quarta-feira, 10 de abril de 2013

São Luís IX, Rei, estadista e cruzado


"Cada época histórica tem um homem que a representa. Luís IX é o homem modelo da Idade Média: é um legislador, um herói e um santo... Marco Aurélio [Imperador romano pagäo] mostrou o poder unido à filosofia; Luís IX, o poder unido à santidade. Avantajou-se o cristäo" (Chateaubriand, Estudos históricos).


Hélio Viana
Fonte: Catolicismo

Matéria de: Agosto de 1998
Não surpreende muito que um homem, retirado num claustro e separado das ocasiões de pecado, domine as inclinações desregradas da natureza e progrida na prática das mais belas virtudes do Cristianismo. Mas que um príncipe, ao qual não se tem a liberdade de repreender nem contradizer, e que vivendo em meio às honrarias e às mais perigosas volúpias, domine suas paixões, conservando a inocência e a pureza de coraçäo, é realmente admirável, podendo ser chamado um prodígio na ordem da graça.
Entretanto, aquilo que é impossível para as forças do homem, näo o é para Deus. E se a História do Antigo Testamento nos apresenta muitas cabeças coroadas que souberam aliar a santidade com a autoridade soberana, e a qualidade de profeta à de chefe, de juiz e de rei, a História do Novo Testamento nos fornece um número bem maior em quase todos os reinos cristäos.
Nesse mês, dia 25, a Igreja nos propöe um príncipe, que podemos chamar de pérola dos soberanos, glória da coroa da França, modelo de todos os príncipes cristäos; e para dizer tudo em duas palavras, um Monarca verdadeiramente segundo o coraçäo de Deus, da Igreja e do povo.
É o incomparável Säo Luís, quadragésimo Rei da França desde o início da monarquia, e o nono da terceira raça, da qual Hugo Capeto foi o tronco.
Seu pai foi Luís VIII, filho de Filipe Augusto, e sua mäe a princesa Branca, de quem os historiadores atribuem a glória de haver sido filha, sobrinha, esposa, irmä e tia de reis. Com efeito, seu pai foi Afonso IX, Rei de Castela, que infligiu aos mouros sério revés na batalha de Navas de Tolosa, quando mais de duzentos mil infiéis pereceram no campo de batalha; era sobrinha dos reis Ricardo e Joäo, da Inglaterra; esposa de Luís VIII, Rei da França; irmä de Henrique, Rei de Castela; mäe de Säo Luís IX e de Carlos, Rei de Nápoles e da Sicília; e tia, através de suas irmäs Urraca e Berengüela, de Sanches, Rei de Portugal, e de Säo Fernando III, Rei de Leäo.
Nasceu Säo Luís no Castelo de Poissy, a 30 quilômetros de Paris, no dia 25 de abril de 1215, quando em toda a Cristandade procissöes solenes comemoravam o dia de Säo Marcos. Vivia ainda seu avô, Filipe Augusto, o qual acabava de ganhar a célebre batalha de Bouvines, oito anos antes de lhe suceder seu filho, o futuro Luís VIII.
A infância de Säo Luís foi um espelho de honestidade e sabedoria. Seu pai, que unia virtude e zelo pela religiäo a uma bravura marcial que lhe valeu o nome de Leäo, foi particularmente zeloso na sua educaçäo. Deu-lhe bons preceptores e um sábio governante: Mateus II de Montmorency, primeiro baräo cristäo; Guilherme des Barres, Conde de Rochefort; e Clemente de Metz, marechal-da-França, que lhe inspiraram os sentimentos que deve ter um rei cristianíssimo e um filho primogênito da Igreja.
Sua mäe, Branca, näo poupou esforços para torná-lo um grande rei e um grande Santo, sobretudo após a morte de seu filho primogênito, Filipe. Ela lhe repetia com freqüência estas palavras, dignas de serem imitadas por toda mäe verdadeiramente católica: "Meu filho, eu gostaria muito mais ver-te na sepultura, do que maculado por um só pecado mortal".
Com a morte prematura do Rei aos 40 anos, em 1226, na cidade de Montpellier, quando voltava da guerra contra os hereges albigenses, nosso Santo subiu ao trono, sob a tutela da mäe, tendo sido sagrado na Catedral de Reims em 30 de novembro daquele mesmo ano.
Sua minoridade foi pródiga em guerras intestinas, causadas pela ambiçäo e orgulho de senhores feudais do reino, que desejavam valer-se da pouca idade do soberano para impor as suas pretensöes. Mas Deus dissipou todas as facçöes por uma proteçäo visível sobre a pessoa sagrada desse jovem Monarca.
Uma minoridade täo conturbada serviu de ocasiäo para fazer reluzir a prudência, o valor e a bondade daquele que se tornaria um protótipo do Rei Católico.

