muito embora Ele a utilize, após a queda original, para um bem maior, como mencionamos. Na realidade, é a ausência de algo, a falta de um completo domínio por parte daquilo que é inteiramente bom e reto. Isso se verifica porque somos criaturas, logo imperfeitos; daí essa ausência ser perfeitamente compreensível.

Em relação ao fato de que a concupiscência provém de algo indiferente (como é a carne), já se tem a questão como resolvida. Não é esta, por si, que corrompe, mas a apetência desordenada de buscar o deleite que daí provém — isto é, a fonte é o mau desejo, aquilo que nasce da concupiscência e reside na alma, jamais no corpo ou na matéria. Assim, quando certo indivíduo cede a uma solicitação de pensamento impuro ou mau desejo, não significa que o objeto em questão (por exemplo, uma pessoa atraente) seja a causa primeira do pecado, e sim, o móbil que conduz o indivíduo a esse anseio desordenado na direção dessa mesma pessoa.



De si, a nossa natureza corpórea não é má. Tendo sido criada por Deus e fazendo parte de nossa essência, só pode ser um bem. Depende, porém, do lado para o qual pende.

Quanto às diversas formas de mortificação da carne, será objeto de louvor penitenciar-se se o exercício ascético  tiver como meta a purificação do espírito, ou seja, facilitar o domínio sobre o corpo para tornar a alma mais predisposta a seguir os preceitos de ordem moral espiritual. Nunca poderá ser, contudo, uma forma de destruir ou lesar a integridade de nosso ser, ao modo de uma vindita, como se a nossa natureza fosse intrinsecamente má. Sentir complacência com a dor pela dor equivale a masoquismo.


Houve manifestações protuberantes de tal gravíssimo erro doutrinário e moral, por exemplo, na seita dos Flagellants.

  Algumas pessoas, na Idade Média, que encaravam a Peste Negra como castigo divino, afirmavam aplacar a ira de Deus chicoteando, ou flagelando, a si mesmas. A Irmandade dos Flagelantes, um movimento que, segundo dizem, reunia 800.000 seguidores, teve seu auge de popularidade durante a Peste Negra. As regras da seita proibiam falar com mulheres, lavar-se ou trocar de roupas. Os adeptos desses movimentos praticavam a flagelação pública duas vezes por dia.

Os flagelantes também se insurgiam contra a autoridade da Igreja, contestando-lhe o direito de conceder absolvição e indulgências. Não admira, pois, que, em 1349, o Sumo Pontífice a tenha condenado.

Essas correntes não se inscrevem apenas no seio do Cristianismo.


De quando em quando, por exemplo, a imprensa dá conta de rituais muçulmanos, em que os xiitas praticam rituais de autoflagelação.



*** * ***


Seguindo uma ordem de ideias mais ou menos afim, ouve-se, cá e lá, dizer que a pessoa em pecado mortal se acha privada da graça de Deus, e que, portanto, todas as orações que fizer, achando-se nesse estado, serão realizadas em vão. Aí reside o erro.


Mesmo sem receber o sacramento da penitência, o pecador pode ter uma contrição perfeita. Ainda que isso não ocorra, pode, contudo, estar sinceramente arrependido de haver pecado. Nessas condições, elevando, com piedade e fervor, a oração a Deus incluído aí o seu pedido de perdão, e estando com o firme propósito de se confessar na primeira ocasião possível, certamente será atendido. Mormente recorrendo à intercessão de Nossa Senhora, Corredentora do gênero humano, Medianeira universal e onipotência suplicante.


Dito em outros termos: ao rezar em estado de pecado mortal, o pecado não ganha mérito, ou seja, nele não há aumento da graça santificante. Entretanto, a eficácia da oração não depende do estado de graça. O que tem relação com o estado de graça é o mérito.  



Sobre a eficácia da oração


Para que a oração dê o fruto que lhe é próprio, as condições requeridas são:


* pureza de coração;


* recolhimento do espírito: "Ademais, devemos procurar orar com recolhimento. A alma frívola, dissipada e sempre distraída, a alma que não sabe ou não quer se esforçar por atar [conter] a 'louca da casa', isto é, reprimir os desvarios da imaginação, não será nunca uma alma de oração". (MARMION, D. Columba, OSB. Jesus Cristo, vida da Alma, II-B, 10, 6);


* abandono à vontade de Deus;


* humildade: "Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes." (Tg 4,6; cf. Pr 3,34);


* reverência;


Quais os frutos da oração?

Há os frutos gerais: aproximar-nos de Deus, aumentar a graça santificante, conseguir graças atuais que nos ajudem na salvação, confirmar e fazer crescer a graça habitual. E os frutos específicos: conseguir as graças atuais que pedimos, ou, conforme a vontade de Deus, obter outras em lugar daquelas que estão sendo pedidas, desde que estas sejam mais convenientes para nos conduzir ao céu.


Toda oração é proveitosa e permite-nos lucrar em algo, obter alguma graça. A oração de adoração, de agradecimento, mesmo quando não pedimos especificamente nada a Deus, também faz com que granjeemos algo: o crescimento interior e o conhecimento mais profundo de Cristo, Nosso Senhor.


Ao fazer uma oração explícita de petição, ainda que (por razões várias) não consigamos o que pedimos a Deus, recebemos sempre frutos valiosíssimos. De um lado, porque o fato de buscar a Deus, de si, concorre para que aprendamos a nos submeter à Providência, em todas as situações; de outro, porque o recurso à oração contribui para nos incutir crescente amor e obediência a Deus.


Importa notar que, sob determinadas circunstâncias, a oração nunca deixa de ser atendida. "A oração, revestida das devidas condições, obtém infalivelmente o que pede em virtude das promessas de Deus." (ROYO MARIN, Fr. Antonio, OP. Teologia de la perfección cristiana, Madrid: BAC, 1955, p. 183)


Eis as condições, segundo Santo Tomás de Aquino, para que a oração não falhe, a bem dizer, para que consiga efetivamente de Deus o que se pede: "São quatro as condições para que, presentes, alguém sempre consiga o que pede: a saber, (1) que peça para si mesmo (2) coisas necessárias à salvação, (3) piedosamente, e (4) com perseverança." (S. Th., II-II, q. 83, a. 15, ad 2)


Reunidas essas quatro condições, Deus nos atende sem sombra de dúvida.  O pressuposto fundamental é que peçamos algo para o bem de nossa alma, com piedade e perseverança, pois o objeto maior da oração deve ser condizente com a nossa salvação eterna. Ora, como só Deus conhece todas as coisas, pode acontecer que embora julguemos ser algo para o nosso bem, de fato, tal pedido nos afaste de nosso fim último. Nesse caso, não receberemos o que é solicitado.


Depende de nós, com a ajuda da graça, a reunião de três das quatro condições.


Quanto à primeira — pedir para nós mesmos — cumpre esclarecer: ao rezarmos pelo próximo, pode suceder que o outro não receba a graça solicitada, pois a referida pessoa talvez não se encontre nas condições de alma requeridas. Tal não significa que a oração por terceiros seja, o mais das vezes, ineficaz. Bem ao contrário, obtém de fato muitíssimas vezes o que se pede. Apenas não há uma certeza plena de que isso venha sempre a ocorrer.




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