Matrimônio abençoado por Deus


Estátua eqüestre de São Luís IX em frente ao Museu de Arte da cidade de Saint Louis (EUA)
No dia 27 de maio de 1235, pouco depois de completar 20 anos, casou-se com Margarida, filha mais velha de Raimundo Béranger, Conde de Provence e de Forcalquier, e de Beatriz de Sabóia. Era uma princesa que a graça e a natureza haviam dotado de toda sorte de perfeiçöes, e que lhe daria, ao longo de uma santa e harmoniosa existência, 10 filhos, cinco homens e cinco mulheres. Acompanhou ela o jovem esposo na sua primeira expediçäo além-mar, e após a morte deste, retirou-se no Mosteiro de Santa Clara, onde terminou seus dias em 20 de dezembro de 1285. Seu corpo, precedido e seguido por pobres, que a chamavam de mäe, foi enterrado em Saint-Denis.
Luís IX procurava acima de tudo tributar a Deus o serviço e a honra que Lhe eram devidos. Este lhe retribuía assistindo-o em todas as necessidades, aconselhando-o nos empreendimentos, protegendo-o dos inimigos e conduzindo a bom termo todas as suas iniciativas.
O segundo de seus filhos varöes foi Filipe III, que lhe sucedeu no trono, e cujos filhos foram, por sua vez, Reis, até Henrique III. O caçula de Säo Luís foi Roberto de Bourbon, cuja descendência subiu ao trono francês durante nove geraçöes. Das filhas, com exceçäo de uma, falecida prematuramente, todas foram esposas de Reis.

Educação cristã dos filhos: modelo de pai
Ao contrário de outros Monarcas, que negligenciam a educaçäo dos filhos, ou os deixam, sem maior preocupaçäo, aos cuidados de governantes, Säo Luís chamava pessoalmente a si o cuidado de os instruir, imprimindo-lhes na alma o desprezo pelos prazeres e vaidades do mundo e o amor pelo soberano Criador. Ele os exercitava normalmente à noite, após as horas Completas, quando os fazia vir a seu quarto a fim de ouvir as suas piedosas exortaçöes. Ensinava-lhes, além disso, a rezar diariamente o Pequeno Ofício de Nossa Senhora, obrigava-os a assistir às Missas de preceito, e incutia-lhes a necessidade da mortificaçäo e da penitência. ±s sextas-feiras, por exemplo, näo permitia que portassem qualquer ornamento na cabeça, porque foi o dia da coroaçäo de espinhos de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Ainda hoje existem os manuscritos das instruçöes por ele deixadas à sua filha Isabel, Rainha da Navarra: säo täo santas e cheias do espírito de Nosso Senhor, que nenhum diretor espiritual, por mais esclarecido que seja, seria capaz de apresentar outras mais excelentes.

O governante: justiceiro e moralizador dos costumes

São Luís IX

Se Säo Luís soube educar täo bem os filhos, foi entretanto ainda mais admirável em governar os negócios públicos. Nunca a França experimentou tanta paz e prosperidade como em sua época. Enquanto as outras naçöes, em todas as latitudes, estavam em convulsäo, os franceses por ele governados gozavam de uma feliz tranqüilidade, assegurada pela sabedoria do Monarca. Ele soube banir do Estado, através de sábias leis, todos os desregramentos entäo existentes. O primeiro deles foi a blasfêmia e os juramentos ímpios e execráveis. Foram täo rigorosas as puniçöes contra eles estipulados, que o Papa Clemente IV julgou dever atenuá-las.
Outros desregramentos que se esforçou em exterminar foram os duelos, os jogos de azar e a freqüentaçäo a lugares de tolerância. Antes de Säo Luís, nenhum Rei havia proibido os duelos: toleravam-no, e às vezes o ordenavam, a fim de se conhecer o direito das partes; o que importava meio enganoso e contrário aos preceitos da justiça.
Modelo em tudo para os homens públicos de todos os tempos e sobretudo de nossos dias, Luís IX o era de modo especial no tocante à boa administraçäo dos bens do Estado e ao exímio cumprimento da lei. Assim, por exemplo, quando enviava juízes, oficiais e outros emissários às províncias para ali exercerem durante algum tempo Justiça, proibia-lhes de adquirir bens e empregar seus filhos, com receio de que isso pudesse ensejar a que viessem cometer injustiças.
Nomeava, acima deles, juízes extraordinários para examinar sua conduta e rever seus julgamentos, a exemplo de Deus, que assegura que julgará a Justiça. E se por acaso encontrava que em algo haviam agido mal, impunha-se primeiramente a si mesmo uma severa penitência, como se tivesse sido o culpado pelo excesso praticado por eles, e em seguida ministrava-lhes severa puniçäo, obrigando-os a restituir o que haviam tomado do povo, se fosse esse o caso, ou a reparar aqueles que haviam sido condenados injustamente. Pelo contrário, quando tomava conhecimento de que haviam cumprido dignamente os seus deveres, recompensava-os regiamente e os fazia ascender a funçöes mais honrosas.
Além de administrar Justiça, näo negligenciava o Santo Monarca o cuidado dos pobres.

Zelo pela ortodoxia e piedade
A Santa Capela, parte superior, que São Luís IX mandou construir em Paris, para abrigar a Coroa de espinhos de nosso Redentor
Se foi notório seu zelo em extirpar a libertinagem no reino de França, o que dizer de seu empenho em relaçäo ao extermínio da heresia e ao estabelecimento da Fé e da disciplina cristä? Para isso tomou-se de grande afeiçäo pelos religiosos de Säo Domingos e de Säo Francisco, a quem ele via como instrumentos sagrados dos quais a Providência queria se servir para a salvaçäo de uma infinidade de almas resgatadas pelo precioso Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele os convidava com certa freqüência para jantar, sobretudo Säo Tomás de Aquino e Säo Boaventura, dois luzeiros a iluminar o firmamento da Santa Igreja a partir da Idade Média.
Um dos traços em que a religiosidade desse grande Monarca mais se manifestou foi a aquisiçäo, junto a Balduíno II, Imperador de Constantinopla, da Coroa de Espinhos de Nosso Senhor Jesus Cristo, para a qual mandou edificar essa verdadeira maravilha da arquitetura gótica que é a Sainte-Chapelle, na Sle-de-la-Cité, no coraçäo de Paris.






Voto de cruzar-se: realiza-se a VI Cruzada
Deus, quando suscita numa alma um grande desejo, fá-la näo raro passar por uma grande provaçäo antes de atendê-la. Foi o que sucedeu com Säo Luís, que em 1245 caiu gravemente enfermo, a ponto de alguns terem como certa sua morte. Nessa contingência os franceses, que o amavam como a um pai, fizeram violência ao Céu, organizando vigílias, procissöes e outros atos de piedade pela sua convalescença. O Monarca fez entäo um voto: caso sobrevivesse, partiria para libertar o Santo Sepulcro.
Cumpriu-o três anos depois, ao partir para Lyon, onde se encontrou com o Papa Inocente IV, de quem recebeu a bênçäo apostólica. Dirigiu-se em seguida para Aigues-Mortes, onde o aguardavam as embarcaçöes que deveriam conduzi-lo com os cruzados ao Oriente. Era o dia 25 de agosto de 1248, data em que se iniciava a VI Cruzada da História.
As naus tocaram inicialmente a Ilha de Chipre, onde o Monarca se viu obrigado a permanecer durante o inverno, devido a uma peste que arrebatou a sexta parte de seu exército. Sua demora e essas perdas foram contudo de algum modo recompensadas pela conquista do Rei de Chipre, a quem Säo Luís conseguiu convencer de juntar-se à expediçäo.
Reencetou o Santo Cruzado a sua expediçäo no dia 13 de maio de 1249, à frente de uma formidável armada de 1800 embarcaçöes, grandes e pequenas. Entretanto, devido às tempestades, mais da metade delas desviou-se da rota. De sorte que, ao passar em revista suas tropas, encontrou apenas 700 cavaleiros, dos 2800 de que se compunha seu exército.
De batalha em batalha; vitorioso numas e com reveses em outras; passando por humilhaçöes pelos pecados de seus soldados ou por honrarias em pleno cativeiro (os emires do Egito quiseram elegê-lo Sultäo!); sendo informado do nascimento de um dos filhos em Damiette, em plena época de negociaçäo com os algozes, e do falecimento de sua bondosa mäe, a Rainha Branca, na França; enfrentando pestes e naufrágios, retomou o Rei-Cruzado, em 25 de abril de 1254, festa de Säo Marcos, o caminho da doce França, onde aportou no dia 19 de julho do mesmo ano. Em 5 de setembro encontrava-se no Castelo de Vincennes, e no dia seguinte entrava solenemente em Paris.
Seu regresso foi acolhido com eloqüentes manifestaçöes de dileçäo do Papa Clemente IV e de Henrique III, Rei da Inglaterra.

Provações e santa morte do Rei Cruzado
Decidiu entäo o Santo lançar uma VII Cruzada, a última da História, para a qual se apresentaram seus filhos e Ricardo, Rei da Inglaterra, além de numerosos príncipes e senhores. Após terem sido tomadas todas as providências, partiram em direçäo a Túnis, no dia 4 de julho de 1270.
Mais uma vez no mar, e eis que outra grande tempestade dispersa as embarcaçöes, fazendo com que muitas sejam impedidas de partir. Säo entretanto reparadas e chegam todas a Túnis. Mas o rei daquelas terras, bárbaro, traidor e infiel, que havia chamado Säo Luís à ≡frica dizendo que queria tornar-se cristäo, sequer permitiu que sua armada descesse. O embate começou entäo ali mesmo, com os franceses assediando vários pontos nevrálgicos dos infiéis e a própria capital. Como esta resistisse, decidiram dominá-la cortando os víveres.
Mas a decomposiçäo da cidade atingiu o exército francês, que foi logo empestado por todos os lados, ceifando inúmeras vidas. Säo Luís viu morrer seu filho Jean Tristan, nascido por ocasiäo do seu cativeiro no Egito, e pouco depois ele mesmo entregaria serena e santamente sua bela alma a Deus, o que se deu no dia 25 de agosto de 1270, precisamente 22 anos após sua partida para a VI Cruzada.
As relíquias de Säo Luís foram levadas para a França por seu filho Filipe, com exceçäo das entranhas, destinadas à Abadia de Montréal, na Sicília, a pedido do Rei Carlos, irmäo do Santo Monarca. O resto de seu corpo repousa na Abadia de Saint-Denis. Seu culto foi juridicamente examinado e aprovado pelo Papa Bonifácio VIII, que o canonizou em 1297.
Fonte de referência:
Les Petits Bollandistes, Vie des Saints, Typographie des Célestins, ancienne Maison L. Guérin, 1874, t. V, p. 192 a 217, Bar-le-Duc.

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